Lavagem de dinheiro

Mensalão em pílulas

Tratarei de alguns agora, em itens. Você pode lê-los de uma vez só ou ingeri-los como pílulas diárias. Dependendo do seu alinhamento, podem causar enxaqueca.

Por Vladimir Aras

 

Muita dor de cabeça causou o julgamento desse tal “Mensalão”, a ação penal originária 470/MG, do STF. Hay dolores para os réus condenados, para acusados que estão na fila em outros casos parecidos, e para os juristas e professores de Direito. São muitos os pontos controvertidos. Tratarei de alguns agora, em itens. Você pode lê-los de uma vez ou ingeri-los como pílulas diárias. Dependendo do seu alinhamento, podem causar enxaqueca:
 
GOLPE JUDICIÁRIO
Depois de 123 anos, a verdadeira República ainda não chegou. Um dia, ela será definitivamente proclamada no Brasil. Por outro lado, estamos em plena democracia e, graças a ela, ouviram-se muitas vozes a alegar que o STF teria aplicado um “golpe judiciário”. Contra quem? O governo está em pleno funcionamento. As instituições republicanas não deixaram de exercer suas competências um dia. As eleições foram livres.
 
É difícil imaginar um “golpe” do qual tenham participado onze ministros da Suprema Corte e dois procuradores-Gerais da República. Desses treze membros do Judiciário e do Ministério Público Federal, apenas um não foi indicado para o seu posto por autoridades do atual governo ou de sua base. Celso de Mello foi indicado pelo hoje senador José Sarney, que apoia o governo. Marco Aurélio foi indicado por Fernando Collor de Mello, que também apoia o governo. Os demais ministros e os dois procuradores-Gerais que atuaram na AP 470/MG foram chancelados pelos presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Somente Gilmar Mendes chegou ao STF por designação do então presidente Fernando Henrique Cardoso. O resultado do julgamento revelou uma corte republicana, que julgou de portas abertas aos olhos da Nação, sujeitando-se a críticas e elogios.
 
EMPATE NAS VOTAÇÕES
Seja pelo princípio in dubio pro reo ou pela aplicação do preceito favor libertatis, o Supremo Tribunal Federal adotou a melhor solução quando definiu que os empates no julgamento de uma ação penal originária absolvem o réu. Este julgado orientará positivamente outros tribunais brasileiros, para que este tema, que deveria ser claro no CPP e na Lei 8.038/90, seja inserido nos regimentos internos.
 
Não tinha sentido a ideia de conferir voto de Minerva ao presidente do colegiado. Primeiro porque nem todos os presidentes são sábios; nem todos são portadores da sabedoria de Minerva ou da perspicácia de Salomão. O ministro Ayres Brito saberia usar com prudência tal prerrogativa. Mas e amanhã?
 
Correta também a solução porque a própria conformação dos órgãos colegiados adota quantitativos ímpares e isto sugere decisões majoritárias sempre. No STF são 11 os julgadores no pleno, ao passo que as turmas votam com 5 ministros cada uma. No STJ, as turmas têm a mesma formação: cinco membros. As turmas recursais são formadas por três julgadores. O conselho de sentença no tribunal do júri tem 7 jurados. Por quê? Exatamente para que não exista empate, e as teses da acusação ou da defesa sejam julgadas sempre por maioria. Se esta maioria não é alcançada por qualquer razão – no STF o empate foi causado pela aposentadoria de Cezar Peluso –, deve-se adotar em matéria penal a solução mais favorável ao réu. Sempre.
 
Em terceiro lugar, acertou o STF neste ponto, porque, em se tratando de imputação criminal, compete ao Ministério Público desfazer a presunção de inocência do acusado. E isto é possível se não houver qualquer dúvida razoável. Se, num colegiado, cinco julgadores condenam o réu e outros cinco o absolvem, é evidente que o status libertatis do acusado não se pode alterar. A acusação não logrou convencer a maioria da Corte sobre a responsabilidade penal do sujeito. Tem ele, portanto, de ser absolvido.
 
Na lide forense solução semelhante é empregada na votação dos habeas corpus. Se ocorre empate em julgamento dessa ação constitucional de impugnação, a ordem (alvará de soltura ou salvo-conduto) deve ser concedida. É o que determina o art. 664, único, do CPP.
 
No mesmo sentido, o art. 615, §1º, do CPP, que trata do julgamento de apelações e recursos em sentido estrito, determina que “havendo empate de votos no julgamento de recursos, se o presidente do tribunal, câmara ou turma, não tiver tomado parte na votação, proferirá voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao réu”.
 
CONDENAÇÃO SEM PROVAS
A cantilena de que o STF realizou um julgamento sem provas não me convence. Quando as provas não existiam, a Corte absolveu os acusados, uma dezena deles. Condenou vinte e cinco réus. Dizer que os ministros apenaram inocentes é uma acusação sem provas contra eles.
 
Os votos dos ministros ainda não foram publicados na íntegra. As razões de decidir não são apenas aquelas enunciadas em plenário. Os votos escritos dos julgadores são extensos e detalhados. A leitura feita no plenário e difundida pela TV Justiça é um resumo. Muitos dos ministros assinalaram esse ponto: para reduzir o tempo das sessões, resumiram um voto resumido. As fundamentações individuais virão em seguida, com a publicação do acórdão, como sempre ocorre. A esses votos juntam-se as notas taquigráficas, o que forma um todo. Ali estarão referenciadas as provas que todos esperam ver. Eu também.
 
Também não venham dizer que o professor Claus Roxin desautorizou o STF. O renomado jurista alemão falou genericamente sobre a teoria que foi posta por Hans Welzel e aperfeiçoada por ele nos anos 1960. Roxin não fala português, nem leu os autos da AP 470. O que ele disse foi que a aplicação da teoria do domínio do fato exige provas. Como sempre em matéria penal, deve o Ministério Público provar que o “homem que está por trás do crime” foi o seu mandante, isto é, que foi ele quem deu a ordem para a conduta. A existência dessa ordem pode ser demonstrada por indícios (art. 239 do CPP).
 
