Feira de Santana

Após medalha olímpica, skatistas renovam esperança de mais valorização e incentivos ao esporte em Feira de Santana

O esporte, que durante muito tempo foi marginalizado e chegou até a ser proibido no país na década de 80, ainda enfrenta muitos preconceitos e tem longos desafios pela frente

Laiane Cruz

A conquista inédita da medalha de prata na modalidade skate street, nas Olimpíadas de Tóquio, pela atleta maranhense Rayssa Leal,  conhecida como Fadinha, de apenas 13 anos, reacendeu o brilho no olhar de quem enxerga o skate não apenas como um esporte, mas também como algo capaz de mudar a sua própria história e a vida de outras pessoas.

Foto: Divulgação/ Leandro Souza

O skate, que durante muito tempo foi marginalizado e chegou até a ser proibido no país na década de 80, ainda enfrenta muitos preconceitos e tem longos desafios pela frente. Com a vitória de Fadinha nas Olimpíadas, o caminho foi aberto para uma nova era na modalidade.

É o que acredita o skatista e designer gráfico de Feira de Santana, Leandro Souza, que lidera o movimento do skate na cidade e do Hip Hop. Para o jovem, a vitória de Fadinha vai trazer mais visibilidade ao esporte, o que segundo ele, já é um dos esportes mais praticados do mundo.

Foto: Divulgação/ Leandro Souza

“A gente fica muito feliz, pois o skate tende a ter um crescimento. Pessoas vão passar a olhar o esporte de outra maneira. Todo skatista é guerreiro, independente de Olimpíadas. Estamos sempre fazendo eventos, temos aí a Federação Baiana de Skate, a CBSK, que promove o skate, e várias associações no Brasil e no Mundo. As pessoas começaram a perceber mais agora, porque saiu pela primeira vez nas olimpíadas, mas em minha opinião já era para estar há muito tempo e se estivesse há mais tempo, o Brasil já tinha tido muito mais medalhas. Vamos torcer agora pela nova geração”, vibrou o esportista, em entrevista ao Acorda Cidade.

Grande incentivador do skate em Feira de Santana, Leandro Souza disse que começou a praticar o esporte quando tinha 13 anos, após enfrentar uma tragédia familiar, e foi através dessa modalidade esportiva, que na época o adolescente se livrou do caminho da criminalidade e das drogas.

“Eu descobri o Skate na rua mesmo, cresci sem pai e sem mãe. O skate foi pra mim uma válvula de escape das coisas erradas, que me ajudou a ocupar a mente com coisas boas. Não só o skate, mas também o hip hop, que é um movimento de rua também, pois quando eu tinha 13 anos de idade, meu pai assassinou a minha mãe de maneira brutal. Cresci num dos bairros mais violentos de Feira de Santana, que foi o Vietnã, e se não fosse o skate e o hip hop, eu não estaria aqui para contar minha história. O skate foi me educando, pessoas do movimento foram colocando o esporte na minha vida. Através do skate fiz vários amigos e só tenho agradecer ao movimento”, revelou.

Foto: Divulgação/ Rafael Santos

Atualmente Leandro luta para continuar trazendo melhorias para os jovens que praticam o skate na cidade, por meio do movimento ‘Queremos outra pista’, que já conquistou junto ao município, a construção de uma pista profissional no Parque da Cidade, no Conjunto Feira VII. Ele observa que foi uma grande conquista. Por outro lado, acredita que muito ainda pode ser feito para incentivar a prática do esporte em Feira.

“A gente tem aqui pistas mal construídas. Então fiz alguns banners e coloquei na internet, foi quando viralizou, mas só isso não bastava. Então eu criei o evento Primeiro Rolê do Ano, o Rolê da Independência, e por sinal a gente faz aqui um grande evento que é o Go Skate Day, no mundial do skate. A gente faz todos os anos, e a partir daí só foi progresso, muita gente se achegando, criança, adulto, jovem, idosos, todos curtindo. Os órgãos públicos começaram a olhar de outra maneira, a prefeitura nos chamou pra conversar e a gente falou que Feira de Santana precisava de uma pista padrão, e foi feita a pista do Parque da Cidade Frei José Monteiro. Tivemos a entrega, mas ainda não foi feita a inauguração”.

