Cultura

Para driblar as dificuldades geradas pela pandemia, músicos vendem seus instrumentos e se reinventam

Entre todas as classes de trabalho, a área do entretenimento, sobretudo artistas musicais, não conseguiu voltar com todo gás.

Gabriel Gonçalves

A população de Feira de Santana está passando por uma situação mais delicada comparada à primeira onda da pandemia no ano passado. No dia 18 de março, um ano e doze dias após o município registrar o primeiro caso do vírus, a cidade atingiu a marca de 500 vítimas da doença.

Entre todas as classes de trabalho, a área do entretenimento, sobretudo artistas musicais, não conseguiu voltar com todo gás com o objetivo de retomar as agendas de shows e festas. Com 33 anos de carreira, o feirense, cantor e compositor Paulo Bindá explicou que com o surgimento da pandemia, o faturamento caiu cerca de 95% de um mês para o outro.

"Essa pandemia pegou todo mundo de surpresa e, para que possamos ter uma ideia, nosso faturamento caiu cerca de 95% assim de um mês para o outro, um baque muito grande para todos os setores, mas para o entretenimento foi ainda mais radical porque paramos de fazer os shows, eu parei de locar os equipamentos, meu estúdio de gravação também ficou parado e realmente é uma situação drástica", declarou.

Foto: Ney Silva/ Acorda Cidade

Segundo Paulo Bindá, esse momento longe dos palcos e dos shows, faz sentir a falta do público, a presença do calor humano, mas sobretudo, a falta maior está sendo das vítimas que não estão resistindo na luta contra a doença.

"Sentimos muita falta do nosso trabalho porque isso dignifica o homem, então precisamos dessa movimentação, precisamos participar de um show, de uma montagem de equipamento, além da falta do calor humano, estar ali com as pessoas, contribuindo com alguém, contribuindo com os músicos. Mas o que mais está fazendo falta mesmo são as pessoas que estão indo, a exemplo do nosso colega Irmão Lázaro, cantor, produtor, pastor e isso realmente faz falta, porque a vida sempre é em primeiro lugar", destacou ao Acorda Cidade.

Sem ter uma renda fixa, os artistas feirenses tiveram o apoio da Lei Aldir Blanc no final de 2020, mas segundo Paulo Bindá, esse recurso não está mais disponível. Ainda segundo o compositor, foi preciso se reinventar para obter uma renda significativa.

"As pessoas precisam muito trabalhar com o emocional, principalmente quem é artista. A gente sabe que a arte não tem um ganho financeiro tão alto e por isso é preciso meditar, trabalhar o espírito e realizar grupos, mesmo que seja de forma online. Eu sempre estou aconselhando os meus colegas e amigos que sempre trabalhem o emocional, pois se apegando a Deus, nenhuma porta se fecha, sempre vai ter uma janelinha ali que vai se abrir. Tivemos alguns apoios como a Lei Aldir Blanc, mas este foi em dezembro do ano passado, alguns artistas foram beneficiados com o apoio do Governo Federal, mas ainda é muito pouco para a nossa classe. Tivemos que nos adequar e descer um pouco mais os degraus, no meu caso por exemplo, eu vendi o meu carro, peguei um mais barato, alguns instrumentos musicais que a gente não utiliza muito, a gente coloca para vender, faz um comércio, faz umas Lives com o apoio dos empresários e de alguns amigos e não podemos ficar parados", disse.

Lives Musicais

De acordo com o compositor, a ideia da apresentação musical através das Lives tem como objetivo mostrar que o artista ainda está ali cantando, ainda que seja de forma online para angariar recursos financeiros.

"A Live é uma forma de você mostrar e continuar cantando de forma online para aquelas pessoas que gostam do seu trabalho, inclusive para algumas empresas que fazem eventos corporativos, é um meio de divulgar e angariar um dinheirinho também. Sabemos que as empresas hoje também passam por dificuldades, mas sempre tem alguém ali que diz, 'eu vou te ajudar sim', as vezes é uma permuta, manda uma pizza e a gente vai levando dessa forma, mas a palavra chave do momento é se reinventar. Temos artistas trabalhando como motorista de aplicativo, voltou a trabalhar na construção civil que está em alta e assim, cada um vai se reinventando", explicou.

