Na última sexta-feira (25), um adolescente de 16 anos realizou um ataque a duas escolas em Aracruz, no Espírito Santo. O crime deixou três mortos e outros treze feridos. O adolescente, que é filho de um policial militar, confessou o crime à polícia e informou que o atentado estava sendo planejado há pelo menos dois anos.
Nos últimos 20 anos, conforme um levantamento realizado pelo Instituto Sou da Paz, o Brasil registrou 12 ataques em escolas. E em todos os casos, os assassinos eram alunos ou ex-alunos da instituição de ensino invadida.
Veja abaixo os ataques e números do levantamento do Instituto Sou da Paz:
Salvador (BA) – 2002 | Duas pessoas feridas.
Taiúva (SP) – 2003 | Uma pessoa morta, e oito feridas.
Rio (RJ) – 2011 | 12 pessoas mortas, e 13 feridas.
São Caetano do Sul (SP) – 2011 | Uma pessoa morta, e uma ferida.
Santa Rita (PB) – 2012 | Três pessoas feridas.
Goiânia (GO) – 2017 | Duas pessoas mortas, e quatro feridas.
Medianeira (PR) – 2018 | Duas pessoas feridas.
Suzano (SP) – 2019 | Dez pessoas mortas, e 11 feridas.
Caraí (MG) – 2019 | Duas pessoas feridas.
Barreiras (BA) – 2022 | Uma pessoa morta.
Sobral (CE) – 2022 | Uma pessoa morta, e três feridas.
Aracruz (ES) – 2022 | Três pessoas mortas, e 13 feridas.
O Professor e Psicólogo Organizacional Mateus Spinola Butinhone relatou em entrevista ao Acorda Cidade que até poucos anos este tipo de notícia não nos assombrava, porque, normalmente, era manchete nos jornais norte-americanos, e nos levava a pensar sobre os fatores que motivavam um adolescente a agir de forma tão cruel.
“Estamos diante de um aumento desses casos em nosso país. Nossa capacidade empática, típica de um brasileiro, se vê atônita frente à atrocidade e que, com grande pesar, nos coloca no lugar das vítimas. Não conseguimos dizer, especificamente, a justificativa do aumento desses eventos. Por outro lado, podemos dizer que os ingredientes dessa indigesta situação se repete, na maioria dos casos, tais como: acesso a arma de fogo, acesso online e irrestrito a (des)informações, bem como a formação de grupos de afinidade, e claro, a saúde emocional alterada,” elencou.
Adolescência
A fase da adolescência é tida como aquela na qual os indivíduos estão buscando uma identidade, e na maioria da vezes os adolescentes encontram no mundo virtual o seu habitat natural.
“Em nosso imaginário temos um local de segurança emocional e de ideias, que é o mundo virtual, que por meio de grupos “na maioria anônimos” ou mesmo pela ‘deep web’, compartilham dos mais diversos pensamentos. Temos ainda o famoso algorítmo, que sempre te leva a assuntos que você já possui afinidade e assim o consumo das redes continua reforçando pensamentos sobre o assunto. A convergência de ideias e identificação narcisista acabam atraindo mais e mais pessoas com ideais extremos. Ser acolhido é algo muito valorizado quando se sabe que esse tipo de assunto não pode ser dito a qualquer pessoa, e é neste palco que tudo acontece,” descreveu o psicólogo.
Grupos extremistas
A polícia do Espírito Santo está investigando se o jovem de 16 anos estava envolvido em grupos extremistas.
“Jovens que experimentam a convivência social desses grupos inicialmente podem experimentar a sensação de acolhimento, reconhecimento e respeito, mas com o tempo, as cobranças por provas de fidelidade grupal farão implodir todo o seu sistema emocional. Afastamento ou fuga do grupo familiar, de amigos, de atividades que antes eram prazerosas perpetuarão suas ideações confusas e carentes de direcionamento. Grupos que pregam os extremos de qualquer natureza são prejudiciais e acabam por induzir a práticas extremas, que claro, histórias como essa, na maioria das vezes não acabam bem,” explicou.
Perfil
O psicólogo Mateus Spinola contou ao Acorda Cidade que, observando esse jovem, poderíamos dizer que o perfil dele é de um psicopata ou antissocial com traços narcisistas. No entanto, como estamos tratando de um adolescente é presunçoso fazer esse diagnóstico com poucas informações disponíveis.
“Os estudos internacionais traçaram um perfil, segundo o site schoolshooters.info, com uma amostra de 150 atiradores analisados: 94% são do sexo masculino, 63%, brancos, 42% não sobreviveram ao ataque (vindo a óbito em confronto, ou na maioria tirando a própria vida), e por fim, 38% era menor de idade. Segundo este mesmo site, existem três grupos tipológicos desses atiradores, são eles: traumatizados (com histórico de abuso), psicóticos (tomado por delírio ou fantasia) e psicopatas (com traço narcisista, egocêntrico e de baixa empatia). Suas ações são geralmente planejadas previamente, gostam de virar notícia e que o saldo de suas vítimas seja maior que outro evento que ele tenha como referência. É de certa forma um ranking virtual, e acredite, na maioria dos casos, não é bem explicado por eventos como bullying, conforme consta no estudo mundial,” esmiuçou.
O caso do atirador de 16 anos carrega todas as características estatísticas do estudo mundial, como relatou o professor.
“Acesso a arma, planejamento antecipado de 2 anos, ação com caráter predatório e apatia. Para o evento, ele vestiu uma roupa militar, foi em busca das vítimas, foi à caça. Após executar seu plano, voltou para casa para almoçar, agiu friamente antes, durante e depois.