Ao votar em 10/out/2012 na AP 470, o min. Celso de Mello assinalou que “a teoria do domínio do fato é compatível com o modelo de concurso de pessoas e harmônica com o sistema constitucional brasileiro e avaliou existir prova validamente produzida capaz de fundamentar o juízo de condenação.
 
A defesa do réu José Dirceu anunciou que tentará obter um parecer do prof. Roxin sobre a aplicação da teoria no caso concreto. Seu defensor imagina que tal parecer talvez pode ser útil na reversão do julgamento por meio de embargos.
 
A APREENSÃO DOS PASSAPORTES
Este tema rendeu artigos raivosos. O Procurador-Geral da República pediu e o relator da ação penal 470 deferiu o recolhimento dos passaportes dos 25 acusados condenados.
 
Um autor disse que esta era uma “medida autoritária” e que não se podia reter “documentos pessoais” do acusado antes do trânsito em julgado. Rebato dizendo que, se isto não fosse feito, seria possível o livre trânsito do réu julgado.
Alguns réus podem pensar: “Deus é grande, mas o mato é maior. Por isto, fujo”. A esperança de se livrar de uma condenação é uma aspiração humana legítima. Por isto, muitos fogem quando se veem na iminência de serem presos. Mesmo réus eminentes podem agir assim.
 
Para começo de conversa, passaporte é um documento da União. Quase todos os acusados têm recursos para fugir para o exterior, e têm conexões fora do País. Vários dos condenados deverão cumprir pena em regime inicial fechado. Então, reter um passaporte não é nada arbitrário no contexto, mas sim uma necessidade. É preciso garantir a execução da pena aplicada.
A decisão do ministro Joaquim Barbosaque é recorrível ao plenário em agravo regimental – está baseada no art. 320 do CPP. A retenção de passaporte é, pois, a instrumentalização da medida cautelar pessoal de proibição de ausentar-se do País. Não é antecipação da pena, nem determinação autoritária. Na verdade, é uma das cautelares mais brandas da legislação, porque limita o trânsito do acusado para fora do País, para que não se afaste da jurisdição brasileira.
 
casos em que medidas de restrição espacial do réu são aplicadas antes da condenação. Na AP 470, os réus estão condenados, embora não definitivamente. Ainda assim, poderão circular livremente pelo 8,5 milhões de Km² do Brasil. Compare-se com o caso do deputado Paulo Maluf. Sequer foi condenado e também não pode deixar o País. E por quê? Pesa contra ele um mandado de captura internacional emitido pela Justiça de Nova Iorque, a pedido da Promotoria de Manhattan. Tal ordem foi incluída no sistema de difusões vermelhas da Interpol. Se Maluf aparecer em qualquer um dos cerca de 190 países membros da organização será preso e extraditado para os Estados Unidos.
 
A retenção de passaportes é sempre feita em conjunto com a inclusão do nome do foragido ou do réu no Sistema Nacional de Procurados e Impedidos (SIMPI), um módulo informático controlado pela Polícia Federal que registra nomes de pessoas cuja migração é limitada. Essas duas medidas em conjunto tornam mais difícil, mas não impossível, a saída de alguém território nacional. Em algumas situações, acabam sendo ordens inócuas.
 
Por quê? Porque pode-se chegar a vários países da América do Sul – e não aos do Mercosul  – mediante a simples apresentação da cédula de identidade verde, emitida pelas Secretarias de Segurança Pública dos Estados brasileiros. Pode-se atravessar para a Argentina, Uruguai, Paraguai, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia sem passaporte. Em alguns postos de fronteira sequer existe a necessidade de apresentação do RG para emigrar. Não qualquer fiscalização da saída de brasileiros. Em outras localidades conurbadas (como a fronteira sul) cidades brasileiras e uruguaias ou brasileiras e argentinas se misturam e é ainda mais fácil deixar o Brasil. Nem me refiro ao uso de documentos falsos, o que seria um crime autônomo (art. 304 do CP).
 
Por isto é que, na história recente do Brasil, vimos fugas espetaculares. Na verdade não vimos nada. ficamos sabendo depois. Paulo César Farias escapou para a Tailândia; o ex-cirurgião Hosmany Ramos foi parar na Islândia; o banqueiro Salvatore Cacciola escondeu-se na Itália; e o médico Roger Abdelmassih, dizem, escafedeu-se e estaria em Israel.
 
Como evitar isto? Quando real tentativa de fuga ou quando são descobertos planos para a evasão, a prisão preventiva pode ser uma opção. Se ficar provado que os réus tentaram fugir ou planejam fuga, a medida adequada será, sem dúvida, a prisão preventiva, com base no art. 312 do CPP. Não sendo este o caso, a retenção do passaporte é uma cautelar razoável. Outra saída, ao meu ver mais apropriada, seria a utilização de tornozeleiras eletrônicas. O monitoramento tem previsão no art. 319, IX, do CPP, e permite à Polícia conferir a localização do réu e evitar que ele deixe o País.
 
DELAÇÃO PREMIADA
Marcos Valério é mineiro. Mas parece que finalmente decidiu cooperar. A delação premiada é um instituto bilateral. O réu merecerá perdão judicial ou redução de pena apenas se colaborar voluntariamente para a elucidação do crime, a identificação de coautores, a recuperação de valores, ou quando for o caso, a localização da vítima. Os benefícios legais estão previstos em vários diplomas, entre eles a Lei 9.807/99, a Lei 7.49286 e a Lei 9.613/98.
 
Dado ao “adiantado da hora”, nada do que Valério venha a dizer agora será útil para o julgamento da AP 470. O acusado pretende obter melhor tratamento penal pelo que falou em juízo e pelos documentos que repassou ao MPF.
 
