Por Vladimir Aras
Em seu premiado filme Seção especial de justiça, o cineasta Costa-Gavras baseia-se em uma história real: um atentado contra o aspirante a oficial da Marinha alemã (Kriegsmarine), Alfons Moser.
Comandada pelo ativista Pierre Georges, que se notabilizou com o codinome de “coronel Fabien” (foto), a operação da resistência francesa teve lugar na estação de metrô Barbès em Paris no dia 21 de agosto de 1941.
Pierre Georges
O marinheiro nazista foi morto a tiros. Outros atentados ocorreram no período. As forças alemãs que ocupavam a França tomaram reféns e exigiram a execução de 6 “subversivos” como “compensação” pela ações contra a ocupação. Os nazistas tinham o apoio do regime colaboracionista do Marechal Pétain, que governava a França a partir da cidade de Vichy (1940-1944).
Marechal Petáin
Em função do assassinato de Moser, o comando militar nazista na França emitiu um alerta à população, segundo o qual prisioneiros franceses sob custódia alemã seriam fuzilados como represália, caso ocorressem novos atentados contra as forças de ocupação.
Por ideia do ministro do interior francês, Pierre Pucheu (foto) e do procurador Maurice Gabolde, a legislação penal francesa foi alterada e teria um dispositivo de efeito retroativo. E um tribunal de exceção foi criado para julgar membros da resistência, comunistas, anarquistas e judeus.
Pierre Pucheu
A Lei 3.515/1941, redigida em 22 de agosto, após o atentado, e antedatada como sendo de 14 de agosto de 1941, entrou em vigor no dia 23 daquele mês. Tentava-se maquiar sua eficácia retroativa, presente no seu art. 10.
A seção (câmara) especial do Tribunal de Apelação de Paris foi instalada em 26 agosto de 1941. Seu primeiro presidente foi o juiz colaboracionista Michel Benon. No dia seguinte à instalação, a seção especial do Tribunal de Paris, julgando em primeira instância, como corte de exceção, proferiu suas primeiras condenações a morte. Foram condenados Abraham Trzebrucki, André Bréchet e Émile Bastard. Sem direito a recurso, os três foram guilhotinados em 28 de agosto de 1941. As sessões do tribunal eram conduzidas a portas fechadas sem publicidade, alegadamente para evitar risco à ordem pública:
”La cour, considérant que la publicité des débats dans la présente affaire pourrait être dangereuse pour l’ordre public […]ordonne que les débats auront lieu à huis clos”.
Após a libertação da França e a vitória dos Aliados, o procurador Gabolde, que se exilou na Espanha, foi condenado à morte em julgamento realizado a revelia em 1946. Gabolde (foto) nunca foi extraditado para seu país. Veio a prescrição, e ele morreu em Barcelona em 1972 aos 80 anos, impune.
Maurice Gabolde
Já o ex-ministro Pierre Pucheu, que fora preso no Marrocos em 1943, acabou sendo julgado em Argel (foto), para onde foi transferido, e também condenado à morte. Foi executado por um pelotão de fuzilamento em 29 de março de 1944, em território argelino, sob domínio francês, já no governo De Gaulle.
Pucheu em seu julgamento na Argélia
Os juízes do tribunal especial também foram submetidos à justiça transicional e julgados a partir de 1944 em Paris. Em junho de 1945, o juiz Benon foi condenado pela Justiça francesa a prisão perpétua com trabalhos forçados. No júri, a viúva de um dos réus executados, Bréchet, leu uma carta sua. Era um grito de resistência contra a injustiça que sofreria:
”La peine était décidée d’avance,y est-Il dit notamment. Ce soir, je ne serai plus qu’un souvenir.Dis à notre enfant que son père est mort pour défendre la liberté de son pays, la vie des humbles de chez nous”.
Estas foram as últimas palavras de Bréchet: “A sentença foi decidida com antecedência. Esta noite, serei apenas uma memória. Diga ao nosso filho que seu pai morreu para defender a liberdade de seu país, a vida dos humildes de nossa pátria”.
Naquelas tenebrosas décadas, dos 1930-1940, o Brasil também teve um tribunal de exceção: o Tribunal de Segurança Nacional, o famigerado TSN, que funcionou de 1936 a 1945.