Feira de Santana

Médico intensivista do HGCA explica função da intubação nos pacientes com covid-19

Diferente do que muitas pessoas pensam, que a intubação é o caminho para a morte, o procedimento é uma esperança para a recuperação de muitos pacientes.

Rachel Pinto

Neste cenário de pandemia da covid-19, uma das palavras mais temidas pela maioria da população quando se fala em tratamento para a covid-19 é a ‘intubação’. Há um conceito equivocado que este procedimento é o caminho para a morte e que a chances de sobrevivência a ele são quase impossíveis. No entanto, ainda há pouca informação difundida sobre o assunto, de forma a mostrar que este procedimento é uma alternativa que pode salvar vidas e é feita seguindo protocolos médicos, seguindo todos os cuidados por profissionais altamente qualificados. Buscando esclarecer dúvidas sobre o assunto, o Acorda Cidade conversou com o médico intensivista Lúcio Couto, coordenador das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) do Hospital Geral Clériston Andrade (HGCA). Ele explicou quando é recomendada a intubação e que há muitas chances do paciente que é submetido ao procedimento se recuperar.

De acordo com ele, em um ano de luta contra o coronavírus, houve mudanças de estratégias com relação à intubação. Antes, quando um paciente era internado com o vírus, o tratamento seguia conforme tratamentos de outras doenças que apresentam quadro de insuficiência respiratória. A baixa oxigenação no sangue, identificada através de exames clínicos e laboratoriais, era determinante para que o paciente fosse intubado. Atualmente, com as vivências e os aprendizados do dia a dia enfrentando a doença, os profissionais buscam retardar esse procedimento e usar outras técnicas que também são bem sucedidas.

“Ao atender o doente na emergência entramos com tentativas de outras estratégias, que podem evitar a necessidade de intubar o doente. Mas, a intubação é uma medida salvadora e realmente a população está precisando ser esclarecida sobre isso. A intubação é um ato de salvar a vida daquele doente que está com insuficiência respiratória grave e que não consegue oxigenar o pulmão e o sangue. A única forma de tratamento é dando o oxigênio direto nos pulmões do paciente e esse doente tem que ir para o tubo ou ele morre”, disse.

O médico enfatizou também que há um conceito errado, baseado na divulgação de um trabalho científico e na sua falta de intepretação de que 80% dos pacientes que intubam morrem. Segundo ele, o paciente que vai para a ventilação mecânica é aquele que está muito mais grave e se o doente está muito mais grave, morre mais do que o que está menos grave.

“Ele não morre porque ele foi intubado. Ele foi intubado, porque ele é mais grave do que os outros pacientes”, declarou.

Lúcio Couto informou que 60% dos pacientes que circulam na UTI covid do HGCA são pacientes que vão para a ventilação mecânica. Ele pontuou que esse percentual oscila mês a mês, mas a média é de 60, 65% dos doentes intubados e a mortalidade dos doentes, que no começo realmente era maior, chegava a 55% e 60% em alguns meses, hoje caiu mais e está em 44% desses pacientes.

Foto: Arquivo Pessoal | Coordenador das UTIs do HGCA, médico Lúcio Couto (Foto tirada antes da pandemia da covid-19)

“Uma das coisas que também mudou e, isso influencia no quesito morte, é a idade. Antes nós tínhamos doentes muito mais velhos e a faixa etária média do doente internado na UTI do HGCA já foi superior a 70 anos. Hoje a nossa média de idade é na casa de 56, 57 anos. A gente tem algumas teorias para isso: uma é que o paciente mais jovem é mais destemido, ele se expõe mais. Esse é um ponto, e o outro é que com as novas variantes do vírus, ele tem uma transmissibilidade maior e isso acabou atingindo também uma outra esfera da população. Há um questionamento que ainda não está claro em relação ao que a gente chama de virulência, que é o quanto o microorganismo é capaz de adoecer a pessoa em termos de gravidade. Acredita-se que as novas variantes sejam mais agressivas. Isso acontecendo, o jovem que antes adoecia e não precisava ser hospitalizado, agora está precisando. Mas, isso ainda são suposições que a ciência está investigando” afirmou.

Quando o paciente precisa da intubação

O médico intensivista disse que quando o paciente chega à emergência com dificuldade em respirar, ele sinaliza e tentam-se algumas medidas antes de definir a intubação. É colhido um exame de sangue que avalia saturação do oxigênio, quanto de oxigênio tem circulando no sangue do paciente e qual a relação entre essa quantidade de oxigênio no sangue e o tanto de oxigênio que está dando para o paciente respirar.

Antes de optar pela intubação e a partir do resultado desse exame, podem ser utilizados outros tratamentos que oferecem oxigênio ao paciente. Como a utilização do cateter nasal de oxigênio, que é a primeira tentativa. Se ele não responder bem a esse procedimento e continuar com falta de ar, coloca-se uma máscara que tem um reservatório, um saquinho embaixo e há uma concentração mais forte de oxigênio.

Caso não melhore com essa técnica, o próximo passo é a ventilação não invasiva. Esse procedimento ocorre quando coloca-se no paciente uma máscara bem presa ao rosto para não vazar oxigênio e ela é ligada no aparelho de ventilação mecânica, o mesmo usado para intubar o doente. Ele não é intubado, e o aparelho joga o oxigênio sob pressão. A pessoa respira o oxigênio sob pressão para ele chegar melhor aos pulmões.