É preciso desfazer três equívocos que vêm sendo repetidos por :
a) o primeiro: o réu colaborador pode prestar informações ao Ministério Público e à Polícia no próprio caso em que está implicado, ou noutros casos. As inúmeras leis que cuidam da delação premiada não a restringem necessariamente. Na praxe brasileira, isto vem ocorrendo corriqueiramente. Um réu do processo X colabora com a Justiça e permite a abertura de um processo Y, contra terceiros. Pode haver delação premiada para a identificação de coautores ou partícipes na mesma infração criminal, ou para a elucidação de outros delitos cometidos por terceiros, com ou sem a participação do réu colaborador. interesse dúplice que assim seja, da sociedade (porque mais crimes ou mais implicados são descobertos e punidos) e do colaborador (cuja situação pessoal pode melhorar).
 
b) o segundo: embora a ação penal 470 tenha sido julgada, Marcos Valério poderia ser beneficiado com redução de pena. A Lei 12.683/2012, que entrou em vigor em julho deste ano, alterou o  §5º do art. 1º da Lei 9.613/98 para determinar que os benefícios da delação premiadacomo o perdão judicial e a redução de penapodem ser conferidos ao réu colaborador “a qualquer tempo”, isto é, mesmo depois da sentença condenatória. Tratando-se de lei penal mais favorável ao réu colaborador, não a limitação da irretroatividade. Mesmo que assim não fosse, é preciso lembrar que Valério responde a outras ações penais ainda em curso. E sua colaboração pode ser relevante para ter efeito nesses processos ou em acusações futuras, contra ele ou seus coautores.
 
c) o terceiro: a Lei 9.807/99 criou medidas de proteção a vítimas, testemunhas e ao réu colaborador. No âmbito federal, este é inserido no chamado Serviço de Proteção ao Depoente Especial. Alguns comentaristas sustentam que Valério não poderia ser beneficiado por esta lei. Pode! vários graus de proteção ao acusado que coopera, desde o acompanhamento mediante escolta, passando por soluções intermediárias, como a proteção da identidade do colaborador, até a medida mais radical de mudança de identidade e de endereço. Além disso, o réu colaborador tem direito ao cumprimento de pena em estabelecimento mais adequado à sua condição, ou em ala mais segura, ou a um regime prisional mais benéfico.
 
A história é outra com o réu Roberto Jefferson. Igualmente condenado na AP 470, este sim trouxe informações muito importantes para a elucidação do esquema. Seria justo que recebesse uma reprimenda menor, pela colaboração que deu na fase congressual da investigação. Porque em juízo ele também ficou pouco cooperou.
 
QUEM ABSOLVE NÃO CONDENA
Antes de dar início à dosimetria das penas, o STF decidiu uma questão de ordem que parecia óbvia. Os ministros que absolveram um réu e ficaram vencidos, não podem fixar a pena desse mesmo réu. É uma questão de lógica, atinente ao mérito da decisão. Quem absolveu não pode estimar a culpabilidade dessa pessoa. A Corte seguiu precedentes cunhados a partir de 2010 na AP 409/CE, na AP 481/PA, na AP 441/SP, e na AP 503/PR. Os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ayres Brito ficaram vencidos neste ponto.
 
DOSIMETRIA
É dose para leão assistir a dosimetria das penas da AP 470. Ficou provado que o STF não tem o traquejo. Quem sabe mesmo como fazer a individualização da pena são os juízes criminais, que atuam em primeiro grau. O vaivém da Corte Suprema foi melancólico. Não sabiam para onde ir. Cabia à Corte dispensar a reinvenção da roda. inúmeros critérios de dosimetria chancelados pelas cortes inferiores.
 
O titubeio dos julgadores ficou patente. Sentiu-a falta de um penalista da envergadura do ministro Nelson Hungria, que cunhou o método trifásico utilizado até hoje no art. 68 do CP para a individualização pena. Os ministros Celso de Mello e Ricardo Lewandowski pareciam decidir com mais segurança e critério, mas este último conseguiu o prodígio de aplicar pena de 2 anos e 4 meses a um dos réus condenados por corromper 10 deputados federais! O problema não é admitir a continuidade delitiva (art. 71, CP). O problema está em aumentar a pena em somente 1/6 (um sexto), o mínimo legal, mesmo tendo havido a corrupção de uma dezena de parlamentares federais. Isso não é pouca coisa. Na dosimetria de Lewandowski, a proporcionalidade da pena passou longe da gravidade da conduta. No geral, sua individualização foi coerente com suas posições em plenário.
No fim das contas e no geral, as sanções penais foram fixadas em limites mais próximos do mínimo do que da linha média. O MPF pretendia penas mais elevadas. As sanções ainda podem ser ajustadas, para mais ou para menos. Esta fase ainda não acabou.
 
ENDURECIMENTO DO STF
Não é de agora esse suposto “endurecimento” da jurisprudência do STF em matéria penal. Noutro caso no mesmo “setor”, o deputado federal Natan Donadon foi condenado a 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão por peculato e formação de quadrilha (AP 396/RO, relatora Cármen Lúcia, 2010). Esta pena é maior do que a de réus condenados em situação semelhante no caso Mensalão. Donadon foi apenado em 2010. Ninguém deu atenção ao seu caso porque é deputado do baixo clero e representa o Estado de Rondônia.
Os parâmetros que a Corte adotou na AP 470 estavam presentes na AP 396/RO.
 
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
Ainda estou devendo um post sobre a possibilidade (ou não) de os réus condenados acionarem o Brasil perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, sediada na Costa Rica. O tema não é dos mais fáceis. Em solo menos movediço e aqui no Brasil, os condenados na AP 470 seguramente poderão manejar embargos de declaração contra o acórdão do STF.
Este tipo de recurso serve para eliminar dúvidas, contradições ou omissões de uma sentença ou um acórdão. Diante dos embargos, o julgador singular ou o tribunal esclarece sua decisão. Daí vem o outro nome deste recurso: embargos aclaratórios. Normalmente, esses embargos não alteram o sentido do julgado; apenas o complementam. O Ministério Público também pode opô-los.
 
