A festa de São João é uma celebração esperada e comemorada por muitos nordestinos. Rica culturalmente, a festa tem espaço para música, dança e comidas típicas. Mas como surgiu essa a tradição?
O Acorda Cidade conversou com a historiadora do Museu Casa do Sertão da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), Cristiana Barbosa, que explicou a história e a tradição da celebração de São João no Nordeste do Brasil. Ela falou sobre as origens dessa festa, elementos culturais que a compõem, a exemplo das quadrilhas, comidas típicas, fogueira e músicas, que fazem essa festividade ser uma das mais queridas e importantes da região.
Como surgiu a tradição?
De acordo com a historiadora, para falar da tradição do São João, tem que remontar um longo período. Ela lembra que a fogueira é um dos principais elementos da tradição junina, que está ligada a antigas civilizações. Além disso, a tradição junina no Brasil também traz nas manifestações culturais e elementos típicos relacionados a dança, a culinária, aos enfeites, que são também vinculados a tradição portuguesa, que foram introduzidos no período colonial brasileiro. Outro ponto que Cristiana Barbosa destaca é o período em que a festa é realizada, trazendo influências do povo pagã e também da igreja.
“A gente tá falando de um período que se trata do solstício de inverno, que é justamente a mudança de estação e a proximidade da colheita. No caso do povo nordestino, temos o milho e o feijão. Então isso está relacionado a grupos de povos que hoje podemos chamar de pagãs. Quando a gente fala de celebração dos santos, estamos mencionando um período relativamente grande. A gente começa os festejos ainda com a trezena de Santo Antônio, depois passamos pelo São João e finalizamos com o São Pedro”, informou.
Fogueira
Cristina Barbosa destaca que os povos europeus têm o fogo como um símbolo forte em alguns rituais e a fogueira vem nessa tradição de identificar o fogo como um elemento agregador. Segundo ela, ainda hoje o fogo é um elemento de identidade e contemplação em várias religiões.
“A fogueira vem nessa trajetória milenar de identificação de povos e de elementos pagãs, mas para a tradição católica dos festejos juninos a gente tem uma referência muito vinculada ao nascimento do São João, que é o único santo da igreja católica que é celebrado também a data do seu nascimento. Apenas Jesus Cristo e Nossa Senhora tem a celebração do nascimento, e São João tem esse privilégio. A fogueira seria um elemento de comunicação, de informar que o menino João teria nascido”, explicou.
Quadrilhas
Outra tradição do São João são as quadrilhas juninas, que tem como características passos marcados e dança em casais. Segundo a historiadora essa dança está ligada a organização social do período colonial, onde se organizavam bailes nos salões das casas grandes para celebrar as colheitas.
“Esses bailes reverberavam para a senzala, para o terreiro, para fora da casa onde estava esse marco indicativo de identidade que é a fogueira. Ao redor dessas fogueiras, dançavam homens e mulheres pretos, que se apropriaram de elementos dessa festa realizada na casa grande, como por exemplo, a dança, que tinha como característica passos bem marcados. Assim, eles reinterpretaram passos que eram feitos dentro desses bailes dançantes dos chamados homens brancos”, explicou.
Culinária
A culinária junina tem forte influência com o período em que a festa é realizada. A historiadora lembra que o milho é plantado no início de marco, para ser colhido em junho, sendo este alimento, um dos mais tradicionais nos pratos típicos juninos.
“O milho é o grande ingrediente da composição de vários pratos que a gente degusta nesse período. Tem a canjica, bolo de milho, milho assado e cozido, pamonha. E é importante a gente dizer que o milho é um fruto muito antigo, ou seja, antes mesmo de Colombo chegar a América e ocorrer a colonização. Civilizações muito organizadas e com uma agricultura forte, já cultivavam esse alimento, a exemplo dos astecas, incas e maias. O milho era a grande referência de riqueza que mostrava a fertilidade desses povos”, relatou.
A historiadora Cristiana Barbosa lembra ainda de outros alimentos típicos do São João como o amendoim, bolos tradicionais e o mungunzá. Ela destaca que todos são alimentos importantes de degustação promovem um processo de agregar, festejar e compartilhar, características fortes presentes no povo nordestino.
Forró – música e dança
E como falar de São João sem falar do famoso dois pra cá e dois pra lá? Segundo a historiadora, o forró está vinculado aos antigos bailes realizados na casa grande e também nos centros urbanos. Atualmente, os festejos juninos estão fortemente vinculados ao rural e Cristina atribui ao fato das cidades mais interioranas terem preservado essa tradição de forma mais genuína.
“Há historiadores que complementam dizendo que o forró faz uma transição de dança, desse baile não marcado e sem etiqueta, empreendido pela população mais pobre, para um ritmo musical. Há também pesquisas onde mostra que se molhava o chão do terreiro onde se dançava, pois o chão era batido e subia a poeira. Então as pessoas arrastavam o pé na hora de dançar”.
Outro marco do forró nordestino foi em 1949, quando Luiz Gonzaga passou a cantar uma música chamada “O Forró de Mané Vito”. A historiadora afirma que com essa música teria inaugurado o que a gente entende hoje como forró, que além de um ritmo musical, também é uma dança.
Valorização da cultura
A historiadora ainda falou sobre a importância de valorizar a cultura junina, uma celebração que gera renda e emprego. “Acho que deveria se ter um pouco mais de cuidado com alguns elementos que precisam ser mais valorizados, inclusive com políticas públicas mais contundentes no sentido de que elementos externos não prejudique a genuína tradição das festas juninas”, finalizou.
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