Foto: Ney Silva/ Acorda Cidade

Atuante no período junino, o sanfoneiro Neném do Acordeon informou à reportagem do Acorda Cidade que cerca de 40 shows deixou de fazer entre o período de 2020 e o próximo São João, que não será realizado, e destacou a sensação terrível de ver uma agenda repleta de shows ser zerada em tão pouco tempo.

"A pandemia mexeu 100% na classe artística porque fomos os primeiros a suspender nossas atividades e não sabemos quando vamos retomar. É muito terrível você ter uma agenda com um planejamento anual, tudo certinho e de uma hora para outra, encerrar toda aquela programação e olhar para os quatro cantos, não ver uma solução. Se a pessoa não tiver fé em Deus, uma base familiar, essa pessoa pode ficar depressiva e do ano passado para cá, vamos completar dois anos sem nosso São João. Em média são cerca de 40 shows que deixei de fazer", disse.

O cantor, que também testou positivo para a doença, explicou que é muito triste ver outros colegas da mesma categoria zombando do vírus, mas só quem foi vítima sabe a luta que é enfrentar todos os sintomas.

"Eu tive covid-19 logo no início, passei por um perrengue muito grande e é muito difícil isso. Fico mais triste quando vejo amigos da nossa classe artística zombando da doença, mas eles só falam porque não tiveram e só quem sabe o peso da doença é quem fica dentro de casa trancado de 14 a 15 dias sem poder falar com ninguém, sentindo desconforto, febre. Mas graças a Deus, eu venci e só volto a trabalhar com a música quando toda esta situação estiver de forma 100% regulada. Eu digo isso porque quando eu saio para fazer shows, eu quero levar alegria para o público, eu quero levar entretenimento e isso está envolvido com aglomeração e é o que o vírus mais quer nesse momento, então já decidi com minha família que só retorno quando estiver de forma 100% controlada", ressaltou.

Como forma de se reinventar no mercado do trabalho, Neném do Acordeon hoje trabalha como entregador de encomendas, nova alternativa para 'sobreviver'.

"Tivemos alguns auxílios que nos ajudaram nesse momento, tenho colegas que hoje estão trabalhando como motorista de aplicativo, então são alternativas que tem ajudado bastante. Eu estou também nessa área de transporte, fazendo entregas, buscando essa outra opção para sobreviver, até porque eu sempre digo isso ao meu filho de 21 anos de idade, hoje quem está ganhando dinheiro no Brasil são donos de postos de combustíveis, farmácias e supermercados. Esse não é o momento da gente pensar em ganhar dinheiro e sim, sobreviver, por mais simples que seja, precisamos vencer essa pandemia sem passar fome, sem precisar de medicamentos e vamos fazendo o possível", destacou.

Desde os 11 anos de idade no mundo da música, Neném do Acordeon relatou que nesse momento, o mais ideal é manter o controle psicológico mesmo com a saudade de retornar para os palcos, mas a prioridade é vencer esta batalha da pandemia.

"Desde meus 11 anos de idade junto com meu pai lá na área de Jaguara, já começava a tocar, ainda era muito menino, mas a minha vida sempre foi dessa forma: estrada e palco. Quando a pandemia teve início, já imaginava que nossa categoria iria demorar para retomar com as atividades e me preparei psicologicamente, mas confesso que sinto muita saudades dos palcos, da gente ter aquele contato com as pessoas, levar alegria, mas o momento agora é complicado. Então que possamos continuar com esse controle psicológico para vencer esta batalha e exigir do governo que comprem as vacinas o mais rápido possível, porque abaixo de Deus nessa Terra, só a vacina é a solução deste problema", concluiu.

Com informações do repórter Ney Silva do Acorda Cidade

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