Ainda é cedo para dizermos com clareza o que aconteceu neste caso, ainda devem surgir mais informações a respeito, como grupo que ele participava, motivação que pode transitar nos três modelos (traumatizado, psicótico e psicopata). Por isso, precisamos mais e mais cuidar da saúde mental das pessoas, informar, orientar e educar.”
Redes sociais
Conforme indicou o professor Mateus, o crescimento desses grupos nas redes sociais acontece de forma natural por meio de um movimento de identificação e projeção de ideais que os integrantes compactuam.
“A perpetuação pode ser bem explicada pelo baixo controle do conteúdo consumido, dando a sensação de privacidade e impunidade,” disse.
Pais e filhos
Com o passar dos anos, a relação entre pais e filhos mudou, porém isso não é o único fator da presença de grupos de afinidade e práticas extremistas.
“Queremos filhos independentes e de sucesso, esquecemos que a relação parental deve ser integral e se adaptar, porque nenhum filho é igual. A nova geração é dinâmica, flúida e constante. Onde encontramos o manual de instruções para educar filhos? Estamos em um mundo conhecido como BANI (brittle, anxious, nonlinear e incomprehensible – em português: frágil, ansioso, não linear e incompreensível). Remodelar a relação se faz muito necessário. Recomendo a todos a conhecerem a parentalidade positiva. Como pais, podemos e vamos aprender muito como conectar, direcionar, promover autonomia e principalmente limites aos nossos filhos sem sermos autoritários (não confundir com autoridade, que é algo positivo),” pontuou.
O papel da família
A família é nosso primeiro modelo social, segundo o psicólogo Mateus, é nela que aprendemos sobre nós mesmos nos primeiros anos de vida.
“Aprendemos sobre apego, no qual sentimos segurança para partilhar sofrimentos e conquistas, e quando falo em família, não estou limitando modelos, estou falando dos vínculos parentais. A partir do apego inicial, conseguimos entender que somos queridos e aceitos. Caminhamos para os passos da identidade e limites, tarefa difícil, mas que, com boas orientações de parentalidade, podemos fazer a diferença para aprender como lidar com cada aspecto. Os profissionais da psicologia são habilitados e capacitados para atenderem tais demandas,” frisou.
Entendendo a internet
O professor Fabricio Oliveira, mestre em Comunicação Aplicada pela Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e coordenador do colegiado de Sistema da Informação da Unex, em Feira de Santana, explicou ao Acorda Cidade que a internet é uma rede de computadores que está interligados a nível mundial.
“Quando eu digo computadores, também estou incluindo os smartphones, tablets e outros dispositivos, que vão permitir a qualquer pessoa, independente da idade, se conectar, possibilitando o acesso a toda espécie de informação,” esclareceu.
Deep web e Dark web
Podemos comparar a internet a um grande bloco de gelo, como um iceberg flutuando sobre o oceano.
“Esse iceberg possui uma pequena ponta exposta sobre o oceano e um pedaço maior submerso. A comparação com a internet é que a parte visível da internet é tudo aquilo que é indexado pelos buscadores, ou seja, tudo que pode ser achado e encontrado em uma pesquisa feita no Google, por exemplo. Porém, há quase 95% de conteúdo não indexado, páginas, sites, que propositalmente não podem ser encontrados por qualquer pessoa”, expôs o mestre Fabricio Oliveira.
Coforme Fabricio relatou ao Acorda Cidade, a deep web é essencial para a internet que consumimos hoje, sendo importante para a nossa segurança. E a dark web é uma parte bem menor e que pode ser prejudicial.
“A deep web vai reunir tudo aquilo que de alguma forma é protegido e que não pode ser público, e que para você ter acesso, vai precisar de um login e de uma senha. Um exemplo é a sua conta bancária, sua caixa de e-mails, sua conta em uma plataforma de streaming, de vídeo, música, tudo isso está dentro da deep web. Você e qualquer outra pessoa só vão poder ter acesso se tiverem um login e uma senha,” explicou.
Já a dark web é conhecida como a parte mais escura da internet, aquele espaço onde a luz não chega.
“Ela reúne sites que não podem ser encontrados pelos buscadores. Lá é onde vemos a venda de dados roubados, compartilhamento ilegal de informações, imagens e vídeos criminosos, e todas as coisas ruins,” relatou.
Navegação silenciosa
Muitas pessoas, segundo o mestre Fabricio, acessam a dark web de forma proposital.
“É impossível de forma acidental cair em um site da dark web, porque é preciso fazer o uso de um navegador próprio para acessar os endereços que estão por lá. Todos nós, crianças, jovens e adultos, somos de alguma forma influenciados por conteúdos gerados na internet. Nós buscamos seguir, ler, assistir, compartilhar aquilo que nos agrada. E isso não seria diferente com os conteúdos compartilhados na dark web”, destacou.
O professor Fabricio Oliveira alertou que os pais devem ter uma comunicação aberta e cuidadosa com os seus filhos.
hoje em dia o acesso por adolescentes e jovens que estão nessa rede precisa ser, de alguma forma, cuidado pelos pais. E eu acredito que tudo começa com a comunicação. É importante que os pais tenham essa abertura para conversar com os seus filhos sobre todo e qualquer assunto, principalmente, sobre valores éticos e morais. E a partir daí deixar claro os perigos e os prejuízos que essas redes podem trazer tanto para eles quanto para a sua família. Acredito também que, enquanto pais, devemos monitorar o que os nossos filhos fazem na internet. Crianças e jovens, a depender da idade, ainda não têm maturidade para discernir o que é certo do que é errado, eles ainda estão construindo essa maturidade, por isso, fica a nossa responsabilidade nesse processo de educar as nossas crianças e jovens,” concluiu.
Com informações da produtora e jornalista Maylla Nunes do Acorda Cidade.
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