Dia do Capoeirista

Capoeira é símbolo da identidade e da resistência dos negros no Brasil 

Nilton Rasta é capoeirista e explica um pouco da história dessa arte genuinamente negra, baiana e brasileira.

Foto: Agência Brasileira de Cooperação
Foto: Agência Brasileira de Cooperação

Nesta quinta-feira (3) é celebrado o Dia do Capoeirista, data que foi instituída através da Lei nº 4.649, de 1985, pelo governo de São Paulo e que outras regiões acabaram aderindo. A Capoeira é uma expressão cultural do povo negro brasileiro, onde ela se apresenta pela dança, esporte, música e arte marcial.

Patrimônio Imaterial da Humanidade desde 2014, ela surgiu na Bahia pelas mãos dos primeiros negros que foram trazidos do continente africano, como forma de resistência e combate contra a escravidão. 

As pessoas que praticam se põem em roda, com o famoso berimbau baiano, batuque de atabaques, músicas do cancioneiro popular, sons das palmas das mãos e gingam através da dança e dos golpes singelos e certeiros, de dois em dois, ou mais, a depender do tamanho da roda. 

O capoeirista, José Evanildo de Jesus Portela, o Nilton Rasta, conversou com o Acorda Cidade sobre capoeira e trouxe mais detalhes da história desse símbolo da cultura brasileira. 

Foto: Ney Silva/Acorda Cidade

“Foi um estilo trazido da África que era um ritual de tribo, eles praticavam os sons com atabaques e instrumentos que nem existem mais, pois foram extintos e o atabaque ficou no lugar; existiam instrumentos africanos feitos de madeira e couro e não tinha ferro, eram rústicos. E o berimbau entra também na capoeira em uma época que ninguém, nem os historiadores sabem ao certo explicar, mas que é um instrumento africano”, explicou.

“A capoeira antes de tudo é uma resistência, porque ao longo do tempo a gente dependia dela para viver. O povo chama de artes marciais, de dança, mas ela é uma luta de resistência”, informou Nilton. 

A prática era proibida no Brasil por lei até 1937 por ser considerada perigosa entre os senhores de engenho. Os negros que lutavam na resistência fugiam para formar quilombos e utilizava a capoeira como arte-macial para se defender dos capitães do mato. “Era contravenção penal, se fosse pego praticando era preso; e antes de ‘abolirem’ a escravidão, que somente é uma história, pegavam os negros e quebravam os pés e os braços, faziam atrocidades porque sabiam que o capoeira para eles era um perigo, pois eles usavam como arma de defesa.” 

Cenas do filme Besouro, 2009 Foto: Reprodução

“Os brancos da época, que eram os senhores de engenho, via que a negrada falava muitos dialetos – há mais de 2.000 dialetos na África toda, em 54 países – e de lá para cá davam problemas para eles pegarem o negro. Para não formar quilombos, eles vendiam os negros para outros estados, para fazendas distantes. Quem era do Benin eles vendiam para lugares angolanos e vice-versa. Os negros que foram trazidos para cá foram misturados, daí se deu a capoeira, o samba e os ritmos do Brasil. A capoeira é genuinamente baiana, é arte marcial brasileira”, disse o capoeirista ao Acorda Cidade.

Foto: Wikipédia

Justamente por conta da proibição dessa, que era uma prática esportista entre a população negra, camuflaram a arte dando a ela novas formas para se proteger da repressão policial daquela época. Nilton explica que os negros mudaram o som e o ritmo para continuar exercendo a arte publicamente. O racismo já ganhava novas formas ali, quando ligavam as práticas dos negros à criminalidade. 

Foto: Reprodução/Filme Besouro

“Quando o capitão do mato chegava, o pessoal que estava fazendo a capoeira, transformava em uma dança que se chama Ijexá, é tanto que a batida é idêntica, só muda a posição. Então, para ludibriar o próprio capitão do mato, eles criaram uma dança, mas no fundo é uma arte marcial que era a capoeira de Angola” fala Nilton. 

