Vladimir Aras

O status dos tratados internacionais em matéria ambiental no Brasil

A decisão foi adotada 1º de julho de 2022 no plenário virtual.

Foto: Divulgação
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Ao julgar a ADPF 708, sobre o Fundo do Clima, o plenário do STF acompanhou por 10 votos a 1 o voto do relator, o ministro Luiz Roberto Barroso, e reconheceu o status supralegal dos acordos internacionais ambientais como tratados de direitos humanos, no âmbito do art. 5º, §2º, da Constituição:

A decisão foi adotada 1º de julho de 2022 no plenário virtual (Plenário, Sessão Virtual de 24.6.2022 a 1.7.2022). O acórdão foi divulgado em julho.

Direito constitucional ambiental. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Fundo Clima. Não destinação dos recursos voltados à mitigação das mudanças climáticas. Inconstitucionalidade. Violação a compromissos internacionais.

Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental por meio da qual se alega que a União manteve o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima) inoperante durante os anos de 2019 e 2020, deixando de destinar vultosos recursos para o enfrentamento das mudanças climáticas. Pede-se: (i) a retomada do funcionamento do Fundo; (ii) a decretação do dever da União de alocação de tais recursos e a determinação de que se abstenha de novas omissões; (iii) a vedação ao contingenciamento de tais valores, com base no direito constitucional ao meio ambiente saudável.

Os documentos juntados aos autos comprovam a efetiva omissão da União, durante os anos de 2019 e 2020. Demonstram que a não alocação dos recursos constituiu uma decisão deliberada do Executivo, até que fosse possível alterar a constituição do Comitê Gestor do Fundo, de modo a controlar as informações e decisões pertinentes à alocação de seus recursos. A medida se insere em quadro mais amplo de sistêmica supressão ou enfraquecimento de colegiados da Administração Pública e/ou de redução da participação da sociedade civil em seu âmbito, com vistas à sua captura. Tais providências já foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal em reiteradas decisões. Nesse sentido: ADI 6121, Rel. Min. Marco Aurélio (referente à extinção de múltiplos órgãos colegiados); ADPF 622, Rel. Min. Luís Roberto Barroso (sobre alteração do funcionamento do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente – CONANDA); ADPF 623-MC, Relª. Minª. Rosa Weber (sobre a mesma problemática no Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA); ADPF 651, Relª. Minª. Cármen Lúcia (pertinente ao Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente – FMNA).

O funcionamento do Fundo Clima foi retomado às pressas pelo Executivo, após a propositura da presente ação, liberando-se: (i) a integralidade dos recursos reembolsáveis para o BNDES; e (ii) parte dos recursos não reembolsáveis, para o Projeto Lixão Zero, do governo de Rondônia. Parcela remanescente dos recursos não reembolsáveis foi mantida retida, por contingenciamento alegadamente determinado pelo Ministério da Economia.

Dever constitucional, supralegal e legal da União e dos representantes eleitos, de proteger o meio ambiente e de combater as mudanças climáticas. A questão, portanto, tem natureza jurídica vinculante, não se tratando de livre escolha política. Determinação de que se abstenham de omissões na operacionalização do Fundo Clima e na destinação dos seus recursos. Inteligência dos arts. 225 e 5º, § 2º, da Constituição Federal (CF).

Vedação ao contingenciamento dos valores do Fundo Clima, em razão: (i) do grave contexto em que se encontra a situação ambiental brasileira, que guarda estrita relação de dependência com o núcleo essencial de múltiplos direitos fundamentais; (ii) de tais valores se vincularem a despesa objeto de deliberação do Legislativo, voltada ao cumprimento de obrigação constitucional e legal, com destinação específica. Inteligência do art. 2º, da CF e do art. 9º, § 2º, da Lei de Responsabilidade Fiscal – LC 101/2000 (LRF). Precedente: ADPF 347-MC, Rel. Min. Marco Aurélio.

Pedido julgado procedente para: (i) reconhecer a omissão da União, em razão da não alocação integral dos recursos do Fundo Clima referentes a 2019; (ii) determinar à União que se abstenha de se omitir em fazer funcionar o Fundo Clima ou em destinar seus recursos; (iii) vedar o contingenciamento das receitas que integram o Fundo.

Tese: O Poder Executivo tem o dever constitucional de fazer funcionar e alocar anualmente os recursos do Fundo Clima, para fins de mitigação das mudanças climáticas, estando vedado seu contingenciamento, em razão do dever constitucional de tutela ao meio ambiente (CF, art. 225), de direitos e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (CF, art. 5º, § 2º), bem como do princípio constitucional da separação dos poderes (CF, art. 2º, c/c o art. 9º, § 2º, LRF).
(STF, ADPF 708, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 04/07/2022).

Nos §§ 16 e 17 do voto do relator, fica clara a interpretação dada pelo STF às obrigações internacionais ambientais do Brasil. Cuida-se ao mesmo tempo de matéria constitucional e convencional, de natureza cogente, não sujeitas a cogitações de conveniência ou oportunidade.

VOTO DO RELATOR

“16. Ao contrário do que alegam a Presidência da República e a Advocacia-Geral da União, a questão pertinente às mudanças climáticas constitui matéria constitucional. Nessa linha, o art. 225, caput e parágrafos, da Constituição estabelece, de forma expressa, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao Poder Público o poder-dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo, para presentes e futuras gerações. Portanto, a tutela ambiental não se insere em juízo político, de conveniência e oportunidade, do Chefe do Executivo. Trata-se de obrigação a cujo cumprimento está vinculado.”

A definição do status dos tratados internacionais ambientais no Brasil vem no §17 do voto do ministro Roberto Barroso:

VOTO DO RELATOR

“17. Na mesma linha, a Constituição reconhece o caráter supralegal dos tratados internacionais sobre direitos humanos de que o Brasil faz parte, nos termos do seu art. 5º, § 2º. E não há dúvida de que a matéria ambiental se enquadra na hipótese. Como bem lembrado pela representante do PNUMA no Brasil, durante a audiência pública: “Não existem direitos humanos em um planeta morto ou doente” (p. 171). Tratados sobre direito ambiental constituem espécie do gênero tratados de direitos humanos e desfrutam, por essa razão, de status supranacional. Assim, não há uma opção juridicamente válida no sentido de simplesmente omitir-se no combate às mudanças climáticas.”

Inequivocamente, o STF afirmou, contra a posição do ministro Nunes Marques, que ficou vencido, que “tratados sobre direito ambiental constituem espécie do gênero tratados de direitos humanos e desfrutam, por essa razão, de status supranacional.” (STF, ADPF 708, rel, min. Roberto Barroso, Plenário Virtual, 01/07/2022).

Essa decisão fortalece os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA) na jurisdição ambiental, contribuindo para a implementação de obrigações de promoção do desenvolvimento sustentável, de proteção à biodiversidade, de enfrentamento das diversas espécies de poluição e de contenção das mudanças climáticas, práticas que degradam o planeta, ameaças de extinção espécies da fauna e da flora e deterioram o meio ambiente humano.

Como consequência, as políticas públicas do Estado brasileiro, as leis e atos infralegais e as decisões do Poder Judiciário em matéria ambiental devem ser confrontados com o marco jurídico internacional, para verificação de sua compatibilidade vertical.

A desconformidade de tais atividades com os tratados do direito internacional do meio ambiente pode resultar na afirmação de sua inconvencionalidade.

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