É esperada uma enxurrada de embargos de declaração. Mesmo aqueles réus que não “precisam” costumam opô-los, porque isto estica o trânsito em julgado. Em outros termos, enquanto os embargos não são acolhidos ou rejeitados, a decisão condenatória não pode ser cumprida.
 
A praxe forense brasileira, inclusive no STF, tem sido muito tolerante com esta modalidade recursal. Existem embargos de embargos de embargos de embargos, num encadeamento sem fim. A cada acórdão podem corresponder embargos, o que cria o risco de uma sobreposição infindável de aclaratórios meramente protelatórios. Esta prática, que faz surgir os chamados recursos-centopeias, constitui abuso de direito.
 
Porém, quando cabíveis, realizam uma função importante: deixar claras as razões pelas quais uma pessoa foi condenada ou absolvida e o processo lógico que levou a esta ou aquela pena.
Entretanto, o STF é firme no sentido de que “os embargos de declaração não constituem meio processual adequado para a reforma do decisum, não sendo possível atribuir-lhes efeitos infringentes, salvo em situações excepcionais, o que não ocorre no caso em questão”. (STF, 2ª Turma, ARE 643609 AgR-ED / MG, rel. Ricardo Lewandowski, j. em 7/12/2012).
 
EMBARGOS INFRINGENTES
Teori Zavascki poderá votar em eventuais embargos infringentes.
Os acusados em geral têm o direito de opor embargos infringentes. Este recursos é exclusivo da defesa. Nos tribunais inferiores, os réus podem atacar decisões tomadas por maioria. O objetivo é converter o voto minoritário (favorável ao réu) em decisão majoritária. Assim, toda decisão não unânime desfavorável ao réu pode ser atacada em 10 dias, a contar da publicação do acórdão. É o que diz o art. 609 do CPP. Tal regra vale nos tribunais de apelação, como os TJ e os TRF.
 
No Regimento Interno do STF uma regra específica para os infringentes (art. 333). O pleno do STF é formado por 11 ministros. Nas ações penais originárias (tal como a AP 470) todos os ministros votam (a Corte decide em full bench). Se quatro deles absolverem o réu, cabem embargos infringentes, é o que consta do RI/STF. É uma forma de assegurar, ainda que de forma restrita, o duplo grau de jurisdição. O problema é que, nos tribunais de segundo grau, tomam parte do julgamento os mesmos juízes que julgaram a ação penal, mais um grupo de julgadores que representam pelo menos o dobro da composição original. Contudo, no STF isto não é possível nos julgamentos plenários. Então, a corte recursal terá os mesmos onze julgadores que julgaram o caso inicialmente.
 
No caso concreto, um complicador. Devido às aposentadorias recentes, poderá haver a participação de dois novos julgadores no apreciação de tais embargos. Isto pode ser bom para a defesa. O ministro Teori Albino Zavascki, aprovado pelo Senado, tomará posse em breve, na vaga que pertenceu ao ministro Cezar Peluso. Neste mês de novembro/2012, o ministro Ayres Brito se aposentou. Um novo ministro ocupará seu lugar em 2013. Assim, ambos poderão votar nos infringentes, caso esta modalidade recursal seja reconhecida pelo STF.
 
O réu José Dirceu atende a premissa para a oposição de infringentes. Foi condenado por 6 x 4 no crime de corrupção ativa. A nova composição do STF poderá alterar o resultado desse veredicto, se prover o seu recurso. Basta que tenha dois votos em seu favor, além dos quatro que o absolveram de início.
 
Contudo…. A situação não é tão simples. Para que isto ocorra, o STF deverá decidir se existem mesmo embargos infringentes contra decisão proferida em ação penal decidida originariamente pelo plenário. A Lei 8.038/90, que é norma especial na matéria, não prevê essa modalidade recursal na Corte Suprema. Seu Regimento Interno não está inteiramente atualizado. Ignoro se algum caso, pós-1988, em que a Corte tenha julgado infringentes em ação penal originária. um julgado não penal na ADI 1289/DF (rel. Gilmar Mendes, 2003), no qual o STF recusou tal possibilidade.
 
Se esta modalidade recursal for admitida – e estou seguro de que a defesa tentará esta via – , então teremos novo julgamento dos acusados que tenham recebido pelo menos 4 votos absolutórios. O certo é que nos embargos de declaração no agravo regimental nos embargos de divergência no agravo regimental no agravo de instrumento 654.148 (STF, pleno, rel. Celso de Mello, j. 16/11/2011), o STF entendeu que as normas regimentais de direito processual foram recepcionadas com força de lei pela atual ordem constitucional, com base no art. 96, I, da CF.
 
Este será um debate interessante, que definirá se os réus da AP 470 serão julgados novamente.
 
CUMPRIMENTO DAS PENAS
Isto vai demorar. Vinte e cinco réus foram condenados. Aqueles que foram submetidos ao regime inicial fechado de execução da pena, deverão cumpri-la em penitenciárias. Mas não é para .
 
A execução penal da decisão condenatória depende do trânsito em julgado do acórdão. A decisão tem de ser definitiva e imutável. Como você viu acima, cabem embargos de declaração contra o acórdão do julgamento plenário. Discute-se se cabe também o recurso de embargos infringentes. Em qualquer dos casos, a interposição desses recursos impede o trânsito em julgado e, portanto, proíbe o cumprimento imediato da pena. É um direito do acusado. O STF tem reconhecido tal presunção de inocência, mesmo após condenações em ações penais originárias. Um precedente importante é o caso Natan Donadon, condenado em 2010 a 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão e até hoje em liberdade.
 
