O mundo e os relacionamentos não são os mesmos de décadas atrás. Cartas de amor eram escritas e enviadas como provas de amor, o que, com o tempo, se tornou SMS, textos por aplicativos de mensagens ou até mesmo, uma declaração com fotos nas redes sociais. Mas, a era digital, além da praticidade em se relacionar, trouxe também inúmeras situações que puderam tornar a relação entre um casal duradoura ou não.
Diante desta influência da tecnologia em aproximar ou afastar as pessoas, principalmente se estão envolvidas em uma relação, o Acorda Cidade conversou com a Psicóloga Clínica Bárbara Saddy, nesta quarta-feira (12), Dia dos Namorados, para refletir sobre as principais mudanças, e estratégias para que casais desenvolvam resiliência e superação diante dos conflitos atrelados à tecnologia.
Inicialmente, com o advento da tecnologia, Bárbara Saddy fez uma avaliação sobre os principais impactos, negativos e positivos diante do avanço da tecnologia e das redes sociais na rotina de casais.
“Observo muitas mudanças tanto positivas como algumas que trazem grandes desafios para os relacionamentos de hoje. Se por um lado existe uma facilidade maior para que os casais se comuniquem, troquem mensagens, possam manter contato à distância como fizemos durante a pandemia, por outro lado, há também a expectativa de que o outro esteja sempre disponível. Existe uma ilusão de controle, uma certa vigilância nas redes do outro que podem gerar conflitos, um excesso de opções disponíveis que facilitam a aproximação de muitas pessoas atrás das redes que também por outro lado, acaba se tornando uma escassez de conexões mais íntimas e duradouras. Então as redes sociais podem influenciar na percepção que os casais têm de si mesmos e dos seus relacionamentos. A exposição, as vidas aparentemente perfeitas de outras pessoas também pode levar a comparações e sentimentos de comparações”, disse.
Como nem tudo são flores, com a chegada das redes sociais, o desejo pelos ideais acabou se tornando um sentimento real na vida das pessoas, impactando também na expectativa da relação.
Conforme a psicóloga, o tempo tem sido um grande aliado para obter a intimidade, e a construção do desejo para também lidar com as diferenças e frustrações.
“Por um lado a rede social promove o tempo todo o desejo por certos ideais, o corpo maravilhoso, aquela viagem, aquele homem ou mulher perfeitos, mas por outro lado ela acaba matando o desejo da gente desejar o que já tem ou o que é possível da gente alcançar, porque se eu preciso buscar coisas melhores, relações melhores, versões melhores de mim mesma que eu acabo virando escrava de um desejo que não vai se satisfazer nunca. Para as relações amorosas essa é uma dinâmica muito dura, porque coloca o nosso olhar sempre em busca do novo que é supostamente melhor do que eu tenho e para o amor é preciso tempo. Tempo para a construção do desejo, da intimidade, é preciso suportar a frustração quando se descobre que o outro não é perfeito, é preciso suportar a diferença que existe entre eu e outro e a minha expectativa. Então, se eu estou em um contexto onde eu sou o todo tempo estimulada a avaliar em segundos se algo me interessa ou não a consolar e bloquear tudo aquilo que me desaponta, a passar para o próximo sem tempo ao menos de elaborar o que vi, o que eu vivi, tudo isso vai influenciando os modos da gente ser e se relacionar”, contou.
Conflitos
Muitos casais deixam de se relacionar ou manter um diálogo saudável a partir do uso desenfreado de dispositivos eletrônicos. Seja nas redes sociais ou qualquer outra ferramenta presente no smartphone, a frequência da utilização desse recurso, principalmente em momentos entre o casal, pode ser um desafio para aumentar o diálogo e a confiança na relação.
Ainda de acordo com Bárbara Saddy, a invasão de privacidade não autorizada entre os parceiros também é um dos conflitos comuns que surgem nos relacionamentos. Ela aproveitou para dar dicas de como evitar o distanciamento na relação.
“Um dos conflitos que eu observo ser bastante frequente tem a ver com uma espécie de triangulação, como se o tempo e atenção do outro tivesse sempre uma disputa com o dispositivo, com a rede social. Então uma das soluções possíveis é poder estabelecer limites de tempo para o uso dos dispositivos nestes momentos compartilhados. Fazer refeições juntos sem o celular na mesa, criar momentos livres de tecnologia para que ambos os parceiros tenham tempo um para o outro. Outro problema que eu vejo, que acontece bastante, é a invasão de privacidade não autorizada aos dispositivos do parceiro, mensagens de textos, históricos, desconfiança também causada por essa triangulação. Então a gente trabalha através do diálogo, confiança com o outro para que possamos abortar as nossas preocupações abertamente, ao invés de recorrer a essa ilusão de controle que os mecanismos acabam permitindo”.
Expectativa
Assim como mencionado anteriormente, a idealização de vida a partir das redes sociais pode não apenas criar a expectativa no outro, como também pode frustrar a si mesmo, diante das comparações.
