Dia Internacional dos Povos Indígenas

Residência Indígena da Uefs é pioneira na política de moradia estudantil para indígenas no Brasil 

A Uefs possui o primeiro Programa de Residência Indígena do país. A ação afirmativa foi organizada pelos próprios alunos e regularizada desde 2010 pela instituição.

Foto: Uefs
Foto: Uefs

O Dia Internacional dos Povos Indígenas é celebrado hoje (9) com avanços significativos em termos de mapeamento dos povos originários do Brasil. O Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022 apontou a Bahia como o segundo estado com a maior população indígena do país. As informações registradas são extremamente importantes, pois representam o perfil e o contexto socioeconômico de determinada localidade e esses dados são transformados em informações que norteiam os gestores na criação de políticas públicas para a sociedade.

De acordo com esse Censo, a cidade de Feira de Santana, em 2010, registrava 1.118 indígenas, passando para 6. 621, no ano de 2022. Esse quantitativo é resultado da ampliação da aplicação da segunda pergunta sobre identificação indígena em diversas localidades fora dos territórios oficialmente demarcados e dos aprimoramentos na coleta e do monitoramento do trabalho dos recenseadores.

Foto: Divulgação/IBGE

A Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) é a pioneira na política pública de moradia e permanência estudantil exclusiva para estudantes indígenas. A instituição possui o primeiro Programa de Residência Indígena do país. A ação afirmativa foi organizada pelos próprios alunos e regularizada desde 2010 pela instituição.

De acordo com a Pró-Reitora de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis (Propaae), Sandra Nívea, 64 indígenas estão com matrícula ativa na instituição. Dos 64, são registradas 12 etnias de povos originários dos estados da Bahia, Pernambuco, Amazonas, Paraíba, Sergipe e Tocantins. 

Dados: Propaae/Uefs

“Essas etnias foram identificadas a partir de 2020.2, pelo processo de validação documental. É possível que haja mais etnias, de estudantes que ingressaram anteriormente a 2020.2. Essa verificação está sendo feita através de uma busca ativa”, afirma Sandra. 

Segundo a Pró-reitora, há 18 indígenas morando na residência dentro do campus da Uefs, 10 mulheres e 08 homens distribuídos por 05 quartos, 02 banheiros, uma cozinha de uso coletivo e uma área de serviço. Além da moradia, os estudantes têm direito a três refeições (café da manhã, almoço e jantar ), durante os sete dias da semana, no Restaurante Universitário, auxílio financeiro no valor de R$ 700,00 e também, de acordo com a pró-reitoria, apoio psicossocial e pedagógico no Núcleo de Apoio Psicossocial (NAPP). 

Foto: Uefs

Nívea explica que a implementação da residência surgiu da reivindicação dos alunos indígenas que começaram a acessar o ensino superior a partir de 2007, quando foi incluída a política de cotas, de duas vagas por curso para indígena e/ou quilombola. Ela fala a importância da construção do espaço exclusivo para os indígenas.

Foto: Arquivo Pessoal

“O objetivo primeiro foi atender a reivindicação desses estudantes que manifestaram o desejo de partilhar cotidianamente o mesmo espaço de convivência . Também é importante considerar que estes estudantes com seus modos próprios de viver saem da proteção de seu povo para viver num mundo onde as relações são construídas sob outras lógicas. Nesse sentido, estar entre aqueles que conhecem ou que partilham um universo comum, torna-se fonte de equilíbrio emocional e cultural para os desafios dessa nova realidade. Obviamente que cada etnia tem cultura própria. Afinal, são vários os povos indígenas, mas há entre eles conexões que trazem maior conforto emocional e cultural para construir relações com outros”, disse.

A estudante do curso de Agronomia na Uefs, Cris Truká, de 27 anos, é do Povo Truká de Cabrobró, em Pernambuco. Ela conta como é se distanciar do território para estudar. 

“Muitos de nós saímos novinhos dos nossos territórios mas ficamos com um pé na aldeia, sempre retornamos buscamos está dentro de um ritual, nos fortalecendo e nos unindo com nosso povo”, disse. 

Cris fala que escolheu o curso por sua ligação com a terra e conta o que espera dos anos de dedicação à academia. “Acho que a maioria de nós, busca a graduação para dar retorno ao nosso povo e não pela renda que venha a ter futuramente”, explica. 

Foto: Arquivo Pessoal

A permanência universitária, principalmente dos estudantes mais pobres, é uma problemática constante discutida pelo movimento estudantil. Muitos alunos têm que se desdobrar para trabalhar e estudar, outros ajudam em casa de outra forma e muitos não possuem ajuda financeira da família para se dedicar somente aos estudos. Toda essa condição socioeconômica põe a prova a permanência deles durante o curso, muitos chegam a evadir-se, por conta das dificuldades. 