A execução penal começa quando não couber mais nenhum recurso, ou quando o último pendente for julgado. Veja como funciona neste post. Como o STF é a corte de última instância, isto será mais rápido do que o usual, pois não é preciso percorrer os três graus inferiores, mas ainda assim não virá imediatamente.
 
O acordão da AP 470 será publicado talvez no primeiro semestre de 2013. acórdãos que vão à publicação depois de anos. Quando isto ocorrer, as partes poderão embargá-lo. O MPF será ouvido. Uma sessão de julgamento poderá ser convocada para julgá-los. Um novo acórdão será publicado. E todo esse ciclo poderá recomeçar. É absurdo? Nem sempre. O abusoque se caracteriza por reiterações imotivadasé que não pode ser tolerado. Somente após percorrido esse calvário processual, começará o calvário dos condenados.
 
Como presidente do STF, imagino que Joaquim Barbosa imprimirá celeridade a essa fase. Porém, suspeito que a execução penal venha a ocorrer em 2014.
 
QUANTO TEMPO OS RÉUS FICARÃO PRESOS
Pouco tempo. Por exemplo, réus primários condenados a 12 anos de reclusão podem passar do regime fechado ao regime semiaberto em 2 anos, o que corresponde ao cumprimento de 1/6 da pena. Se Marcos Valério for condenado no final das contas a 36 anos de reclusão, estará no regime semiaberto em 6 anos. Basta que tenha bom comportamento. É pouco? Não. As penitenciárias brasileiras são tão atrozes e desumanas que um ano dentro delas corresponde a uma eternidade no inferno.
O tempo máximo de cumprimento de pena é de 30 anos, com base no art. 75 do CP. No entanto, para os benefícios da execução penal vale o quantum definido na sentença ou acórdão, conforme a súmula 715 do STF: “A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.”
 
Como quer que seja, o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo disse semana passada (nov/2012) que preferia morrer a ir preso. Espero que os condenados não ouçam seu “conselho” e o Executivo se mova para melhorar as condições carcerárias do País. Se alguém duvidava dos efeitos positivos da AP 470, está o primeiro. Pôs em debate as condições carcerárias do País. Não é preciso se horrorizar com a prisão de Sağmalcilar, na Turquia, retratada no filme Expresso da Meia Noite. Aqui temos piores.
 
Tão importantes quanto à pena privativa de liberdade são os efeitos secundários da condenação. Reclusões por longo tempo devem ser reservadas para crimes violentos: homicídio, estupro, latrocínio, e crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, que fazem vítimas por toda a parte, embora não as vejamos diretamente. Concordo em parte com o ministro Dias Toffoli. Em tais delitos, a pena pecuniária (multa penal) e a obrigação de reparar o dano têm grande relevância. A estas se somam a suspensão dos direitos políticos e a inelegibilidade. Estas medidas acessórias terão efeito reparador do dano causado ao erário e profilático na vida política da Nação. Os apenados ficarão pouco tempo efetivamente presos, mas os efeitos desse julgamento serão sentidos positivamente no porvir.
 
PRISÃO OU MULTA?
A ira santa do ministro Dias Toffoli na sessão plenária de 14/nov diz muito sobre o País. O ministro defendia o status quo. Cadeia não serve para certa classe de pessoas? Referia-se aos réus de colarinho branco condenados na AP 470. Curioso que nunca tenha reclamado antes, no pleno do STF, e com tanta ênfase, da situação calamitosa em que vive grande parte do meio milhão de presos do Brasil.
 
Nas sessões de dosimetria, Dias Toffoli proferiu vários “votos lagartixa”. Acompanhava o ministro revisor em quase todos os itens. Mas quando a Corte caminhava para estabelecer penas em torno de 15 anos para os réus do núcleo financeiro na AP 470, o ministro desandou a falar sobre a desnecessidade da prisão para crimes de colarinho branco. Estava escandalizado com a prisão da bailarina, antiga profissão de uma das banqueiras condenadas.
 
Imediatamente lembrei da “Ciranda da Bailarina”, que minha filha ouve todas as manhãs a caminho da escola: “Todo mundo tem pereba, a bailarina que não tem”, diz a canção de Chico Buarque, que está no CD do Carrossel. Interpretando o pensamento do ministro, diria: “Tem cadeia para todo mundo, para a bailarina é que não tem”.
 
Num quadro destes, não se pode esquecer do megaespeculador Bernard Madoff, que foi condenado à pena máxima de 150 anos de prisão por ter montado um esquema Ponzi nos Estados Unidos. Construiu uma operação de pirâmide financeira. Milhares de pessoas foram vitimadas. Cerca de 18 bilhões de dólares se perderam. Muitos investidores suicidaram-se. Idosos perderam as economias de toda uma vida. Cidadãos perderam suas casas. Pais perderam a poupança reservada para pagar a faculdade de seus filhos. Empresas fecharam. Inúmeras pessoas ficaram desempregadas. Madoff é um homem requintado. A cadeia não o ressocializará. Ele e a bailarina estão plenamente integrados à sociedade. Mas a punição servirá para que não repitam suas condutas noutro contexto e para desencorajar outras pessoas a agir de maneira igual.
 
PERDA DOS MANDATOS DOS DEPUTADOS CONDENADOS
Uma das maiores polêmicas da AP 470 é a perda dos mandatos dos 3 parlamentares condenados. Será automática ou não? Este efeito é imediato, deriva do próprio acórdão condenatório, nos termos do CP, ou depende de deliberação damara dos Deputados?
Segundo o art. 92, inciso I, do CP, é efeito da condenação a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo, quando for aplicada pena privativa de liberdade superior a 4 anos, ou quando aplicada pena igual ou superior a um ano nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública. É precisamente este o cenário da AP 470.
Contudo, o art. 55 da Constituição é dúbio. Seu inciso II diz que perderá o mandato o deputado ou senador que tiver seus direitos políticos suspensos. A suspensão dos direitos políticos é um efeito da condenação nos termos do art. 15, inciso III, da Carta Republicana. Então bastaria a condenação criminal transitada em julgado para a perda do mandato.
 
