Ele chama a atenção onde chega, embora não seja, sua intenção “aparecer” ou destacar-se dos outros. Quando conversa e expõe seu perfil, nota-se facilmente até mesmo uma certa timidez. O estilo de vestir-se, diferenciado, com saias escocesas masculinas, calças boca de sino e abundantemente coloridas, cropped’s (deixam à mostra o abdomen), é o que primeiro atrai os olhares curiosos.
As pessoas prestam um pouco mais de atenção e logo notam a grande quantidade de tatuagens praticamente em todo o corpo – elas apenas não estão presentes, ele garante, em suas partes íntimas. Coleciona também alguns piercings. “São poucos, mas bons, de ouro. Coisa boa, para não dar problema”. Anselmo Araújo da Silva é um jovem muito conhecido em Feira de Santana, mas não exatamente pelo nome de batismo. Seus amigos o identificam muito mais pelo apelido “3M”.
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Esta tornou-se sua marca registrada a partir do trabalho que realiza, de vitrificação automotiva. É referência à famosa multinacional americana fundada no século passado, com uma grande presença no Brasil. Na expressiva gama de produtos em que atua a 3M, estão os automotivos. A vitrificação de carros, que Anselmo garante fazer com excelência, é um processo em que se aplica material específico sobre a lataria do carro, não somente protegendo e dando brilho à pintura, mas, principalmente, aumentando a durabilidade do verniz original.
“Carro novo vem com vaselina na cegonha”, adverte, ao justificar a importância da proteção que ele aplica.
Polir carro, orienta, “come verniz”, enquanto a vitrificação vai durar de cinco a seis anos, por um custo de R$ 1,2 mil a R$ 3 mil. A entrega do veículo, pronto, é no máximo após três dias de trabalho. “3M”, o jovem de 38 anos completos em 16 de março, nascido no distrito de Bonfim de Feira e desde criança vivendo nesta cidade, tem 15 anos realizando este serviço.
A qualidade que ele promete, e afirma cumprir, lhe garante uma agenda cheia sempre, inclusive, atendendo a clientes fora do Estado, o que lhe garante uma boa renda. Também atua com PPF (Paint, Protection Film), algo como película sobre a pintura mais comumente denominado “envelopamento”. O investimento é maior, entre R$ 5 e R$ 6 mil. Por isto, menos popular.
De família humilde, que se estabeleceu na rua Pojuca, entre os bairros Sobradinho e Baraúnas, “3M”, o mais velho de três irmãos (ele e duas mulheres), se orgulha de ter começado a trabalhar aos 10 anos de idade e de “nunca ter dado dor de cabeça a pai e mãe”.
Catou material reciclado nas ruas, fez “carrego” de feira, vendeu lenha para a fogueira de São João. As tatuagens e a forma um tanto exótica de suas vestimentas, acompanhados pelo cabelo escuro e reluzente, sempre muito bem penteado à base de fixador, não lhe fizeram esquecer de hábitos tradicionais e conservadores, como pedir a bênção aos pais, com os quais voltou a morar, e lhes desejar um bom dia.
A bebida alcoólica já não faz parte de seu cotidiano. Há três anos deixou de lado a cerveja, que bebia moderadamente. Descobriu que o álcool “não leva a lugar algum”. Também não curte drogas ilícitas. A diversidade sexual, realidade dos tempos atuais, ele respeita, mas não compartilha.
“Mulher nasceu para o homem e o homem para a mulher. Será que Deus está aprovando?”, questiona, com convicção. Cauteloso, tem a consciência de que “não devemos julgar aos que tem orientação sexual diferente (da tradicional)”. Recomenda muito cuidado (com o que dizer sobre), “porque tudo hoje é desacato”.
Os estudos ele encerrou logo cedo, após frequentar os anos iniciais na Escola Antônio Eloy da Costa, perto de casa.
“Eu matava (de dar trabalho) todas as professoras”, confessa. Não deu continuidade à sala de aula pois precisava “batalhar” para ganhar o seu dinheiro. Pai de Luna Brunessa, de cinco anos, é separado e confessa não alimentar a possibilidade de outro relacionamento permanente. Está satisfeito com as paqueras, “um namoro aqui, outro ali”, e diz “investir” quando vê que uma menina lhe “encara”, curiosa por causa de sua roupa ou das tatuagens.