“Temos várias interfaces com o paciente. O capacete que pode fazer essa mesma função, o Hemelt. Todas são tentativas de oxigenar o doente. Mas, têm doentes que não respondem a essas medidas e têm doentes que chegam tão graves que não dá tempo de fazer nenhuma dessas medidas prévias. Chegam com muita falta de ar e se nós não fizermos a intervenção da intubação, eles morrem. O que determina a intubação é a gravidade do doente em relação à demanda dele por oxigênio”, contou.

O procedimento

Lúcio Couto relatou ao Acorda Cidade como funciona o procedimento passo a passo. Primeiro o paciente é sedado, podem ser utilizadas várias drogas, entre elas um bloqueador neuromuscular que vai relaxar a parte respiratória do tórax e depois passa-se o tubo pela boca. A ponta do tubo fica na traqueia, onde é ligada ao aparelho que ventila e assim lança o oxigênio para os pulmões.

“Não é um procedimento simples. No começo dessa pandemiam, a gente fez um grande volume de capacitações para os profissionais usarem as drogas corretas, nas doses corretas. Temos várias drogas e a gente hoje está tendo que fazer um uso racional dessas drogas, porque realmente várias estão com ameaça de faltar não só na rede pública, como na privada. Todos os serviços estão racionalizando no sentido de saber qual é a droga que está disponível e fazer o uso adequado com o paciente. Intubar é uma das tarefas esperadas para os médicos que estão na UTI. Não é todo médico que intuba. Mas em sua formação, ele aprende a intubar, faz parte da formação médica. Boa parte deles, não exercita isso, durante o exercício diário da sua profissão, porque não são de uma área que exige isso, e acaba sendo uma habilidade que é aprendida na faculdade, mas não é exercida. Na terapia intensiva se faz isso todo dia. Se o médico está na UTI tem que saber fazer”, frisou.

O oxigênio precisa chegar às células do corpo

O coordenador das UTIs do HGCA salientou também que a covid-19 é uma doença gravíssima e que causa graus diferentes de comprometimento dos pulmões dos pacientes. Mesmo dando o oxigênio dentro do pulmão, o paciente sendo intubado, além do oxigênio no pulmão, precisa que o oxigênio chegue às células do corpo. Segundo ele, toda a mecânica respiratória que começa com o ar no pulmão tem uma sequência com o oxigênio sendo passado para a circulação sanguínea, a circulação sanguínea devolvendo o gás carbônico para ser jogado para fora e o oxigênio ser levado para todas as células do corpo.

“Os pacientes com covid, que estão graves, têm um grau de lesão pulmonar que impede essa etapa final da oxigenação. A gente garante a etapa inicial, mas essa etapa de conclusão do oxigênio que chegou ao pulmão, chegar até as células, ao coração, ao fígado, aos rins, todas as células do nosso corpo, quando não chega, é porque o pulmão está muito doente. O paciente pode morrer, não só pela questão respiratória. Pode conseguir ficar bem do ponto de vista respiratório, mas por ficar muito tempo internado com um tubo na garganta, mudando a sua fisiologia normal, o funcionamento normal do seu corpo, fica com a imunidade comprometida e aí aparecem as infecções oportunistas. Ele passa a ter não só infecções pelo vírus, mas por outras bactérias que podem levá-lo à morte. Ter sepse e choque séptico, conhecidos de forma errada como infecção generalizada. Não é porque está em todos os órgãos, é porque é uma infecção grave que faz com que os órgãos parem de funcionar. O conceito de sepse e choque séptico é esse: é uma infecção de um órgão tão grave que o corpo humano faz uma resposta tão intensa que leva os outros órgãos a não funcionar”, acrescentou.

Tratamento do ator Paulo Gustavo

Durante o fim de semana, uma notícia que chamou a atenção foi o tratamento utilizado para o ator Paulo Gustavo, que adquiriu a covid-19 e está intubado. Os médicos adotaram o tratamento chamado ECMO que funciona como uma espécie de pulmão artificial e com uma membrana de oxigenação extra corpórea. Lúcio Couto contou que esse procedimento já foi feito em Feira de Santana por três vezes, nos últimos cinco anos, antes da pandemia e além de ser de ser de altíssimo custo, depende de toda uma estrutura que vem de Salvador e necessita de uma equipe capacitada. É indicado para pacientes muito graves e que tem risco de morte. Dos três casos realizados, dois tiveram sucesso e o outro o paciente veio a óbito.

Não existe pílula mágica para a covid-19

Lúcio Couto finalizou a entrevista ao Acorda Cidade salientando que não existe pílula mágica para tratar a covid-19. Ele ressaltou que a vacinação é o único caminho que pode mudar o cenário e trazer paz para a população.

Como forma de melhorar a imunidade, ele afirmou que procura se alimentar e se hidratar bem, assim como usar máscaras, os equipamentos de segurança e manter o distanciamento social. Ele lamentou que existam pessoas que ainda não acreditam na gravidade do vírus, não se previnem do contágio e que negligenciam a vida.


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