A Lei Complementar 64/90 – alterada pela Lei da Ficha Limpasustenta essa tese, pois o parlamentar está inelegível, que foi condenado por órgão colegiado. Segundo o art. 1º, inciso I, alínea ‘e’, números 1, 6 e 10, da LC 64/90, aquele que for condenado por um dos crimes ali listados fica inelegível desde a condenação até o transcurso de 8 anos após o cumprimento da pena. Se está inelegível desde a condenação, é ilógico que exerça seu mandato. Deve perdê-lo tão logo transite em julgado o acórdão.
O inciso VI do mesmo artigo 55 da Constituição também estabelece a perda do mandato em caso de condenação criminal transitada em julgado. Então, assim que o acórdão da AP 470 tornar-se definitivo, é isto o que ocorrerá automaticamente?
Para a hipótese de decisão penal transitada em julgado, o §1º art. 55 da CF exige prévia decisão da Casa Legislativa, por voto secreto e maioria absoluta. A regra parece absurda porque prevê a possibilidade de o parlamentar ter o mandato preservado, ainda que esteja condenado pela Corte Suprema da Nação e com seus direitos políticos suspensos. Observe que o dispositivo não excepciona qualquer delito.
 
Tenho para mim que esta regra é inaplicável. Tal prerrogativa conflita com o §2º do art. 55 da CF. Este dispõe que os parlamentares cujos direitos políticos forem suspensos perderão o mandato por declaração da Mesa da Casa Legislativa a que pertençam. Não exige votação no plenário damara dos Deputados ou do Senado.
 
Como toda condenação criminal acarreta a suspensão dos direitos políticos (art. 15, III, CF) e como a condenação torna o parlamentar inelegível (art. 14, §9º, da CF e art. 1º, I, ‘e’, da LC 64/90), parece-me que basta uma simples declaração da Mesa damara dos Deputados, tão logo receba a comunicação do STF de que o acórdão da AP 470 passou em julgado, para que cesse o mandato do parlamentar condenado.
 
PRISÃO ESPECIAL
Embora a sociedade brasileira seja organizada em estamentos (a elite e os outros), a legislação penal não diferencia os condenados. Todos os apenados na AP 470 cumprirão a pena em regime fechado ou semiaberto em prisões comuns. Os sentenciados não têm direito à prisão especial. Esta regalia existe durante o andamento do processo (art. 295 do CPP). Com o trânsito em julgado da decisão, todos são iguais perante a ele. Devem ser, pelo menos…
 
Talvez agora, com hóspedes de origem “diferenciada”, o Estado brasileiro enfrente a vergonha das prisões do nosso País. Quando era o povão, poucos ligavam. O ministro da Justiça José Eduardo Cardoso e o ministro do STF Dias Toffoli deram o tom. Tudo por causa da AP 470.
 
É tempo de mudar as condições carcerárias do País. Uma das poucas reivindicações justas de movimentos criminosos como o PCC é a melhora da situação prisional. Os mutirões realizados pelo CNJ e pelo CNMP nos últimos anos expuseram as masmorras brasileiras.
 
EXECUÇÃO PENAL
O cumprimento das penas privativas de liberdade aplicadas pelo STF na AP470 ficará sob o controle da Justiça Estadual, em vista da Súmula 192 do STJ:
 
“Compete ao Juízo das Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual”.
Como nenhum dos condenados se encaixa nos critérios para o encarceramento em penitenciária federal, as penas serão cumpridas em estabelecimentos estaduais, em seus Estados de origem.
 
As penas alternativas aplicadas aos acusados poderão ser controladas pela Justiça Federal. É o que normalmente ocorre.
As multas penais aplicadas deverão ser cobradas pelo Ministério Público Federal, ou, para quem assim entende, pela Procuradoria da Fazenda Nacional, mediante o processo executivo cível. casos em que a execução da pena de multa é feita a pedido da Procuradoria do Estado.
 
ANISTIA E INDULTO
A esta hora mentes trabalham para encontrar uma saída jurídica para livrar os condenados da punição. Para aqueles que cumprirem parte de suas penas, o indulto. Todos os anos, a Presidência da República baixa um decreto que estabelece condições para a comutação de penas ou sua extinção. Presos condenados por corrupção, lavagem de dinheiro e crimes financeiros podem ser beneficiados pelo instituto, que é tradicional no direito brasileiro. As hipóteses de indulto são várias. Por exemplo, no passado, o Governo estabeleceu no Decreto 7.648/2011 que seriam indultados os presos condenados a penas entre 8 e 12 anos de prisão, não reincidentes, que tivessem cumprido mais de um terço da pena até 25/12/2011.
Tanto quanto o indulto, a anistia é uma causa extintiva de punibilidade. Ambos estão reguladas no art. 107, inciso II, do CP. Uma vez concedida a anistia ou o indulto, desaparece o direito de punir do Estado. Compete à União conceder anistia, mediante lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Executivo. Dificilmente a presidente da República anistiará pessoas condenadas por corrupção e lavagem de dinheiro. Não é este o propósito do instituto, que se destina ao esquecimento de fatos, tal como se deu com a Lei de Anistia de 1979, aplicada aos crimes da Ditadura Militar. Contudo, na história brasileira recente, o presidente Fernando Henrique Cardoso concedeu anistia ao senador Humberto Lucena. Este fora processado pelo Ministério Público Eleitoral por uso indevido da gráfica do Senado. A Lei 8.985/95 o anistiou.
 
