No último domingo (4), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso suspendeu a lei aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, que estabeleceu o piso salarial da enfermagem.
A decisão foi criticada por profissionais da área de saúde em Feira de Santana, uma vez que o Projeto de Lei estava em tramitação há cerca de 20 anos e a luta já perdurava mais de 30 anos.
Em entrevista ao Acorda Cidade, a técnica de enfermeira Mariney Portugal, que é representante da União Nacional da Enfermagem em Feira de Santana, informou que algumas instituições já estavam organizadas para pagar o novo salário nesta segunda-feira, dia 5, mas com a decisão do supremo, o reajuste foi suspenso.
“Alguns municípios já aceitaram o piso, inclusive já colocaram nota de esclarecimento de que estavam prontos para aderir, como Candeias e outros. Não temos a média de profissionais que já foram demitidos por conta desse reajuste, porque algumas instituições iriam pagar agora dia 5. Nós temos ainda um número total. O antigo projeto previa um valor maior, mas foi reformulado e foi para um valor de 75% para o técnico, um salário de R$ 4.750 para enfermeiros e R$ 2.355 para auxiliares. Nós não apoiamos a decisão do ministro, porque o PL não é inconstitucional, como estão falando. Foi citado fonte de recurso para o pagamento do nosso piso, porém esses projetos estão congelados no Congresso”, afirmou a profissional de saúde.
Mariney Portugal salientou que o reajuste significou muito para a categoria, devido aos anos de luta.
“Na verdade, somos uma classe que cuidamos dos outros, mas esquecemos de nós, porque tem muita gente que recebe até menos que um salário mínimo e realmente não dá. Não temos condição muitas vezes de pagar um plano de saúde, para que sejamos assistidos e tratar melhor da nossa saúde. Nós já fizemos uma nota de repúdio, assim como outros sindicatos já fizeram e já foi determinado que dia 9 faremos uma paralisação nacional. Os municípios estão se organizando para irmos às ruas mostrar nossa insatisfação”, informou.
Na avaliação da enfermeira Emanuelle Jacobina, a decisão do ministro do STF foi unilateral.
“Infelizmente houve uma decisão do ministro Barroso, unilateral, onde ele unicamente em um dia de domingo, após um mês sancionada a nossa lei, faz essa suspensão por 60 dias, alegando que pode ter um impacto financeiro grande no Brasil. Mas quando a gente fala da discussão do piso salarial da enfermagem, temos que entender que perpassa além da questão financeira. Quando a gente para pra avaliar que, em determinadas profissões, se você erra um cálculo, você pode consertar, se erra uma letra, pode apagar e refazer, mas quando você fala em saúde implica em consequências. Então quando a gente faz essa avaliação, vemos que o piso vai além da questão financeira, vai para a questão de saúde mental dos profissionais”, observou.
A enfermeira confirmou que o Projeto de Lei vinha há 20 anos em tramitação no Congresso e uma vez aprovado pelo Senado de forma unânime e pela Câmara, houve um grupo técnico que avaliou os impactos em estados e municípios, e a PEC 11, que também garante a constitucionalidade do piso.
“Depois de dois anos de pandemia, em que perdeu parentes, familiares, amigos, a enfermagem não recuou, assim como outros grupos da saúde. Não ficamos em casa, e a categoria de enfermagem brasileira pede mais dignidade. O profissional não quer ter dois vínculos, quer ter um vínculo onde tenha dignidade de sustentar a família. E se formos parar para pensar, a maioria da categoria é de mulheres, mães solo, que estão lutando para sustentar sua família, e às vezes sai de um trabalho, vai para outro e passa dois ou três dias fora de casa, e é uma luta de anos. Para outras categorias não vimos essa briga tão grande, e a gente percebe que na pandemia os donos de hospitais enriqueceram bastante. A precarização dos serviços de saúde já vem há muito tempo, de hospitais, redes sucateadas, e o SUS precisa ser reformulado em sua estrutura, e isso não se dá por conta da enfermagem”, pontuou.
Ela destacou ainda que os profissionais de enfermagem estão na ponta da saúde coletiva e atuam diariamente nas unidades básicas de saúde.
“A saúde coletiva não se faz sem o enfermeiro. Nas unidades básicas, um médico vai uma ou duas vezes na semana, e o enfermeiro está lá fazendo o pré-natal, a puericultura, o planejamento familiar, tratando o hipertenso, o diabético, e é necessário que a enfermagem esteja bem psicologicamente para atender o paciente. O enfermeiro não cuida só do doente, cuida de toda uma família, das frustrações, indagações, e precisa estar bem, mas muitas vezes está adoecido, pois precisa o tempo todo lidar com a dor do outro e não ter quem olhe pela dor dele. A Síndrome de Burnout teve um crescimento enorme no pós-pandemia entre os profissionais, porque a enfermagem não ficou em casa, perdemos familiares e amigos, e a gente sabia que nesse pós-pandemia, o número de depressivos e ansiosos iria triplicar e foi o que aconteceu”, afirmou.
Para o diretor médico da Santa Casa de Misericórdia, Edval Gomes, a instituição filantrópica, que, em grande parte, presta serviços através do Sistema Único de Saúde (SUS), informou que até o momento não houve demissões de enfermeiros e técnicos.
Na avaliação dele, a suspensão do pagamento do novo piso salarial pelo Supremo não resolve a questão, mas sim cria outros problemas para a área de saúde.
“A Santa Casa não teve nenhum desligamento de funcionário até esse momento. Fomos surpreendidos com a decisão do ministro, e neste final de semana tivemos ciência da suspensão da PEC que estabeleceu a lei o piso de enfermagem. Algo surpreendente, de fato, porque apesar de qualquer dificuldade, que é a ausência de fonte definida de financiamento gerar algum tipo de problema, ela foi aprovada pela Câmara, sancionada pelo governo, e minha interpretação, como leigo, é que o problema está, não no piso em si, mas na ausência de fonte de recursos para isso. Então a suspensão não resolve a questão, cria um atrito maior, e acho que deveria ser encaminhado por outra vertente, que seria a exigência dos políticos, dos responsáveis para determinar de onde viriam esses recursos, uma vez que há consenso que os profissionais de saúde merecem o reajuste”, salientou o diretor.
Conforme Edval Gomes, atualmente a Santa Casa mantém cerca de 190 a 200 funcionários, entre enfermeiros e técnicos de enfermagem.
“Temos um custo que fica na ordem aproximada de R$ 490 mil, e a adoção do piso elevaria isso para algo em torno de R$ 990 mil. Então o que é necessário, pelo menos para as filantrópicas, é que a gente precisaria de um aporte em torno de meio milhão de reais por mês para poder equalizar esse problema. Então a gente precisa que surjam novas leis e que seja determinada a forma de financiamento disso o mais rápido possível”, concluiu.
Com informações do repórter Ney Silva do Acorda Cidade
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