Feira de Santana
Psicólogo diz que fatores históricos e sentimento de posse contribuem para crimes passionais
De cada 10 assassinatos pelo menos um é motivado por ciúme excessivo e inconformismo com o fim de relacionamentos amorosos. As mulheres são a maioria das vítimas desse tipo de crime.
Daniela Cardoso
Em menos de 30 dias duas jovens foram vítimas de crimes passionais em Feira de Santana. Na manhã de quinta-feira (9), Danúbia Alvim da Silva Lopes, 29 anos, foi encontrada morta em um dos quartos da casa do ex-marido , Nilson Oliveira da Silva, apontado pela polícia como suspeito do crime. No dia 24 de abril, outro crime passional chocou a cidade. A enfermeira Aline Malane Castelo Sampaio, 25 anos, foi assassinada a tiros. O ex-namorado da vítima, que não aceitava o fim do relacionamento, foi apontado pela polícia como o principal suspeito.
Os crimes passionais ajudam a aumentar as estatísticas de homicídio no Brasil. De cada 10 assassinatos pelo menos um é motivado por ciúme excessivo e inconformismo com o fim de relacionamentos amorosos. As mulheres são a maioria das vítimas desse tipo de crime. Mas, o que leva um homem a cometer um crime contra uma pessoa da qual ele diz amar? Para entender essa e outras questões, o psicólogo especialista em saúde mental, coordenador e autor do projeto do núcleo de psicologia da Polícia Militar da Bahia, Alfredo de Moraes Neto, esteve no programa Acorda Cidade desta sexta-feira (10), onde falou sobre o assunto.
Acorda Cidade – O que é o crime passional?
Psicólogo Alfredo Neto – É um crime movido pelo sentimento de paixão, que toma o ser humano como um todo e que deixa ele um pouco fora dos aspectos normais psicológicos. Ele é tomado por essa loucura instantânea e pode cometer algum crime. Não chega a ser um surto, mas é um sentimento tão voraz, tão de pertencimento e dominador, que a pessoa toma as atitudes que não deveria tomar, de uma maneira normal. Aristóteles fala que a paixão não é um mote para que se tome nenhum tipo de atitude fora da racionalidade, mas isso tem que está dentro do arcabouço de equilíbrio. É claro que tem vários fatores históricos para isso. Vamos fazer um histórico clássico da sociedade brasileira, principalmente da nordestina. Você já viu um caso de crime passional praticado por mulher? É raro. Temos um costume de ver a mulher como um ser inferior, que é da posse do homem. Esse sentimento de posse, do pertencer, é algo muito egocêntrico. Se a gente for lá atrás podemos lembrar de Jesus quando pegou aquela mulher que ia ser apedrejada por adultério. A gente trouxe isso para nossa sociedade. A liberdade da mulher foi conquistada há pouco tempo, mas ainda existe esse pensamento de que a mulher não pode largar o homem, de que ela não pode cometer adultério. Os valores familiares estão deturpados na sociedade. A mulher ainda é vista como um ser submisso e de posse do homem. Quando ele perde isso vem o egocentrismo e pode comentar o crime passional.
AC – Isso não é um distúrbio mental?
Psicólogo – Nem sempre. Temos que deixar claro que o crime passional não é só o crime de morte. Um crime passional, por exemplo, pode ser uma violência. Então podemos perguntar, será que nesses casos de assassinato, já não existia comportamentos anteriores que não foram vistos?
AC – Nos dois casos, as duas vítimas foram chamadas e foram ao encontro deles, mesmo sabendo que eles eram pessoas agressivas. Porque que elas vão ao encontro? Existe explicação para isso?
Psicólogo – Se você for à Delegacia da Mulher, você vai ver muitas mulheres que foram agredidas, violentadas e perdoam o sujeito. Às vezes elas pedem que o agressor seja apenas aconselhado e não fique preso. Apesar da violência toda a mulher não vai imaginar que o homem seja capaz de cometer um crime passional, porque a maioria das mulheres tem um sentimento de conciliação.
Impunidade
A entrevista ainda contou com a participação de Ivannide Santa Barbara, que é militante do Movimento de Organização de Mulheres em Defesa da Cidadania. Ela lembrou alguns crimes recentes registrados contra mulheres em Feira de Santana, cobrou mais atenção da justiça e disse entender que a impunidade dá forças para os criminosos.
“Ficamos estarrecidos como essa violência tem aumentado. Esses homens violentos que se permitem matar as mulheres sabem que a pena é leve, então isso da para eles a ousadia de matar. Eu penso que a gente precisa qualificar a ação punitiva para que eles temam e saibam que ao matar uma mulher vão pagar duramente por isso. Enquanto as punições forem do jeito que estão, a vida vai continuar sendo banalizada”, afirmou.
“Na semana passada houve o assassinato de uma jovem, depois uma mulher foi estuprada e agora mais uma jovem morta. Temos que conclamar a justiça e a polícia que tomem providências. Temos que lutar pelos nossos direitos”, completou.
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