Se as condenações se confirmarem, o caminho mais fácil para os sentenciados é o progressivo. A execução da pena se iniciará, para alguns, no regime fechado. Se tiverem bom comportamento, com o tempo podem passar a regime menos gravoso, até o aberto. Neste meio tempo, podem esperar por um indulto de Natal. O “bom velhinho” sempre vem.
 
RECUPERAÇÃO DE ATIVOS
Tendo havido dano à União ou a sociedade de economia mista com sua participação, os valores obtidos ou lavados deverão ser recuperados. A obrigação de reparar o dano e o perdimento de bens são efeitos da condenação. Caberá ao MPF ou à AGU liquidar esses valores e rastrear bens que sirvam à reparação do dano.
 
FALTA DE COMPLIANCE
Embora não condenado criminalmente, um banco também está na berlinda. Alguns dos seus principais dirigentes foram condenados por descumprir regras de compliance, previstas na Lei 9.613/98. Logo, é possível que tal instituição financeira seja demandada, por meio de ação civil pública, para a reparação do dano causado à sociedade. Os sujeitos obrigados têm a missão de prevenir a lavagem de dinheiro e de comunicar a ocorrência de operações suspeitas ao COAF. Não podem fechar os olhos nem tornar-se cúmplices. Neste contexto, considerando que ainda não existe responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes de lavagem de ativos, poderá o MPF promover uma ACP contra qualquer outra instituição financeira que tenha violado os deveres de compliance, desenhados para a proteção do sistema financeiro nacional e destinados à prevenção da lavagem de dinheiro.
 
DESMEMBRAMENTO DO PROCESSO
Uma das maiores polêmicas da AP 470 foi o seu não desmembramento.
A posição do STF tem sido vacilante. Ora desmembram ações penais originárias; ora mantêm todos os réus sob sua jurisdição. Isto, sem dúvida, causa insegurança. A orientação em vigor é esta:
 
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO DE DESMEMBRAMENTO DO PROCESSO. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. ART. 80, CPP. IMPROVIMENTO. 1. Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática que determinou a separação do processo relativamente aos demais acusados, mantendo apenas em relação ao parlamentar que tem prerrogativa de foro. […] 3. Esta Corte vem se orientando no sentido de admitir a separação do processo com base na conveniência da instrução e na racionalização dos trabalhos (AP-AgR 336, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 10.12.2004; AP 351, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 17.09.2004). 4. No caso em questão, a razoável duração do processo (CF, art. 5°, LXXVIII) não vinha sendo atendida, sendo que as condutas dos 8 (oito) acusados foram especificadas na narração contida na denúncia. 5. Relativamente à imputação sobre possível crime de quadrilha, esta Corte decidiu que “a possibilidade de separação dos processos quando conveniente à instrução penal, (…) também em relação aos crimes de quadrilha ou bando (art. 288, do Código Penal)” (AP-AgR n° 336/TO, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 10.12.2004). 6. Agravo regimental improvido.
(Inq 2527 AgR, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 18/02/2010)
A partir daí, algumas premissas podem ser estabelecidas:
 
a) a separação do processo é facultativa, nos termos do art. 80 do CPP. A regra é que prevaleça a unidade de processo e julgamento, tal como se deu na AP 470. É preferível o julgamento de todos os corréus pelo mesmo juízo, para evitar decisões dissonantes, especialmente nos casos de conexão e continência. Porém, a pluralidade de réus e a necessidade de tramitação mais célere do processo justificam o desmembramento do processo.
 
b) somente o STF pode decidir sobre tal separação, quando presente no polo passivo autoridade sujeita originariamente a sua jurisdição. Foi o que se decidiu no agravo regimental na reclamação 7913/PR, relatada por Dias Toffoli e julgada em 12/maio/2011. Juízes inferiores usurpam a competência da corte superior se ordenarem a cisão. Isto vem sendo assim desde a Recl 1121/PR, julgada em 2000.
 
c) quando se depara com acusações de formação de quadrilha contra autoridades detentoras do foro especial, o STF tende a manter todos os acusados sob sua jurisdição, sem cisão. Porém, não foi isto o que ocorreu na AP 396/RO, na AP 336/TO nem no Inq 2652/PR. Nestes houve cisão.
d) salvo situações excepcionais, a regra é o desmembramento. permanecem no STF os réus que têm foro originário na Corte. Eis dois julgados do STF sobre a matéria, ambos relatados pelo min. Lewandowski:
 
INQUÉRITO. SENADOR E GOVERNADOR DE ESTADO. FORO CONSTITUCIONAL. DESMEMBRAMENTO. POSSIBILIDADE. QUESTÃO DE ORDEM PREJUDICADA. I – Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal, salvo casos excepcionais, é de ser desmembrado o inquérito policial de modo a que o feito, nesta Corte, prossiga apenas em relação àqueles que possuem o foro constitucional. II – Desmembrado o feito, resta prejudicada questão de ordem que aventava acerca da necessidade de prévia manifestação da Assembléia Legislativa para o recebimento da denúncia em face de Governador de Estado. (Inq 2718 QO, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 20/08/2009)
 
PENAL. PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. AGRAVOS REGIMENTAIS. INDICIADOS SEM PRERROGATIVA DE FORO. DESMEMBRAMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVOS DESPROVIDOS. I – O elevado número de agentes demanda complexa dilação probatória a justificar o desmembramento do feito. Precedente do INQ 2706, Rel. Min. Menezes Direito. II – Ademais, salvo hipóteses excepcionais, onde a conduta dos agentes esteja imbricada de tal modo que torne por demais complexo individualizar a participação de cada um dos envolvidos, é de se desmembrar o feito em relação aos que não possuem foro perante o STF. III – Agravos Regimentais desprovidos. (Inq 2471 AgR-quinto, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2009)
 
Assim, na linha desses dois precedentes, o STF acertou em não desmembrar a AP 470, pois se entendeu que a conduta dos réus estava de tal modo imbricada que tornava difícil cindi-la. No caso dos empréstimos do BM&G, objeto da AP 420/MG, o STF também negou a separação do processo.
 