Resistência Negra 

No Brasil, a Roda de Capoeira foi reconhecida como patrimônio cultural brasileiro em 2008 pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e hoje ela é usada principalmente nas comunidades como prática de ação social para crianças, jovens e adultos. Nilton fala que apesar de ser reconhecida, inclusive internacionalmente, ainda é muito fraco o incentivo à arte, principalmente nas escolas, que na opinião dele não contam a verdadeira história que existe por trás da capoeira. 

Foto: Junior Major Santana

“Muita gente distorce, porque na escola não foi passado a verdadeira realidade. Os movimentos negros descobriram a sua verdadeira história, até mesmo porque na época quem escreveram os livros foram os brancos, quem praticou o crime foi quem escreveu o livro, então eles botaram o que eles queriam. A própria Princesa Isabel que assinou a lei áurea, mas o 13 de maio não significa nada, significa o dia 20 de novembro, por conta disso, da capoeira ter sido resistência, em alguns movimentos da Bahia como Mâles e outros, houveram ‘os capoeiras’ lutando, brigando, juntamente com o pessoal que brigou na independência da Bahia”, explica Rasta ao Acorda Cidade ao se referir sobre períodos da história do Brasil em que os negros lutaram em batalhas históricas. 

Danse de la Guerre de Johann Moritz Rugendas, de 1835. Foto: Wikipédia

Apesar da existência da Lei 10.639/2003, que garante a cultura afro-brasileira nas escolas, em Salvador, na Bahia, o atual prefeito Bruno Reis, vetou o projeto de Lei nº 170/2022 que assegurava a inclusão do ensino de capoeira nas escolas da capital baiana. A negação foi enxergada pelos líderes da capoeira como um retrocesso, pois ela agrega a vida das pessoas conhecimento, disciplina, saúde e valores que norteiam a trajetória de quem pratica. 

Nilton que também é músico e percussionista, critica a capoeira como prática esportista comercial e conta que geralmente quem se beneficia dela enquanto esporte são os brancos. “Tem lugares no Brasil que tem mais capoeira do que na Bahia, a nível de São Paulo, Rio de Janeiro e outros estados. A capoeira é cara nesses lugares, porque quem mais faz são os brancos. Na favela está mais como ação social”. 

Valorizar é preciso

Em Feira de Santana ainda existem grupos de capoeira que resistem há mais de 30 anos e que não recebem atenção de órgãos públicos ou de empresas que queiram fortalecer a causa. São os grupos São Francisco, os Angoleiros do Sertão e o Dois Antônios, explica o percussionista.

Nilton, que também é presidente do Afoxé Pomba de Malê, projeto social da Rua Nova, fala que através da capoeira viajou para países como o Japão, e que por lá o ensino do Judô é difundido nas escolas como matéria, justamente por fazer parte da identidade e da história do país. Ele critica a falta de atenção à capoeira como instrumento educativo e de transformação social.  

“Só nosso país não tem essa concepção. Muita gente que passou pelo meu projeto, pelos projetos da Rua Nova, do Paraná, do mestre Gago, pelo mestre Cláudio, mestre Gato Preto, os meninos cresceram e se tornaram cidadãos honrados, porque tiveram assistência da cultura e arte da capoeira”. 

A arte da capoeira apresenta ritmos, gestos, gingados, danças e sons que exalam a negritude brasileira. Através dela, milhões de negros resistiram contra as atrocidades da escravidão, se aquilombaram e se seguem até hoje, pelos seus sucessores – que é povo negro brasileiro –  sendo utilizada como instrumento de transformação social na vidas das pessoas. Atualmente, pessoas que praticam capoeira e respeitam a sua história verdadeiramente, seguem prorrogando práticas antirracistas pela cultura, arte e educação contra um sistema brasileiro desigual.  

“A capoeira precisa de respeito”, afirma Nilton Rasta.

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Com informações do repórter Ney Silva e produção de Jaqueline Ferreira do Acorda Cidade

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