Por meio da Resolução A/RES/76/300, de 28 de julho de 2022, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu como direito humano o direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável. No ano anterior, a Resolução A/HRC/RES/48/13, do Conselho de Direitos Humanos, de 8 de outubro de 2021, intitulada “O direito humano a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável”, já havia caminhado nessa direção.
Na referida Resolução A/RES/76/300, a Assembleia Geral tomou em conta que os efeitos das alterações climáticas, a gestão incorreta e o uso desregrado dos recursos naturais, a poluição do ar, do solo e das águas, o uso irracional de substâncias químicas, o tratamento inadequado de resíduos, as perdas de diversidade biológica e o declínio dos benefícios trazidos pelos ecossistemas interferem no gozo de um meio ambiente limpo, saudável e sustentável. Constatou-se também que os danos ambientais daí resultantes têm repercussões negativas sobre o efetivo gozo de todos os direitos humanos, sendo de se destacar o direito à saúde, o direito à vida e o direito de propriedade.
A Assembleia Geral reconheceu ainda que a degradação ambiental, as mudanças climáticas, a perda de diversidade biológica, a desertificação e o desenvolvimento não sustentável “são algumas das ameaças mais prementes e sérias à capacidade das gerações presentes e futuras usufruírem plenamente de todos os direitos humanos”. O planeta já enfrenta grandes movimentos migratórios devido a catástrofes naturais e desastres ambientais provocados por ação humana isolada ou combinada a eventos da natureza. São os deslocados e os refugiados ambientais, vítimas das secas, da desertificação, das enchentes, do degelo, de terremotos, furacões e tufões, e também os atingidos pela poluição industrial, pelo derramamento de substâncias tóxicas e resíduos perigosos e por desastres em minas, usinas, barragens e outros engenhos humanos.
Entre os direitos ambientais reconhecidos pela Assembleia Geral da ONU se incluem os de “buscar, receber e difundir informações e participar efetivamente na condução de assuntos governamentais” e o de ter acesso a “um recurso efetivo”, para assegurar um ambiente limpo, saudável e sustentável. Naturalmente, a tais direitos correspondem as obrigações estatais de “respeitar, proteger e promover os direitos humanos, inclusive em todas as atividades destinadas a enfrentar os problemas ambientais” e adotar medidas para proteger os direitos reconhecidos em diversos instrumentos internacionais. Cabe também aos Estados adotar medidas adicionais “em relação a pessoas particularmente vulneráveis à degradação ambiental, levando em conta os princípios-quadro sobre direitos humanos e meio ambiente”.
Ficou então afirmado pela Resolução A/RES/76/300, no âmbito da soft law ambiental, o direito humano a um ambiente limpo, saudável e sustentável, estando tal direito vinculado a outros direitos humanos e sujeito ao direito internacional vigente. Em consequência, a ONU declarou que a promoção dos direitos ambientais exige dos Estados, das organizações internacionais, das empresas e de outros stakeholders “a plena implementação de acordos multilaterais relacionados ao meio ambiente, com base nos princípios do direito ambiental internacional”.
Como vimos neste post, sobre a decisão proferida em 2022 pelo STF na ADPF 708, os tratados internacionais em matéria ambiental se equiparam a tratados de direitos humanos e têm, no Brasil, status de normas supralegais, nos termos do art. 5º, §2º, da Constituição. Conjugando a declaração da ONU com esse julgado, podemos chegar a um novo patamar de enforcamento dos direitos humanos ambientais no Brasil.
Diante da evolução dos temas de responsabilidade social, ambiental e de governança (ESG), vemos que as empresas, sobretudo as corporações transnacionais (TNCs), também têm um importante papel a desempenhar na proteção dos direitos humanos, especialmente para a prevenção de danos ambientais, a preservação do meio ambiente e sua recuperação, tendo em conta os conceitos de “meio ambiente humano” e de “desenvolvimento sustentável”. Aqui o cenário jurídico também tem-se desenvolvido, estando em discussão nas Nações Unidas um tratado para regular a responsabilização de multinacionais por graves violações a direitos humanos. A ideia de um “Instrumento Juridicamente Vinculante para Regular, no Direito Internacional dos Direitos Humanos, as Atividades de Corporações Transnacionais e Outras Empresas” surgiu no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2014, que aprovou a criação de um grupo de trabalho para este fim, por meio da Resolução A/HRC/RES/26/9, de 26 de junho daquele ano.
Um passo adicional, também muito importante, seria o ingresso do Brasil no Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe. Conhecido como Acordo de Escazú, de 2018, esse tratado entrou em vigor em 22 de abril de 2021 e amplia a base jurídica dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA) e a possibilidade de sua justiciabilidade (judicialização) perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Seu objetivo, conforme o art. 1º, “é garantir a implementação plena e efetiva, na América Latina e no Caribe, dos direitos de acesso à informação ambiental, participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais e acesso à justiça em questões ambientais, bem como a criação e o fortalecimento das capacidades e cooperação, contribuindo para a proteção do direito de cada pessoa, das gerações presentes e futuras, a viver em um meio ambiente saudável e a um desenvolvimento sustentável.”
Além de reconhecer o direito humano a um meio ambiente saudável (art. 4º, §1º), o Acordo de Escazú lista uma série de princípios reitores e, pela primeira vez num tratado internacional, reconhece os direitos de defensores de direitos humanos ambientas, no art. 9º:
Acordo de Escazú (2018)
Artigo 9º Defensores dos direitos humanos em questões ambientais
Cada Parte garantirá um ambiente seguro e propício no qual as pessoas, os grupos e as organizações que promovem e defendem os direitos humanos em questões ambientais possam atuar sem ameaças, restrições e insegurança.
Cada Parte tomará as medidas adequadas e efetivas para reconhecer, proteger e promover todos os direitos dos defensores dos direitos humanos em questões ambientais, inclusive o direito à vida, integridade pessoal, liberdade de opinião e expressão, o direito de reunião e associação pacíficas e o direito a circular livremente, bem como sua capacidade de exercer os direitos de acesso, levando em conta as obrigações internacionais da Parte no âmbito dos direitos humanos, seus princípios constitucionais e os elementos básicos de seu sistema jurídico.
Cada Parte tomará medidas apropriadas, efetivas e oportunas para prevenir, investigar e punir ataques, ameaças ou intimidações que os defensores dos direitos humanos em questões ambientais possam sofrer no exercício dos direitos contemplados no presente Acordo.
Quando o Brasil resolver ratificar o Acordo de Escazú, surgirá a oportunidade de fazê-lo tramitar no Congresso Nacional de acordo com o procedimento previsto no art. 5º, §3º, da Constituição Federal, o que lhe dará não o status de suprelegalidade reconhecido pelo STF para os tratados em matéria ambiental (ADPF 708), mas sim a hierarquia de texto integrante do bloco de constitucionalidade, tal como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2007 e seu Protocolo Facultativo, o Tratado de Marraqueche de 2018 e a Convenção da Guatemala de 2013. É dizer: o Acordo de Escazú poderá ser o primeiro tratado em matéria ambiental internalizado no Brasil como norma constitucional.
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