Foto: Divulgação/ Rafael Santos

Apesar de nunca ter sonhado em competir, o designer gráfico busca incentivar os amigos a alimentarem seus sonhos.

“Se você quiser ser profissional tem que se dedicar, porque o tempo não espera. Eu não pratico frequentemente por conta da correria do trabalho, hoje sou pai, mas sempre que eu posso, estou andando. Eu nunca quis competir, sempre pratiquei como um estilo de vida. O mais importante do skate é a união e os amigos. O esporte pra mim significa mudança de mente e muitas vidas têm sido resgatadas do crime e da prostituição. Se todo pai, toda mãe pensar isso, coloca o seu filho. O skate é muito mais do que manobras e um estereótipo de pessoas que são loucas. É um esporte como qualquer outro”.

Ele pede às autoridades que continuem apoiando os skatistas da cidade, como também as empresas, patrocinando aqueles que desejam participar de competições.

“O skate em Feira pode melhorar bastante com mais pistas. A pista do Parque da Cidade foi uma grande vitória, nós nos mobilizamos e fizemos acontecer. Dialogamos com a cidade inteira pra que o skate crescesse, mas poderia melhorar com mais pistas no centro da cidade, embora a pista do Parque da Cidade seja de nível nacional, muitas pessoas têm dificuldade de ir até lá e o local fecha à noite. Geralmente a gente anda de skate à noite, pois grande parte dos skatistas trabalha. Outra coisa são patrocinadores, muitas empresas aqui ainda são resistentes a patrocinar. Eu chamo atenção dos empresários a acreditarem mais no skate, pois eu tenho certeza que eles só têm a ganhar.”

Leandro Souza fez questão ainda de relembrar grandes nomes do skate aqui em Feira de Santana que servem de inspiração para outros jovens, que assim como eles, lutaram em busca de medalhas. “Temos o Thiago Nunes, que é o atual campeão baiano e participou do campeonato brasileiro; o Jailson Café, que é tetracampeão baiano de Skate; Ênio Gomes, que foi o primeiro campeão baiano de skate de Feira de Santana; temos agora o João, que tem muito futuro no skate de Feira de Santana, e meninas como Brenda, Letícia, e muitas outras que participam. Tem muitos skatistas em Feira de nível nacional.”

O empresário e skatista Alan de Jesus Campos também comemorou a vitória de Rayssa Leal nas Olimpíadas. Ele pratica o esporte há cerca de 25 anos e há 11 anos montou uma loja voltada para o ramo em Feira de Santana.

Foto: Divulgação/ Alan Campos

Como consequência da falta de incentivos para a modalidade no município e as dificuldades econômicas causadas pela pandemia, a loja teve que fechar. Segundo ele, o skate é pouco valorizado em Feira, apesar de ter atletas promissores.

“Devido à pandemia, o comércio local fechou várias vezes, assim como alguns fornecedores também. Sinto muita tristeza porque amo o skate desde criança, foram quase onze anos de trabalho com a loja ALL Tribes e parar assim de uma hora pra outra é muito triste. O skate é pouco valorizado no município, ganhamos uma pista profissional através de muita cobrança, com o movimento ‘Queremos outra Pista’. Sobre a Rayssa Leal, quero parabenizar pela conquista da medalha. Desde a primeira aparição dela nas redes sociais já dava pra ver que ela tinha muito talento no esporte. No nosso município também tem muitos atletas promissores”.

Nova geração

A inclusão do Skate pela primeira vez nas Olímpiadas serve de inspiração também para a nova geração de skatistas mirins, que vêem na vitória de Fadinha um motivo a mais para continuarem inserindo o esporte no seu estilo de vida.

Há três anos praticando, Melissa Viana, 7 anos, sente que andar de skate traz muita alegria e liberdade para ela, que aproveita o tempo livre para praticar dentro e fora de casa, sempre acompanhada da família. 

Foto: Ney Silva/ Acorda Cidade

“Meu pai me ensinou a andar e eu fiquei encantada de como eu podia fazer muitas manobras legais. Eu treino na pista e faço dentro de casa também algumas mini manobras. Foi muita alegria e muita emoção para todos a vitória de Fadinha. Eu me sinto feliz e sinto muita emoção de fazer as manobras, e quero muito aprender outras”, contou a garotinha ao Acorda Cidade.