Sobre como lidar com esta pressão social que afetam os relacionamentos atualmente, a psicóloga clínica também deu dicas.
“As redes sociais, elas tendem a estabelecer esses padrões de perfeição, esses ideais inatingíveis que podem, sim, levar as pessoas e os casais a se sentirem insuficientes, inadequados por não corresponderem a esses padrões. Então, existe também essa comparação constante com o relacionamento dos outros, com a aparência dos outros, que também podem gerar inseguranças, uma espécie de cobrança de ser feliz o tempo todo, de estar vivendo a mesma experiência, a suposta experiência de um outro casal ou de uma outra pessoa”, informou
Para a psicóloga, algumas soluções possíveis para isso têm a ver também com limitar o tempo nas redes sociais. “Focar nesse relacionamento real que eu tenho aqui, acho que questionar também esses padrões colocados pelas redes, uma comunicação aberta e honesta, porque é normal a gente se sentir desse jeito e provavelmente o nosso parceiro também sente. Então adotar essas estratégias, acho que pode ajudar a fortalecer o nosso relacionamento diante desses desafios”.
O que pode ser feito?
A frase ‘tudo se resolve na base da conversa’ é uma ótima alternativa para manter o relacionamento saudável e duradouro. Segundo a psicóloga clínica, se colocar no lugar do outro, ou até mesmo celebrar reconhecer as conquistas individuais ou do casal podem criar um ambiente harmônico.
“Acho que muitas vezes falta a prática da escuta do que o outro está dizendo. Na psicologia, a gente tem um termo que se chama ‘escuta ativa’, que é ouvir com atenção o que o outro está dizendo sem interromper, sem julgar ou planejar uma resposta enquanto o outro está falando, o que é bastante comum porque a gente está ali na nossa cabeça construindo uma resposta sem de fato ter interesse genuíno pelo o que o outro está trazendo. Então ter essa empatia, tentar compreender o ponto de vista do outro, talvez devolver para ele isso falando dos seus próprios sentimentos, falando pela sua parte da melhora, do avanço daquela relação acho que ajuda bastante. Outra coisa que eu acho importante é celebrar juntos as conquistas, os esforços um do outro, focar no positivo também promove esse censo de reconhecimento que muitas vezes fica faltando durante o dia, a gente tende a apontar o que falta, o que é negativo, sendo que é importante reconhecer o que o outro faz de bom e o que ele faz para que essa relação dê certo”, frisou.
Por que, amar?
Amar, em qualquer fase da vida, é de suma importância para construir maturidade, experiência e bem-estar. Sobre a oportunidade de vivenciar o presente numa relação, além das lições que um relacionamento pode trazer à vida humana, Bárbara Saddy enfatizou que amar pode também contribuir para o processo de desenvolvimento pessoal.
“Eu acho que para estar vivo e amar plenamente, a gente se beneficia de estar consciente da transitoriedade das experiências. Então quando eu me dou conta de que aquela vivência com aquela pessoa pode e vai se transformar com o tempo, que é possível que um dia ela acabe, eu também me dedico mais a viver o momento presente com aquela pessoa. E se um dia de fato vier a separação, que eu possa também olhar para aquela experiência, viver aquela experiência de maneira plena, vivendo a dor também que aquilo pode causar, não apressando essa dor, não me distraindo dela, mas encarando ela como um indicador de que aquilo, de que aquela pessoa foi importante na minha história. Então, como é que eu olho para o que eu vivi com ela e me pergunto o que eu estou levando disso? Que lições sobre mim mesma eu aprendi tendo esse relacionamento? O que que eu posso viver daqui pra frente a partir do que eu vivi com essa pessoa? Acho que tudo isso ajuda a gente no nosso processo de desenvolvimento pessoal”.
Dicas
Para construir a capacidade de superação na relação diante de conflitos do cotidiano, é indispensável ouvir, conversar e até mesmo manter atividades individuais. Bárbara Saddy concluiu enfatizando estratégias para manter um relacionamento que construa uma durabilidade e bem-estar.
“Acho que algo muito importante é reservar tempo junto e tempo separado. Então, enquanto eu estiver junto do outro, estar de fato junto do outro, como a gente já falou, dando minha atenção, minha escuta para o outro, tendo uma comunicação aberta e honesta a respeito das minhas preocupações, das minhas necessidades, das minhas emoções, estabelecer também empatia em relação ao ponto de vista do parceiro, buscar resolver os conflitos de forma construtiva ao invés de evitar eles. E, por outro lado, também manter interesses individuais, como hobbies, como círculo de amizades, além dos interesses das amizades compartilhadas, porque isso vai permitir que cada um tenha seu próprio espaço e fonte de satisfação pessoal que vai alimentar aquela relação ao invés de competir com ela”, finalizou.
Com informações da jornalista Iasmim Santos do Acorda Cidade
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