Festa, ele diz que vai “de vez em quando”, como a que aconteceu no último sábado, no Joia da Princesa. Comprou ingresso não pela presença do arrocheiro Pablo, de quem não é fã, mas por Calcinha Preta, que fazia parte da noitada musical. Diferentemente do que se poderia imaginar, o rock não é o forte dele. Gosta mesmo do “forró raiz” e é apaixonado pelas canções de Flávio José, seu ídolo, sendo sua preferida a que diz “a casa que vovô morou, o meu pai herdou e deixou pra mim”.
Embora os trajes, que compra por encomenda, sejam uma marcante característica, é pelas tatuagens, de fato, que Anselmo, o “3M”, é mais observado por onde passa. A primeira, feita aos 22 anos de idade, foi bastante simples, o nome de Samuel, seu sobrinho, “primeiro neto de minha mãe”. Queixo, face, testa e proximidade dos olhos estão tomados por elas. É no rosto que ele também tem registrado o nome da filha e a palavra “gratidão” – este, o “sentimento mais importante no ser humano”. Ali, ainda mandou tatuar (atenção!), a imagem de um relógio, “porque a gente não pode parar”.
O gosto do vitrificador de carros por tatuagens, diferentemente do que muitos possam imaginar, não é de infância ou adolescência. “Pelo contrário, eu era radicalmente contra. Pra mim, quem tinha (tatuagem) era vagabundo”. Alguem lhe retrucava, acertadamente, dizendo que “um dia você vai amar esse negócio”. Aconteceu exatamente assim. Depois da primeira, “disparei, uma atrás da outra”. Hoje, são exatos 100 desenhos diferentes cunhados pelo corpo, alguns deles de animais, como a coruja, havendo espaço para a mitologia, através de um destacado dragão. Importante frisar, “3M” não sabe fazer tatuagem, sempre contratou o serviço. Todo este acervo pelo corpo lhe custou entre R$ 40 e R$ 50 mil.
Mas, afinal, quantas outras tatuagens pretende fazer? Garante que serão mais três e, então, fim de papo. Difícil, para quem vê o corpo completamente preenchido, é enxergar espaço. Porém, ele assegura, tem lugar ainda nas costas, costelas e pernas. Então, tá. Embora reconheça que exista e seja bastante forte na sociedade, o preconceito não lhe traz preocupação. Enfrentou resistência, no início, até mesmo de familiares, mas hoje “todos estão acostumados” e respeitam sua vontade pessoal. “3M” diz não considerar “que alguém vai falar mal de mim”, pois o importante na vida é “fazer o bem e, aqui na terra, eu só faço o bem”.
Nos dias de hoje, o que mais lamenta no comportamento das pessoas é a ingratidão. “Está demais. Você faz, faz e, no dia em que diz que não pode, fica mal visto. O cachorro, você dá comida e ele vai te reconhecer para sempre”. A modernidade, tecnologia e redes sociais, facilitam descobrir as coisas, analisa “3M”. O problema é que “um quer ‘comer’ o outro”. O inimigo, segundo o profissional de talento no cuidado com a pintura dos automóveis, não admite o “brilho do próximo”. Sabendo disso, busca “tratar a todos muito bem, ver direitinho o que faço e o que falo, para não me prejudicar ou prejudicar a alguém”.
Geralmente, assinala, sem disfarçar o orgulho, quando há a oportunidade da convivência, “levo as pessoas a gostarem de mim”. É o que se vê, por exemplo, na Feira Fitness Sobradinho, academia de musculação que frequenta com certa irregularidade, por conta dos afazeres. Sua presença ali é festejada, quando encontra um tempo livre, sempre às tardes. Os presentes observam o quase modelo “3M” caminhando estilosamente pelos corredores, conferindo elegância ao ambiente, onde é bastante querido por todos, instrutores e colegas alunos. Não exagera na carga de peso, mas mantém um físico enxuto. Nem poupa cumprimentos, aos que lhe tratam com educação e carinho.
Texto por Valdomiro Silva
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