Saiu uma decisão importante do STJ em matéria de penhora, que se relaciona à aplicação do artigo 36 da Lei de Abuso de Autoridade. Este dispositivo tipifica o crime judicial de excesso de penhora ou de abuso na decretação de medidas cautelares reais e ou doutras decisões de indisponibilidade de bens em ações judiciais.
LEI 13.869/2019
Art. 36. Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Para a 3ª Turma do STJ, a consumação do crime por parte do juiz depende, como é óbvio, de sua renitência em corrigir excesso após alerta da parte prejudicada, desde que também estejam presentes os elementos subjetivos indicados no §1º do artigo 1º da Lei 13.869/2019.
LEI 13.869/2019
Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.
§ 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.
Extraio da ementa do RESP 1.993.495/MS o que importa:
(…) execução civil. Concretude da ordem de preferência legal que privilegia o adimplemento em dinheiro. Medida expressamente autorizada pelo legislador e disciplinada de modo detalhado pela legislação processual civil. Observância do rito previsto em lei que afasta por completo a incidência do crime previsto no art. 36 da lei de abuso de autoridade, eis que se trata de medida autorizada pelo legislador. Inobservância do procedimento previsto em lei que não implica, ademais, na incidência do tipo penal, que exige dolo específico e decretação de indisponibilidade em quantia que extrapole exacerbadamente o valor da dívida. Excessividade da constrição que poderá ser sanada de ofício ou mediante provocação do executado. Tipo penal que somente incidiria, em tese, se, demonstrada a excessividade, houvesse renitência do julgador em corrigi-la.
6- Observado o rito previsto em lei para a decretação de indisponibilidade de ativos financeiros, não há que se falar, nem mesmo em tese, de ato judicial tipificável como crime (art. 36 da Lei no 13.869/2019), uma vez que, nessa hipótese, o magistrado estará autorizado a aplicar a regra processual civil que expressamente prevê a possibilidade de adoção da medida sub-rogatória como técnica executiva destinada à satisfação do crédito.
7- Mesmo na hipótese em que não for observado o detalhado procedimento descrito no art. 854, §§ 1º a 9º, do CPC/15, não há que se falar em incidência do magistrado no tipo penal previsto no art. 36 da Lei no 13.869/2019 se ausente o dolo específico previsto na referida legislação (art. 1º, § 1º) ou se a ordem judicial que decreta a indisponibilidade não extrapola exacerbadamente o valor da dívida (o que não se confunde com a eventual retenção, por parte das instituições financeiras e de modo momentâneo, de valor superior à dívida executada, hipótese expressamente disciplinada pelo art. 854, § 1º, do CPC/15).
8- De outro lado, a regra do art. 36 da Lei no 13.869/2019 também estabelece, como condição, que exista a demonstração, pela parte, da excessividade da medida (em linha com o art. 854, § 3º, II, do CPC/15) e a renitência do julgador em corrigir a constrição excessiva, de modo que somente se poderia cogitar de ilícito penal se porventura presentes tais circunstâncias.
(STJ, 3ª Turma, RESP 1.993.495/MS, min. Nancy Andrighi, j. em 27/09/2022)
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