Foto: Ney Silva/ Acorda Cidade

O pai de Melissa, Ricardo Viana, que é empresário, revelou que, na verdade, desde os três anos de idade, a filha se interessou pelo equipamento esportivo.

Foto: Ney Silva/ Acorda Cidade

“A gente descia pra rodar no condomínio e ela pegava o skate e saia rodando. Quando ela começou a se equilibrar, eu percebi que ela tinha talento pra aquilo, e a gente sempre teve essa cultura de incentivar. É legal para as crianças não ficarem tão presas ao computador, a gente criar esse momento de lazer com a família. É um esporte perigoso e tem que ter todo cuidado, andar com equipamento. E como a Melissa é uma menina que ainda não está no nível de fazer manobras muito altas, nunca teve nenhum problema quanto à isso, nenhuma queda, nada grave.”

Foto: Ney Silva/ Acorda Cidade

A estudante de Biologia Brenda Pimenta também pratica o esporte desde os 12 anos de idade em Feira de Santana. A jovem contou como tem sido a sua experiência ao longo desse período.

“Meu encontro com o skate não foi nada premeditado, foi bem aleatório. Quando criança, havia alguns meninos que tinham acabado de voltar de São Paulo e eles moravam na minha rua, na casa da frente. Eles passavam lá de skate e meus primos e eu víamos esses meninos andar e achávamos muito diferente. Foi meu primeiro contato. A minha prima pediu um skate de aniversário e logo depois eu pedi de Dia das Crianças pra o meu pai. Depois da pandemia a gente não teve como andar sempre, tivemos que manter a quarentena, ficamos um período paradas. Eu nunca participei de campeonato, quando eu era criança queria muito mesmo. Mas como aqui em Feira de Santana não tinha, a gente precisava sair da cidade, então não era muito viável pra mim. Então fico só no casual mesmo”.

Foto: Ney Silva/ Acorda Cidade

A estudante não sonha em se tornar uma competidora, mas acredita que as medalhas olímpicas trazidas pelos brasileiros skatistas irão trazer sim mais visibilidade à prática esportiva.

“O esporte virou um hobby pra mim. Não vejo mais como um esporte competitivo pra mim, por mais que tenha virado olímpico e está estreando aí com a Rayssa e o Kelvin, que ganharam as medalhas, mas o skate pra mim é um hobby, a cultura, e acaba sendo a nossa vida. O esporte sempre foi muito mal visto, chegou a ser proibido na década de 70 a 80, era marginalizado, e hoje em dia isso já está sendo quebrado, mas ainda existe uma parede ali, principalmente para a categoria feminina. Mas com certeza, com a vitória da Fadinha e o skate se tornando olímpico, isso vai dar muito mais visibilidade para a categoria”.

Brenda Pimenta também participa de um grupo de mulheres skatistas em Feira de Santana. De acordo com ela, na cidade, na categoria Street, que é a categoria da medalhista Rayssa Leal, há somente três esportistas.

Foto: Ney Silva/ Acorda Cidade

“Eu tenho um grupo com mais ou menos 15 meninas, mas é diverso, não tem só a categoria Street. São várias modalidades, como simulador de surf, o DHS, o Long Board, além desse que eu ando, que é o que a Rayssa ganhou nas Olimpíadas. Eu quero muito que essa visibilidade que a Rayssa deu chegue até Feira de Santana e que mais meninas se sintam à vontade pra andar. É um esporte muito incrível e feminino também. Nós mulheres, temos poucas, e sentimos a falta de um incentivo, algumas mulheres têm medo de estar numa pista onde a maior parte é homem. Tem aquele medo de não ser incentivada pela família, pois precisa de um apoio, é um esporte radical. A nova geração precisa saber a história do skate. Se chega uma menina, o nosso papel é ensinar e mostrar pra aquela criança que antes dela tiveram outras pessoas que passaram por tudo aquilo que o esporte é hoje. A nova geração vai ser o futuro do esporte, e a gente tem que passar essa cultura pra eles”.

Outro brasileiro que fez história no skate na estreia do esporte em Jogos Olímpicos, foi o paulista Kelvin Hoefler, que assim como Rayssa, ganhou a medalha de prata.

Com informações do repórter Ney Silva e da produtora Maylla Nunes do Acorda Cidade

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