Laiane Cruz
A morte trágica do adolescente Lucas Santos, de 16 anos, filho da cantora Walkyria Santos, que foi vítima de comentários homofóbicos após postar um vídeo ao lado de um amigo em sua conta no Tik Tok, reacendeu o debate sobre as consequências que o cyberbullying pode trazer para a saúde mental dos usuários das redes sociais.
Estar suscetível a críticas e julgamentos de seguidores, sejam eles conhecidos ou desconhecidos, tem se tornado algo cada vez mais corriqueiro, por quem mantém uma conta em uma rede social e opta por compartilhar conteúdos, atividades diárias e, em muitos casos, detalhes íntimos da vida doméstica. Isso se torna um imperativo ainda maior para quem trabalha e depende das redes sociais para se manter financeiramente.
Foto: Arquivo Pessoal
A modelo e influenciadora digital Giovanna Pugliese (@nannapugliese), de Feira de Santana, começou a trabalhar com redes sociais no final de 2017, após entrar em uma agência de modelos, onde realizava ensaios fotográficos e participava de comerciais para a televisão.
A influenciadora passou a alimentar a sua conta no Instagram com cada vez mais frequência a pedidos dos seus seguidores, compartilhando partes da sua rotina diária e reflexões sobre temas ligados aos grupos LGBTQI+.
“Eu compartilho um pouco da minha rotina e tento passar para as pessoas que o que a gente vê no Instagram é apenas 1% da realidade. A gente costuma ter uma distorção de imagem quando abre o Instagram e só vê sorrisos. Eu trago bastante essa reflexão para os meus seguidores, além de compartilhar também sobre o transtorno de ansiedade generalizada, de como eu consigo me levantar de manhã em um dia de crise, e o que me faz bem, como praticar atividade física. Também gosto muito de abordar pautas sociais ligadas aos grupos LGBTQI+, principalmente do meu lugar de fala, que é a bissexualidade”, afirmou Giovanna Pugliese ao Acorda Cidade.
Mas, para lidar com toda a pressão trazida por tanta exposição nas redes e com as próprias questões pessoais, Giovanna precisou recorrer à terapia. A influencer já passou por momentos constrangedores, em que foi julgada por outros usuários por conta das suas ideias.
“Já passei por momentos constrangedores, principalmente no Tik Tok, onde já fui cancelada por compartilhar um vídeo aleatório falando sobre a bissexualidade. Logicamente algumas críticas, quando a gente está com o emocional abalado, a gente recebe e toma para si. Mas na verdade diz mais sobre o outro do que sobre mim mesma. Hoje vivo tentando filtrar, levando como pauta para a terapia, fazendo a autoanálise daquilo que serve pra mim e do que eu devo ignorar”, destacou.
Ela acredita que as pessoas precisam aprender a desenvolver mais empatia nas redes sociais e enxergar que o outro, ainda que trabalhe como influenciador, também passa por problemas.
“A mensagem que eu quero deixar é sobre a empatia, porque você não sabe os problemas da vida do outro, se ela está se sentindo capaz de resolver, e você tem que ter noção e um senso de empatia. Você pode ter uma opinião sobre aquilo, mas quando você for opinar ou falar algo, aquela pessoa também tem suas dores e pode estar passando por um processo difícil, sem saber lidar. Então a palavra é empatia, porque você tem que ter cuidado, pois pode ser um gatilho.”
Foto: Arquivo Pessoal
A designer de moda e influenciadora Thayla Luna (@thaylalunaa) também precisou lidar com críticas e julgamentos por conta das suas postagens na página do Instagram. Em sua conta ela traz dicas de moda, estilo de vida, e assuntos que considera relevantes, como sua evolução com a terapia, racismo e política.
“Eu perdi uma grande quantidade de seguidores, depois que comecei a me posicionar politicamente. Mas eu estou tentando deixar o meu Instagram cada vez mais voltado para o que eu acredito, sem filtros. No começo, eu filtrava muita coisa por medo de cancelamento, do que as pessoas iriam pensar, e hoje em dia eu consigo ser mais eu mesma”, disse .
De acordo com Thayla, trabalhar como influenciadora de moda sempre esteve nos seus planos, mas no último ano ela resolveu investir em uma nova área de trabalho, o que lhe rendeu novas críticas e cobranças por parte de alguns seguidores.
“Eu estou mudando completamente de área, sempre trabalhei com moda, mas agora estou terminando um curso de body piercer e estou trabalhando em um estúdio. Dei uma sumida do meu Instagram, porque estava me dedicando mais a isso e deixei os conteúdos um pouco de lado. Também porque eu fiquei um pouco decepcionada com a rede social e a questão dos algoritmos, além da pandemia que mudou muita coisa. Na minha forma de trabalhar com o Instagram, tinha a questão dos eventos, tinha bastante publicidade, e com a pandemia isso caiu e eu fui migrando de área, e não acredito que tenha chocado no geral. Quem gosta, quem se identifica comigo ainda consegue encontrar identificação, mas tiveram algumas pessoas que cobraram, se incomodaram, mas também achei isso natural”, contou.
A influenciadora disse ainda que já passou por julgamentos e ainda passa de pessoas que mandam mensagens no privado criticando o seu trabalho e conteúdo que publica.
“Logo no começo da pandemia, teve a inauguração de uma loja e eu fui, antes do horário da inauguração, só mesmo para mostrar a loja, não tinha aglomeração. Fui com a máscara combinando com a saia, e uma menina me criticou muito falando que eu estava usando a máscara como um acessório de moda, que isso era muito errado, e várias outras situações que eu já passei na rede social. Uma vez fui falar de racismo, porque presenciei várias situações que aconteceram com outras pessoas, com meus irmãos, com minha mãe, e quando eu coloquei os dreads, bati de frente com várias questões, fizeram vídeos, stories, me criticando, tentativas de cancelamento, foram para o Twitter. Isso me deixou muito abalada, questionei sobre meu lugar de fala, mas com ajuda eu consegui me posicionar bem”, lembrou.
Outra situação que chocou a influenciadora foram críticas após ela fazer um trabalho de publicidade para uma loja de calçados. “Fiz um ‘publi’ falando de coturnos, falei que tinha seis coturnos e que eles eram essenciais pra mim. O que eu estava querendo dizer é que eles eram essenciais na composição dos meus looks. E aí uma menina da cidade gravou um IGTV na frente da Câmara para dizer que eu não tinha responsabilidade como influencer, que eu não tinha responsabilidade de consumo, que meus consumos não eram essenciais, e isso virou uma polêmica na cidade inteira, várias pessoas se posicionaram e eu fiquei muito chocada, pra mim não fez sentido nenhum a crítica que ela foi fazer.”
Para lidar com todas essas situações, Thayla também recorre à terapia. “Recentemente, uma pessoa me mandou um direct dizendo que estava parando de me seguir e que eu não precisava bloquear ela, que eu postava conteúdos de 5ª série B, e a princípio isso me impactou muito, apaguei todos os meus stories e passei o final de semana sem postar nada e sumi. Eu tenho quase 25 mil seguidores, mas uma crítica me feriu muito e me deixou mal um fim de semana inteiro. Então conversando com meus amigos, com minha psicóloga e ela me fez refletir que era uma pessoa só. Não tem condição de trabalhar com internet e não fazer terapia. O pré-julgamento das pessoas nas redes sociais é inevitável, porque a gente constrói uma imagem, vende essa imagem, e está suscetível a isso”, salientou.
Danos emocionais
Para a psicóloga Lucília Navarro a questão do julgamento virtual é um tema importante e que vem sendo abordado há algum tempo, mas após a morte do filho da cantora Walquiria voltou à tona de forma mais potencializada.
“Demanda atenção de maneira efetiva nas famílias e utilizando recursos sociais para que esse tema seja abordado, através de diálogo e interações, principalmente porque o uso das redes sociais se torna um espaço de fala, e diante do fato da pessoa não precisar se identificar fica com a ‘fantasia’ de que é possível fazer as falas sem consequências. Porém a necessidade do cuidado está exatamente aí, porque tem outra pessoa que está sendo muitas vezes, como foi o caso do Lucas, atingida, recebendo as consequências, e essa pessoa não tem recursos emocionais para tal, o que pode acarretar consequências irreversíveis ou sequelas que atingem a vida da pessoa”, refletiu.
A profissional destacou durante entrevista ao Acorda Cidade, que os recursos virtuais não devem substituir os recursos afetivos e reais, porque esses sim darão suporte na formação e fortalecimento emocional, porque pode afetar esse jovem de maneira bastante séria emocionalmente, pois ainda não possui amadurecimento suficiente para estar diante dessas questões, o que também pode ocorrer com adultos, porém os jovens estão mais vulneráveis e consequentemente poderão estar sendo atingidos com maiores consequências e sequelas inclusive psíquicas.
“O avanço da pandemia trouxe particularmente aos jovens bastantes consequências. Será uma geração com grandes sequelas desse momento e disso não há dúvidas. Não tem um manual de introdução sobre o que fazer, mas o que poderia ser orientado seria sobre a limitação e cuidados com as relações afetivas incluindo o máximo possível de acolhimento entre as pessoas, principalmente nas famílias. Na maioria estão com muita carência, mas da vida, de tudo.”
Lucília Navarro orientou ainda que o acompanhamento psicológico é um fator positivo, não apenas para os jovens, mas para todos e principalmente para quem trabalha com redes sociais. “Eles estarão mais diante dessas situações que podem atingi-los emocionalmente e esse jovem pode ainda não estar de fato preparado, afinal ele está emocionalmente também em formação.”