Contudo, no caso Maluf (Inq 2471/SP) e no caso Garotinho (Inq 2704/RJ), assim também no chamado “mensalão do PSDB”, objeto da AP 536 e da AP 606, houve o desmembramento dos feitos. Quinze pessoas estavam envolvidas no Inq 2280/MG. dois ficaram sujeitos a julgamento pelo STF.
 
Na sessão que rejeitou a denúncia contra Antony Garotinho, o ministro Gilmar Mendes tocou no ponto: “É preciso que haja um critério em relação ao desmembramento. A própria Ação 470, acredito, é um belo exemplo que, em casos vitais, não deve haver desmembramento, porque vimos quão intricada era a relação, como os vasos se comunicavam”.
 
COMENTARISTAS DO MENSALÃO
No meio de tantas bobagens que lemos por – inclusive as que escrevo aquiquero elogiar as análises sempre realistas e sensatas da professora Janaína Paschoal, da cadeira de Direito Penal da USP. Veja aqui uma delas, no “Entre Aspas”. Outro nome que se destacou pelos seus comentários enriquecedores foi o procurador de Justiça Lenio Streck, um jurista de senso incomum que tem coluna no Consultor Jurídico e merecia um assento no STF. vida jurídica inteligente no Brasil.
 
O OUTRO MENSALÃO
Agora que temos novos parâmetros para o tratamento de políticos acusados de crimes, esperemos os próximos julgamentos de mesmo naipe. O deputado Paulo Maluf, o ex-governador do DF José Roberto Arruda, e o ex-senador Demóstenes Torres são exemplos de políticos ainda não julgados. Estão na fila do STF, do STJ e do TJ/GO, respectivamente. Enquanto não são julgados, beneficiam-se da sagrada presunção de inocência.
 
O Ministério Público Federal fez sua parte em tais casos. Também processou o deputado federal Eduardo Azeredo (AP 536/MG) e o senador Clésio Andrade (AP 606/MG). Em torno desse mensalão, ainda o Inquérito 3530/MG. Nos três feitos, o relator era o ministro Joaquim Barbosa. Com sua eleição para presidente do STF, a relatoria deve passar ao novo ministro Teori Zavascki. Eis a ementa do acórdão no qual o STF recebeu a denúncia contra o deputado Azeredo:
 
INQUÉRITO JUDICIAL. ESQUEMA DE DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS PARA FINANCIAMENTO DE CAMPANHA ELEITORAL. IMPUTAÇÃO DE CRIMES DE PECULATO E LAVAGEM DE DINHEIRO. EXISTÊNCIA DE PROVAS DE MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA. DENÚNCIA RECEBIDA. REJEITADA PROPOSTA DE INÍCIO IMEDIATO DA INSTRUÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO. 1. A importância de três milhões e quinhentos mil reais foi transferida dos cofres públicos das estatais mineiras COPASA, COMIG e BEMGE para a empresa privada SMP&B Comunicação, sob a justificativa formal de patrocínio a três eventos esportivos cuja organização era controlada pela empresa de três acusados. 2. As provas constantes dos autos demonstram que, do montante total retirado das estatais, parcela ínfima teve a destinação efetivamente prevista. O restante foi desviado para a campanha do acusado, que à época exercia mandato de Governador do Estado de Minas Gerais. 3. Para viabilizar o desvio dos recursos públicos, foram realizados saques em espécie na conta em que os recursos públicos haviam sido depositados a título de patrocínio; transferências bancárias triangulares e complexas entre os acusados; pagamento de colaboradores da campanha diretamente pela empresa utilizada para a lavagem dos recursos obtidos mediante crime contra a Administração Pública; celebração de empréstimos aparentemente fraudulentos junto ao Banco Rural, com a abertura de inúmeras contas em nome de empresas de três acusados, de modo a ocultar a localização, propriedade e movimentação de valores obtidos por meio do crime antecedente de peculato, dentre outros mecanismos típicos do crime de lavagem de dinheiro. 4. Os indícios são formados por depoimentos de inúmeras testemunhas; laudos periciais – que identificaram transferências bancárias suspeitas e alguns beneficiários de saques em espécie, em montantes estranhamente elevados, bem como de depósitos feitos pela SMPB&B Comunicação sem que o banco identificasse a conta beneficiária, para ocultar a movimentação e localização dos recursos; lista elaborada por um dos denunciados informando a origem dos recursos utilizados na campanha de reeleição do então Governador, com o conhecimento que tinha por ter ocupado a função de coordenador financeiro da campanha e de Secretário de Administração do Estado, dentre outros vários documentos que indicam a provável participação do acusado na prática dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro narrados na inicial, especialmente como mentor e principal beneficiário dos delitos. 5. Os fatos criminosos foram objetiva e claramente narrados na inicial, com todas as suas circunstâncias e a individualização da conduta do acusado, permitindo o amplo exercício do direito de defesa ao longo da ação penal a ser iniciada. 6. Denúncia recebida. Rejeitada proposta de início da instrução antes da publicação deste acórdão. (Inq 2280, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2009, DJe-055 DIVULG 25-03-2010 PUBLIC 26-03-2010 EMENT VOL-02395-01 PP-00018)
 
O Inq 2280/MG passou a tramitar no STF em 15/dez/2005, com 15 suspeitos. A denúncia do MPF foi oferecida no dia 22/nov/2007. Em 3/dez/2009, o plenário do Supremo Tribunal Federal recebeu a denúncia contra o então senador e atual deputado federal Eduardo Azeredo. As testemunhas do MPF foram ouvidas, mas o caso ainda não foi julgado. Esperemos as cenas dos próximos capítulos.
Inscrever-se
Notificar de
0 Comentários
mais recentes
mais antigos Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários