Ministério do Turismo

Fiança e desconfiança

Em regra, os atos preparatórios de um crime são impuníveis. Por mais graves e concretos que sejam os planos mortíferos, nada acontece. Ninguém é preso. Fica tudo como está. A vítima que se cuide.

Por Vladimir Aras

Nem bem a Lei 12.403/11, a das novas medidas cautelares penais, entrou em vigor (4/jul), e algumas decisões curiosas começam a aparecer. Narro duas situações pitorescas envolvendo a fiança que mostram se podemos ter confiança na nova lei.

Em um caso de Sergipe, o juiz de Direito da comarca de Itabaiana arbitrou fiança de 54,5 milhões de reais para um sujeito que iria matar uma mulher. Supostamente a mataria. Claro que esta é uma situação grave o suficiente para a decretação da prisão preventiva, e não para o arbitramento de fiança. O problema é que no Brasil não existe o crime de conspiração. Logo, se alguém planejar a morte de outrem e encomendá-la a um pistoleiro, não comete crime algum!

O máximo que se pode cogitar é punir o conspirador pelo crime de ameaça, previsto no art. 147 do CP, se o agente chegar a enunciar seu propósito por escrito, palavra ou gesto. Outra hipótese é sancioná-lo pelo crime de porte ilegal de arma (art. 14 ou 16 da Lei 11.86/03), se o suspeito tiver consigo arma de fogo sem autorização legal.

Mas, se não houver nem uma nem outra situação, a conspiração para matar alguém (ou para cometer um crime qualquer) será fato atípico. Em regra, os atos preparatórios de um crime são impuníveis. Por mais graves e concretos que sejam os planos mortíferos, nada acontece. Ninguém é preso. Fica tudo como está. A vítima que se cuide.

Talvez por isto o juiz de Itabaiana/SE tenha optado por uma medida de força, ao impor ao suposto matador o pagamento de fiança na casa dos milhões. Como disse o magistrado, a vida humana tem valor inestimável. Mas é evidente que sua decisão será questionada em habeas corpus, porque este valor torna virtualmente impossível para o preso pagar a fiança, o que pode ser tido como uma violação à proporcionalidade. Aguardemos o que dirá o TJ/SE.

Em outro caso também recente, na Operação Voucher, a Justiça Federal concedeu fiança ao investigado W.F., tendo-a arbitrado em 109 mil reais. Pois bem! Não é que o preso foi solto antes de integralizar a fiança? Pagou com um cheque….sem fundos, conforme o próprio suspeito disse em entrevista a meios de comunicação do Amapá.

O art. 330 do CPP é expresso. Só se admite o pagamento de fiança em dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos, títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal, ou em primeira hipoteca. Cheque não! Fiado muito menos.

Para cobrir o cheque sem fundos que passou para a Justiça Federal, o réu começou a correr uma sacolinha. Fez uma vaquinha em Macapá. Espera-se que essa vaquinha dê leite. Caso contrário o bovino irá pro brejo, e o sr. W.F. voltará para a prisão e ainda poderá responder pela emissão do cheque voador. O poço da Justiça criminal brasileira realmente não tem fundo.
 

Inscrever-se
Notificar de
0 Comentários
mais recentes
mais antigos Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários