Saúde Mental

Janeiro Branco faz alerta importante para o cuidado com a saúde mental 

A psicóloga e psicopedagoga Fabiana Cardeal falou sobre a importância de iniciarmos o ano pensando no autocuidado da mente e do corpo.

janeiro branco - saúde mental - aperto de mão negoo-s freepik
janeiro branco – saúde mental – aperto de mão negoo-s freepik

O ano inicia com uma importante campanha global, o Janeiro Branco, que visa aumentar a conscientização do cuidado com a saúde mental e emocional da população. Em uma sociedade cada vez mais desenvolvida e acometida pelas desigualdades, doenças como a depressão, ansiedade e síndromes mentais tem aumentado em todo o mundo. 

Em entrevista ao Acorda Cidade, a psicóloga e psicopedagoga Fabiana Cardeal falou sobre a importância do autocuidado, não somente do corpo, mas principalmente do emocional, que estão interligados. 

Psicologa Fabiana Cardeal ft ney silva acorda cidade
Foto: Ney Silva/Acorda Cidade

“A saúde mental é a capacidade que nós temos de sair para nossas atividades da vida diária e passar por algumas adversidades, mas conseguirmos nos autorregular. Viver nessa sensação de bem-estar sem tomar nenhum medicamento, vamos dizer assim. Então, por que o janeiro? O janeiro é o primeiro mês do ano. E é muito importante já começar pensando na saúde mental. Hoje a gente observa que muitas pessoas cuidam muito do físico. Como anda essa cabeça? E começar o ano também pensando na saúde mental me chama, faz com que eu pense também na minha saúde emocional”, explicou.

Perceber as emoções é fundamental no processo de autoconhecimento e de autocuidado, pois é possível perceber o que se passa com os sentimentos e reconhecê-los. 

“Eu saio e encontro uma pessoa na rua, eu fico feliz. Toda vez que eu encontrar com ela, eu tenho esse pensamento de que ficarei feliz. No primeiro momento foi uma emoção. No segundo momento já criou uma memória, e dentro dessa memória, já cria um sentimento. E isso faz com que eu me sinta bem ou não. Isso é importante também, a gente olhar para a questão do Janeiro Branco como um mês de psicoeducação no que diz respeito à saúde mental”, pontuou Fabiana ao Acorda Cidade. 

Segundo a psicóloga, o estresse é um mal psíquico do presente, o que pode explicar alguns sentimentos pós-festas, após alguns eventos especiais do cotidiano, como os do fim de ano. 

“Estava na festa, estava tudo bem, eu peguei todas aquelas minhas expectativas, os meus problemas, os meus desafios, e eu apaguei ali por um momento. Só que quando eu retorno dessa festa, no início de um ano, eu venho cheio de expectativas, de projetos. E tudo aquilo que achei que acabou, não tem mais, eu estava lá na virada, tudo maravilhoso, na verdade, estava dentro de mim. Porque o que muda é só o ano. Se eu não mudar as minhas ações, os meus pensamentos, e concomitante a isso, se eu não mudar as minhas ações, eu posso realmente ficar estressada, a partir daquilo que projetei, eu expectei”, disse. 

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Foto: Storyset/Freepik

Lidar com o estresse é tomar posição diante da realidade que está posta e tentar transformar aquela situação que não lhe agrada.  

“A festa acabou, a festa ficou no passado. Agora eu tenho que lidar com a minha realidade. Se existe algo que vai me causar estresse, vai ser a partir de agora. A partir desse meu momento agora. Aquilo que eu não consegui dar conta em 2023. Entender também que eu sou um ser humano, com multifacetas. E eu tenho que entender também, qual é a parte desse multifacetado do meu ser. E entender que eu preciso estar feliz primeiro. Preciso me sentir bem, para que as outras partes da minha vida consigam de fato deslanchar”, pontuou. 

Os principais desafios que podem mexer com a cabeça das pessoas em 2024, segundo ela, são os problemas que não foram resolvidos no ano anterior, explica Fabiana. 