Truká fala que está em processo de conclusão do curso, mas que ainda encontra dificuldades para se formar. Ela disse que tem amigos que adoeceram no processo de formação.  

“Já passei fome, isso porque quando eu entrei não tinha bolsa, as pessoas citam as piadas que é muito bom ser estudante indígena porque já entra ganhando, tudo mentira.

Já passei por uma fase psicológica que me fez querer trancar meu curso, hoje eu tenho ansiedade e crise de pânico. Nós não temos acompanhamento psicológico, o que no caso da permanência deveria ter a obrigação de ofertar”, disse. 

Foto: Arquivo Pessoal

As tradições indígenas seguem a estudante que necessita praticar suas ações de rotina para manter a identidade, os valores e fundamentos de suas raízes. Ela conta que uma residência exclusiva é importante porque traz privacidade e uma melhor qualidade de vida para eles. 

“Antigamente eram todos misturados, mas nós temos costumes que nem todos entendem, por exemplo, nós fumamos, para alguns povos o ‘ativis’ chamam de cachimbo, campiô, chanduka, e assim vai. O uso desse ativi serve para nos conectar e nos fortalecer. Fumar faz parte da nossa cultura, e a fumaça incomoda outros de certa forma. Pois eles não entendem. Temos também o hábito de acender velas e precisamos de um cantinho para agradecer e rezar ao pai Tupã (Deus)”, afirma. 

Ela reforça que a residência teve papel fundamental na sua permanência e sem essa política pública, não seria possível se graduar. “Se não fosse a moradia eu não tinha outra alternativa. Meus pais jamais teriam condições de pagar uma casa no Feira Vl (bairro), porque os valores são super altos. Tupã foi bom pra mim”, disse Cris. 

Foto: Cris Truká/Uefs

Frente aos debates dos indígenas na Uefs, ela explica que lutam por melhorias na residência desde 2012 e a ampliação do espaço. 

A antropóloga Patrícia Navarro, salienta que a residência é um espaço identitário dentro da Uefs, onde os estudantes indígenas se reconhecem e são reconhecidos pelo sistema. 

“É um local onde eles podem compartilhar experiências com outros indígenas e praticar seus rituais. É realmente um lugar de acolhimento, por isso que ela deve ser o mais breve possível ampliada e reformada para que ela ofereça aos estudantes ainda mais, melhores condições para que eles permaneçam na Uefs e possam pôr em prática toda a sua diversidade cultural”, afirma Patrícia.

Foto: Arquivo Pessoal

A antropóloga também coordena o Centro de Memória dos Povos Indígenas do Nordeste – Anjuká (DCHE/Uefs) e fala que o adoecimento dos estudantes na instituição é visível diante das condições da residência disponibilizada. Não há áreas específicas na casa para estudar e eles têm que lidar com questões estruturais degradantes ao longo dos 13 anos de existência, como mofo, goteiras, umidade e espaço inadequado. Apesar disso, a professora considera positiva a ação afirmativa, mas reforça que a universidade precisa avançar no aprimoramento dessas políticas públicas. 

Foto: Uefs

A Propaae informou que o Governo do Estado da Bahia já se comprometeu com a reforma e ampliação da residência indígena e que está divulgando a política de acesso e permanência da universidade nas escolas da zona rural de Feira. A instituição contou que está buscando articulação com lideranças desses grupos sociais para divulgar essas políticas para povos indígenas e quilombolas da Bahia. 

Foto: Uefs

A professora Patrícia concluiu afirmando a relevância das ações afirmativas de modo geral. 

“As ações afirmativas são políticas que dão a possibilidades de indígenas, quilombolas, negros e negras consigam adentrar a universidade de forma igualitária com outros estudantes que tiveram uma condição melhor de cursar o ensino fundamental e médio. Então elas fazem com que de alguma forma seja reparada a desigualdade social causada pela opressão da colonização e que colocou esses indivíduos fora desse âmbito das oportunidades. Elas devem e precisam ser estimuladas, incrementadas e melhoradas para que cada vez mais esses estudantes consigam ocupar espaços que não podiam ocupar,  pois eram cortados do vestibular. Pelos direitos de acesso à universidade, a outros benefícios sociais e que a universidade se pinte cada vez mais de jenipapo e urucum”, concluiu a indigenista. 

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Com informações da repórter Jaqueline Ferreira do Acorda Cidade

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DIOGO

SERIA LEGAL QUE TODOS OS INDÍGENAS DO PAIS, TIVESSEM ESSA OPORTUNIDADE E VIVER EM BOAS CONDIÇÕES HUMANAS.
MAS, O ESTADO DIZ COMO ELES DEVEM VIVER, OU SEJA, FICARÃO ESQUECIDOS, EM SUA MAIORIA!