Extradição

A clava (forte?) da Justiça

Depois a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de 3 x 2, considerou ilegais as provas obtidas na Operação Sathiagraha, o que beneficia o empresário Daniel Dantas.

por Vladimir Aras

Esta semana foi difícil para quem trabalha na Justiça criminal. Primeiro, o sr. Antônio Palocci livrou-se de uma investigação por suspeita de enriquecimento ilícito, quando o Procurador-Geral da República arquivou a notícia-crime apresentada contra ele por parlamentares.

Depois a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de 3 x 2, considerou ilegais as provas obtidas na Operação Sathiagraha, o que beneficia o empresário Daniel Dantas. Votaram pela validade das provas, os ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz, que nada viram de ilegal na participação da ABIN na investigação conduzida pela Polícia Federal. Para os demais, isto viciou todo o caso.

Enquanto isto, a Justiça do Rio de Janeiro manteve a prisão de mais de 400 bombeiros militares que protestavam por melhores condições de trabalho.

Também ontem, 08/jun, foi a vez do Supremo Tribunal Federal dar a sua contribuição para o moral da tropa: por 6 votos a 3, mandou soltar Cesare Battisti, homicida sentenciado a prisão perpétua por tribunais italianos e cuja condenação foi considerada legítima pela Corte Europeia de Direitos Humanos. Falei sobre isto aqui (“Lula e o Dia do Fico”). Agora, a Itália ameaça processar o Brasil perante a Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, na Holanda, por violação do tratado bilateral de extradição entre os dois países (Decreto 863/93). Porém, neste caso me parece que a jurisdição da CIJ é facultativa. O processo só terá curso se o Brasil aceitar submeter-se à Corte.

Um homem condenado por crimes terríveis estará livre no Brasil. E as famílias das vítimas tiveram suas feridas reabertas pela denegação da Justiça que já lhes havia sido concedida por tribunais de Roma, Paris e Estrasburgo. Sempre dizem que o Brasil não é um país sério. Pelo menos neste assunto, já nos conformamos em ser uma colônia (de férias) penal. Não somos um paraíso fiscal, mas somos o lugar onde bandidos de todo o mundo vêm passar umas férias. Battisti é só mais um, pois a lista é extensa. Foi assim com o nazista Josef Mengele, foi assim com o assaltante Ronald Biggs, foi assim com o homicida Jesse James Hollywood, foi assim com o traficante Juan Carlos Ramirez-Abadía; foi assim com o mafioso Tommaso Buscetta e com o ditador Alfredo Stroessner. Só gente boa no clube. Fico imaginando o que aconteceria se Osama bin Laden viesse esconder-se no Brasil (leia aqui).

O caso Battisti é uma triste página na história da cooperação penal internacional. O voto do ministro Luiz Fux, calouro da Corte, foi um dos piores momentos. Disse ele:

“Cabe destacar que o que está em jogo não é nem o futuro, nem o passado de um homem. O que está em jogo aqui é a soberania nacional, uma soberania enxovalhada”, disse Luiz Fux. “Não consigo receber com candura afirmações como ‘não me parece que o Brasil seja conhecido por seus juristas, mas sim por suas dançarinas’.”, afirmou o ministro, se referindo a expressões usadas por autoridades italianas em relação ao Brasil. (Fonte: Rodrigo Haidar, revista Consultor Jurídico)

Em outras palavras, o Brasil deu fuga a um criminoso em nome da “soberania”. Com a elegância de sempre, a ministra Ellen Gracie pôs as coisas nos seus devidos termos: soberania o Brasil exerceu quando firmou o tratado com a Itália e se vinculou à regra “pacta sunt servanda“. Os tratados, como as leis, devem ser cumpridos.

Extraditar Cesare Battisti não era questão de mera cortesia internacional (comitas gentium) ou boa vizinhança, mas o cumprimento do dever internacional de cooperação. Na Constituição de 1988, o Brasil se comprometeu a repudiar o terrorismo, a velar pelos direitos humanos e auxiliar a persecução penal de Estados com os quais firmou tratados. Com que direito agora reclamaremos a extradição de um réu qualquer que fuja do Brasil para o exterior?

Infelizmente, parece que a culpa não é do ex-presidente Lula, que se negou a entregar Battisti no ano passado, num ato político que destoa do regime jurídico da extradição. A culpa é do próprio STF, que, em lugar de estabelecer sua autoridade para “determinar” a extradição, preferiu seguir posicionamento ultrapassado, pelo qual se limita a “autorizá-la”, deixando a decisão final de entrega à presidência da República.

Extradição não é tema de política internacional. É questão de direito processual penal, que se insere no dever internacional de cooperar contra o crime, partilhado pelas “nações civilizadas”, especialmente quando há tratado (lei) em vigor. O voto do relator Gilmar Mendes, uma verdadeira aula, merece ser lido. Neste caso, ele acertou em cheio (veja aqui), e teve a companhia de Ellen Gracie e Cezar Peluso.

A esta hora, Battisti já está em liberdade. Porém, corre contra ele uma ação penal na 2ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro por uso de documento falso, pois ingressou no Brasil com passaporte com o nome falso de “Michel José Manuel Gutierrez”. Se for definitivamente condenado, ainda poderemos nos livrar dele. Sempre que um estrangeiro é sentenciado por crime praticado no Brasil, pode ser expulso do território nacional, na forma do art. 65, parágrafo único, da Lei 6.815/80, especialmente quando praticar fraude a fim de obter a sua entrada ou permanência no Brasil. Esta decisão cabe ao Ministério da Justiça. Alguém acredita na sua expulsão? Só quem ainda crê em Papai Noel. Ainda por cima, o art. 75, inciso I, da Lei 6.815/80 proibe a expulsão se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira.

Aos familiares das quatro vítimas italianas, devemos solidadariedade. Devemos mais. Devemos desculpas. Embora muita gente critique o nosso hino, ali há um verso de que gosto muito: “Mas, se ergues da Justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta; nem teme, quem te adora, a própria morte, terra adorada“. Às vezes, como nesta semana, vem um desânimo…

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