“Os desafios perpassam justamente por isso, porque o ano muda. Mas eu, enquanto sujeito, eu mudei? Eu me preparei para as possíveis mudanças que quero para a minha vida, entendendo que eu sou um ser multifacetado? Então a reflexão vem sobre isso. O ano muda e as pessoas acham que um milagre vai acontecer. Claro que não, porque eu sou um ser humano e eu preciso de pensamentos e ações que me levem a mudanças. Então eu preciso me programar, e planejar”, avaliou.

Para Fabiana, o início do ano pode ser bastante complicado com o acúmulo de dívidas, a necessidade de fazer outras. A responsabilidade de voltar ao trabalho ou o desespero para quem está desempregado, enquanto muitas pessoas estão na praia. Ter consciência social e de classe é fundamental para não sofrer com a realidade da vida.  

“Esse primeiro mês do ano, a gente sabe que são muitas questões, principalmente voltadas ao financeiro, as mudanças, muitos boletos para pagar, muitas vezes as pessoas investem tudo o que tem na virada e quando voltam, não tem como não ficar estressadas, porque a realidade voltou, as contas voltaram. Eu preciso voltar para o trabalho. Alguns estarão na praia, outros estarão trabalhando e isso é a vida. Pensar na vida como gente grande. Não tem como eu criar uma realidade que não exista e aí, depois, eu ficar pensando que o milagre não aconteceu. O seu milagre é você mesmo”, ressaltou.

A saúde mental ainda é um tabu e uma política de cuidado que continua muito distante das pessoas. Muitos ainda acreditam que ter pensamentos negativos é frescura ou preguiça, mas doenças mentais são um problema sério que estão matando crianças, jovens e idosos todos os dias. Somente no ano de 2022, a Bahia teve uma taxa de 850 casos de suicídios, com um aumento significativo de 29,8% nos três anos da pandemia da covid-19.

Pensar a psicoeducação é imprescindível para combater esses índices, principalmente quando as coisas tendem a apertar. 

“Existem pessoas que têm algum mal psíquico e elas têm vergonha de dizer que têm. Resistem. Não querem que ninguém saiba, para não serem excluídos, discriminados, subjugados. Porque ainda acontece na nossa sociedade, as pessoas veem quem tem algum sofrimento psíquico como uma pessoa rotulada, uma pessoa incapaz”. 

Reconhecer os problemas psiquiátricos indo até um profissional e buscando ajuda é o primeiro passo para a liberdade mental. Ansiedade, que é o excesso de futuro, os estresses e demais sintomas que ela pode acarretar podem ser controlados com uma rede de apoio adequada. 

“A ansiedade provoca muitos sinais e sintomas no nosso corpo. O que eu observo muito é a questão dos pensamentos negativos automáticos. A taquicardia, a sudorese, que paralisa o sujeito. Muitas pessoas pensam, quem está de fora, pensa muitas vezes que, ‘não é isso não, fulano não está querendo se aparecer’. Não faz uma leitura adequada do sofrer do outro. Logo depois também vem a depressão e pode acontecer também, concomitante os dois que a gente chama de comorbidade. As pessoas podem apresentar tanto a ansiedade como a depressão”, ressaltou.

As doenças mentais também podem ser desencadeadas pelo estresse do trabalho, através da síndrome de burnout, que inclusive já está inserida na lista de doenças ocupacionais. 

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Foto: Freepik

“Existe a questão que hoje já está na classificação internacional de doenças. Já tem o CID. Que é uma doença ocupacional mesmo que surge nesse contexto de trabalho. Muitas profissões são acometidas e a gente tem visto a repercussão da saúde mental dos policiais militares, dos professores e dos enfermeiros”, observou. 

Neste sentido, buscar uma rede de apoio ao longo do ano é fundamental para viver melhor. E essa ajuda pode vir da família, dos amigos, através de pessoas de confiança com quem é possível pode contar. Caso não se sinta abraçado em nenhuma dessas alternativas, a pessoa deve buscar o profissional, o psicólogo, o psiquiatra. 

“As redes de apoio, a gente primeiro tem que pensar nas pessoas mais próximas, que essas pessoas têm que estar realmente alerta para observar e entender os sinais e os sintomas que são apatia, irritabilidade. As pessoas, às vezes, apresentam uma fadiga emocional, falta de apetite, ou excesso de apetite, a questão do sono, oscilação. Às vezes, tem gente que não consegue ter um sono reparador mesmo, um sono que te faça no outro dia levantar e ir para as atividades da vida diária de maneira adequada”, colocou.

