Por Vladimir Aras
Em matéria de crimes de ódio e terrorismo, não pode haver ingenuidade nem amadorismo. Mesmo países desenvolvidos, com índices sócio-econômicos invejáveis, estão sujeitos à imbecilidade e à crueldade humanas e podem ser pegos desprevenidos. Anders Behring Breivik conseguiu o que queria. Entrou para a história como um dos mais deprezíveis criminosos de todos os tempos. Em abril deste ano, um sujeito tão desequilibrado quanto ele atacou uma escola no bairro do Realengo, no Rio de Janeiro, e deixou mais de uma dezena de crianças mortas. Deixou também uma carta e um discurso de raiva e preconceito.
Semana passada, na pacata Oslo, um homólogo ainda mais violento matou cerca de 80 pessoas em dois atentados consecutivos, o primeiro, a bomba, no centro da cidade, e o segundo, a tiros, numa ilha nas proximidades da capital.
Este terrorista norueguês via-se numa cruzada contra o Islã e o marxismo. Este “Carlos Martel” fajuto escreveu um manifesto de 1.500 páginas de puro delírio. Projetou para o ano de 2083 uma Europa livre da influência islâmica e do multiculturalismo, depois de décadas de uma “guerra santa” que se iniciaria agora com sua jihad particular. Seu sonho? Uma Europa de extrema direta e ariana, liderada por nórdicos quem sabe vindos de Asgard.
Quando vemos cenas tão atrozes quanto estas que chocaram o mundo nesta semana, imediatamente lembramos dos ataques de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque e Washington (quase 3 mil mortos), dos atentados de 11 de março de 2004 na estação Atocha, de Madri (191 mortos) e do carro bomba que destruiu a sede da Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA) em Buenos Aires em julho de 1994 (85 mortos). E vemos como as sociedades humanas estão sujeitas ao imponderável, por mais leis que existam.
Enquanto os juristas ainda não se decidiram sobre a conveniência ou não de haver leis anti-terror, nos aspectos penal e processual, o Brasil segue quase incólume à ameaça terrorista. Digo “quase” porque, salvo pelos ataques paraterroristas de 2006 do PCC em São Paulo e de suspeitas que correm sobre células existentes na Tríplice Fronteira, especialmente Foz do Iguaçu, nada leva a crer que o País seja palco de atividades deste tipo. Mas ninguém poderá negar que esses riscos aumentarão com o protagonismo do Brasil no cenário global. Queremos integrar o Conselho de Segurança da ONU, mandamos tropas ao Haiti, participamos de diálogos tensos com parceiros incômodos como o Irã e temos uma segurança pública falida e uma Justiça criminal ineficiente. Em 2012, receberemos a Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. No ano seguinte, teremos a Copa das Confederações. Em 2014, a Copa do Mundo de Futebol trará ao Brasil milhares de torcedores de todo o mundo. Dois anos depois, as Olimpíadas do Rio de Janeiro terão lugar. A julgar pela falta de segurança dos portos, aeroportos, ferrovias, usinas e instalações sensíveis e a considerar a facilidade com que assaltantes comuns roubam explosivos e os usam para destruir terminais de auto-atendimento bancário, estamos muito mal em matéria de prevenção a ataques terroristas. Esta semana mesmo 130 Kg de explosivos foram furtados de uma mineradora em Brumado, no sudoeste baiano. Fertilizantes podem ser utilizados para preparar artefatos com razoável poder destrutivo. Quem tem controle sobre isso no Brasil? Mal damos conta das armas de fogo e das munições…
Se aqui as coisas não funcionam bem, na Noruega parece ser diferente. Verdade que a polícia de lá agiu de forma amadora nas primeiras horas. Policiais carregavam as vítimas do atentado de qualquer jeito e sem qualquer proteção. Os helicópteros policiais não puderam voar porque os pilotos estavam de folga. As autoridades erraram na contagem dos mortos. Mesmo assim, a Noruega está muito à frente do Brasil em segurança pública e defesa civil e tem um sistema penal muito diferente do brasileiro. Além da eficiência de sua Justiça Criminal, as prisões norueguesas podem ser confundidas com colônias de férias. Algumas lembram resorts. Isto é bom. Tanto que a taxa de reincidência no país é de apenas 20%. A Prisão da Ilha de Bastoy se encaixa nessa descrição. Lá os internos moram em cabanas individuais, têm direito a espreguiçadeiras, saunas, livros, TV a cabo, hipismo, tênis, pescaria e outros “luxos”. É bem provável que o nazista de Oslo passa o resto de seus dias numa unidade assim.
A Noruega não tem pena de morte (o que é corretíssimo, devido à possibilidade sempre presente de erros judiciários). Tampouco tem prisão perpétua. Pelos crimes que cometeu, Anders Behring Breivik pegará 21 anos de reclusão, que é a pena máxima naquela monarquia para os crimes mais graves. Segundo o Código Penal de 1902 (isto mesmo!), alterado sucessivas vezes mas ainda em vigor, o crime de terrorismo, previsto no art. 147-A do CP, se consuma se o agente tiver a intenção de interferir no funcionamento dos poderes constituídos, no fornecimento de energia ou de água, no sistema financeiro ou nos serviços de socorro médico, defesa civil e vigilância sanitária. Também será classificado como terrorista o perpetrador que tiver a intenção de intimidar gravemente a população civil ou quiser compelir autoridades públicas ou uma organização internacional a praticar, tolerar a prática ou se abster de praticar um ato de vital importância para o país, para essa organização ou outra nação. A simples conspiração para a prática de tais crimes é punida com até 12 anos de reclusão.
Embora a pena máxima na Noruega seja de 21 anos (no Brasil é de 30 anos, segundo o art. 75 do nosso CP), o art. 39-C da lei penal norueguesa prevê o instituto denominado forvaring ou contenção (containment), algo como um confinamento preventivo, destinado a proteger a sociedade contra criminosos renitentes. Esta disposição foi introduzida no CP norueguês em 2002. Basicamente, permite que o Ministério Público requeira ao juiz criminal que o sentenciado que estiver prestes a cumprir integralmente sua pena seja mantido preso cautelarmente por até 5 anos, após o termo final da pena original. Esse período de confinamento adicional baseia-se na periculosidade presumida do condenado e pode ser renovado quantas vezes sejam necessárias, embora a experiência norueguesa revele que tais situações são excepcionais. Na prática, Breivik pode permanecer o resto da vida preso, se não for considerado inimputável por insanidade.
Ainda há outra possibilidade. Em março de 2008, entrou em vigor na Noruega uma nova lei que prevê penas de até 30 anos para crimes de genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade. Tal alteração destinou-se a harmonizar a legislação penal norueguesa com o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI).
O Brasil também é membro do TPI mas, com exceção do crime de genocídio, ainda não temos legislação específica sobre os demais delitos tipificados no Estatuto de Roma. Também não temos lei anti-terror. Na verdade, talvez nem seja necessário aprovar uma. Os crimes de homicídio, lesão corporal, incêndio, dano, explosão, já previstos no nosso Código Penal, parecem suficientes. Bastaria tipificar o crime de financiamento ao terrorismo e prever uma causa de aumento de pena genérica para atividades terroristas. Já passou da hora. Mas isto é com o Congresso.
Ao final, a reflexão que faço é: não importa o tamanho das penas, não importa o crime nem o castigo. Nestes tristes trópicos ou nos avançados países nórdicos, infelizmente, seja por loucura, maldade, insensatez, insensibilidade , egoismo, ganância ou prazer, sempre haverá alguém disposto a violar a lei, a matar e morrer, a fazer o mal e a pagar para ver.