O distrito de Trancoso, em Porto Seguro, pode perder o posto de um dos destinos mais procurados do Brasil – e do mundo – para a realização de casamentos. Um imbróglio judicial que envolve uma associação, um resort de luxo e diversos espaços de festas no Quadrado de Trancoso afastou dezenas de cerimônias e pode sepultar um crescimento rápido visto na região nos últimos anos.
O impasse começou após ações impetradas pela Associação Despertar Trancoso, que questionou eventos com som alto durante a madrugada. De acordo com representantes do setor, mesmo com tentativas de adequação, eventualmente foram proibidos eventos a qualquer horário do dia. Ao Bahia Notícias, parceiro do Acorda Cidade, uma empresária que atua no setor de eventos e moradora de Trancoso, explicou como começou a disputa, que agora culminou com um movimento de diversos fornecedores para tentar derrubar a decisão judicial que atendeu aos pedidos da Despertar.
“A gente fazia mais de 100 casamentos por ano no Quadrado, porque as pessoas casavam na igreja e faziam comemorações naqueles restaurantes ali. Sempre foram casamentos menores, em que era mais fácil pagar com a estrutura menor”, disse.
Em 2017, a Associação Despertar entrou com a primeira ação, pedindo o fim dos casamentos no Quadrado. Porém, um acordo garantiu que as festas continuassem desde que encerrassem até 23h. “Eu fiz alguns casamentos inclusive de manhã, e aí os noivos faziam almoço. Até que um dos lugares fez um evento e sofreu um processo não apenas cível, mas criminal também. E foi suspenso o direito de receber alvará para eventos”.
De acordo com apuração do Bahia Notícias, a prefeitura de Porto Seguro tentou intermediar um acordo entre a associação e os espaços para liberar os eventos, já que a gestão está impedida por decisão judicial de emitir os alvarás. O próprio prefeito, Jânio Natal, teria participado das conversas, mas não houve um consenso.
De acordo com a produtora, já há processos semelhantes contra quatro empreendimentos que incomodariam “um hotel no Quadrado”. A empresária conta então que a alternativa foi buscar espaços na beira da praia para a realização dos casamentos, o que temporariamente resolveu a questão, apesar da demanda por festas cair cerca de 50%.
“O custo para montar uma estrutura afastava essas pessoas daqui. Só que o mesmo escritório de advocacia, usando essa decisão como referência, também conseguiu proibir uma pousada muito antiga e uma outra casa em que a gente fazia a maioria dos casamentos”.
Praticamente no mesmo período, um outro processo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) interditou duas barracas que também recebiam os casamentos. Assim, só restaram na região dois espaços que poderiam receber os alvarás: o Espaço L’occitane, e a Pousada Rio da Barra – que, afetada pelas chuvas e por outros fenômenos, “perdeu” uma parte da faixa de areia com a movimentação do rio e limitou ainda mais as possibilidade para quem trabalha no setor.
“Desde 2017, todo mundo tem muito medo de falar e queimar o mercado. Só que, com esse medo, muitos casamentos se mudaram para outros destinos, como Milagres e Itacaré, que não têm esses impedimentos. Eu ainda consegui segurar esse tempo todo porque eu moro aqui, eu sei tudo que está acontecendo e só prometo o que eu consigo entregar”.
A empresária deu exemplo de espaços que, sem condições de fazer as adequações sonoras exigidas, passou de 100 para 2 casamentos por ano.
Em seu perfil no Instagram, a Despertar reforçou que não pode proibir eventos, e que apenas buscou a Justiça para garantir o cumprimento da lei.
“Não é novidade que alguns atores de Trancoso que querem trabalhar fora das leis e das práticas comuns de sustentabilidade aceitas globalmente, atacam a Despertar com mentiras e informações falsas (fake news). […] A Despertar é uma ONG Privada, sem fins lucrativos, que não tem poder para fazer ou aplicar leis, mas pode tomar medidas com base nos seus objetivos estatutários, que provocam o Poder Judiciário para falhas na atuação do Poder Público em cumprir as leis que protegem nossa comunidade ou incidentes de crimes e corrupção”, defendeu o grupo.
“Diferente das falsas informações que circulam, a Despertar nunca objetivou proibir qualquer tipo de evento no Quadrado ou em qualquer localidade do distrito de Trancoso. Pelo contrário, a Despertar tem plena ciência que os eventos, principalmente os eventos de casamento, são de grande importância para a economia do distrito”, reforçou a associação, apontando ainda que as empresas deveriam direcionar “energia e tempo” para investirem nos imóveis, garantindo o respeito à legislação.
IMPACTO MILIONÁRIO PARA O ESTADO
A empresária frisou o impacto financeiro que não só a comunidade local enfrenta, mas também fornecedores em um raio que vai da cidade de Teixeira de Freitas – que fica a mais de 220 km ao sul de Porto Seguro – até Itabuna – a quase 300 km ao norte do destino.
“Eu já cheguei a fazer casamentos aqui em que o noivo investiu R$ 6 milhões. Mas, nivelando por baixo, um casamento de 150 pessoas custa em média R$ 500 mil. Além de contratarem bolo, DJ, buffet, fotógrafo, decoração, aluguel do espaço, garçons, carregadores, pessoal de limpeza… esses convidados compram passagem aérea, pegam táxi no aeroporto, jantam nos restaurantes, comem na barraca de tapioca, fazem massagem na praia, compram artesanato, usam serviços de cabelo e maquiagem. Com a demanda alta de casamentos, vinham pessoas de outras cidades pra trabalhar aqui”, enumera.
O imbróglio impactou mesmo empreendimentos que ainda têm autorização da prefeitura para eventos. Em 2017, o hotel Bahia Bonita virou assunto nacional ao receber a cerimônia dos influenciadores Gabriela Pugliesi e Erasmo Viana. No ano seguinte, foram mais de 20 casamentos realizados no mesmo espaço. Em 2023, até o momento, foram 2.
ENVOLVIMENTO DE RESORT
Fornecedores do setor de eventos vieram a público, nesta quarta-feira (3), pedir apoio para um abaixo-assinado em defesa das pessoas que trabalham com as cerimônias em Trancoso.
Um dos ouvidos apontou a preocupação com os pequenos comerciantes envolvidos na realização de uma festa de grande porte. “Felizmente eu não dependo dos casamentos em Trancoso. Mas imagino a pessoa com quem eu comprava quentinhas pra minha equipe em cada cerimônia que fazíamos. Era pelo menos R$ 300 pelas refeições só pra minha equipe. Imagina o impacto”, lamentou.
FESTAS EM REGIÕES TOMBADAS
A defesa da associação alega que, pelo Quadrado de Trancoso ser um centro histórico tombado, o Iphan determina que vibrações podem gerar impacto nas edificações, a depender da distância e da constituição da construção. Assim, qualquer evento que ocorresse dentro da Poligonal de Tombamento precisaria, obrigatoriamente, de expressa autorização do órgão.
Na ação judicial, a Associação Despertar conseguiu garantir a aplicação de multa de R$ 50 mil por cada autorização sonora emitida pela prefeitura em desacordo com a decisão, que foi confirmada pelo TJ-BA em 2018.
Porém este é um debate mais complexo. Porto Seguro se destaca no cenário nacional e internacional como um destino de praia, grandes eventos e participação na história nacional. Considerada o berço da nação brasileira, com a recepção das caravelas portuguesas em 1500, a cidade possui mais de cem bens históricos tombados de acordo com a gestão municipal. E muitos destes espaços convivem com grandes eventos há décadas.
É o caso da Passarela do Descobrimento, que recebe anualmente grandes shows como o Carnaval e o São João Elétrico.
Já a Vila de Caraíva tem chamado cada vez mais atenção de turistas do mundo todo, e também do mercado de eventos. Mais distante do centro da cidade, o distrito de ruas de areia e forrós conhecidos passou a ser palco de casamentos grandiosos, com o pé na areia, além de festivais de música.
Entre os sete templos católicos de tombados, a Igreja D’Ajuda também recebe grandes festejos. Considerado o mais antigo santuário católico do Brasil, ele é palco todos os anos a Procissão de Nossa Senhora D’Ajuda, reunindo romeiros de todo o Brasil.
Fontes indicaram ao site que, com a ampliação do debate nas redes sociais, o tema deve ser levado para a sessão desta quinta-feira (4) na Câmara de Vereadores da cidade.
Em nota, a Prefeitura de Porto Seguro confirmou que “o destino turístico vem sofrendo muito com a perda dos grandes casamentos, que se tornaram uma relevante atividade econômica, geradora de emprego e renda para a população local”.
“A suspensão das festas e eventos do Quadrado é fruto de uma Ação Civil Pública Ambiental, impetrada pela Associação Despertar, de Trancoso, resultando em mais de 100 cancelamentos de casamentos no local. Cabe à Prefeitura de Porto Seguro obedecer à decisão judicial, sob pena de multa de R$ 50.000,00 por cada infringência”, conclui a nota.
Fonte: Bahia Notícias
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