As redes sociais também podem trazer algum conforto, não a virtual que todo mundo é perfeito, mas a da vida real. Mas é preciso se atentar para não cair na “positividade tóxica”, que estabelece felicidade o tempo inteiro. É preciso se permitir sentir. 

“É preciso chorar em alguns momentos, desabafar, falar sobre. Não é que você vai viver negativamente o tempo todo. Mas, colocar para fora. Por um tempo, a gente aprendeu que o homem não chora! Mas eu aconselho que chore. Têm muitas razões para o homem chorar. Muitas! O ser humano precisa chorar. Então, a gente precisa falar dessas nossas emoções, que não são tão legais, que não são vistas como emoções positivas, mas que a gente precisa delas, de alguma forma. Porque as emoções, elas nos ajudam na nossa sobrevivência. Então, a gente precisa ter essa compreensão de que, hoje eu estou triste, tudo bem está triste hoje, eu não posso viver uma tristeza eterna. Eu preciso entender o que foi que me levou a essa tristeza, ressignificá-la e transmutá-la”, informou.

É como a música diz, “quando ficar triste, que seja por um dia e não o ano inteiro, que descubra que rir é bom, mas rir de tudo é desespero”. 

Saúde Mental Ocupacional

Além disso, a psicóloga salientou a importância de cuidar da saúde mental no trabalho. Algumas empresas têm buscado o trabalho de Fabiana para melhorar o bem-estar de seus colaboradores.

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Foto: Rawpixel.com/Freepik

“Porque muitos líderes têm percebido que muitas pessoas ficam embotadas mesmo. São apáticas, não produzem. Porque passam por algum sofrimento psíquico e aí não tem um lugar de escuta, não tem um lugar que a pessoa possa se colocar e falar sobre isso. E se a gente não der atenção a essa saúde mental dentro desse contexto de trabalho, não existe um bem-estar nesse labor”, pontuou. 

Fabiana alerta que escutar é uma medida que pode ser implementada para prevenir esse cenário e oferecer um apoio adequado. Seja através da coletividade, com rodas de conversa em grupo ou até mesmo, com a participação do líder. Outras alternativas mais discretas podem ser implementadas. 

“Existem pessoas que não se sentem tão confortáveis, então pode promover uma escuta fora com parceria de alguns psicólogos, com estagiários de psicologia que estão prestes a se formar. Tudo que possa promover a saúde mental e o bem-estar dentro desse ambiente de trabalho. Os feedbacks positivos, estratégias como o melhor funcionário do mês. Trocas de experiências”, indicou.

Ainda no contexto do trabalho, Fabiana pontuou que muitas pessoas se adequaram ao Home Office, mas outras não e o retorno para as práticas de interação de antes não foram as mesmas. 

“É preciso ler esse perfil e entender que todos fazem parte. Mas a gente precisa entender que somos diferentes, cada um tem seu jeito e o ambiente de trabalho tem como fazer isso, tem como fazer essa escuta, esse acolhimento. Disponibilizar psiquiatras para fazer atendimentos online para essas pessoas, principalmente que têm a resistência de ir até o psiquiatra. Então assim, a saúde mental é maravilhosa. Ela é possível. Ela está disponível”, explicou.

Além do mais, Fabiana brincou que cuidar da saúde mental deve ser algo leve, bom que as pessoas não devem ter medo de se consultar com os profissionais.

“Eu falo sempre com meus pacientes. Está vendo aí que eu não te mordi? Falam: ‘se eu soubesse, eu já tinha vindo antes!’ E é isso que faz a psicologia ser tão massa, tão transformadora. Porque o sujeito precisa estar disponível. Mas às vezes ele não sabe. E é por isso que a psicoeducação tem tanto efeito”, finalizou. 

Muitas vezes enxergar o que tanto assusta, aquilo que a pessoa pode não contar para ninguém e nem quer dizer em voz alta pode ser assustador. Mas é importante não deixar essas vozes, esses sentimentos e sintomas reduzirem e inviabilizarem o indivíduo. Coragem de pedir ajuda é o primeiro passo para cuidar de si e viver com um maior bem-estar.

Com informações do repórter Ney Silva do Acorda Cidade

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