Bem Estar

Vídeo de ex-bailarina com Alzheimer mostra resiliência da mente humana, diz neurocientista Miguel Nicolelis

Apesar de enfrentar a doença degenerativa, idosa espanhola Marta C. González conseguiu rememorar movimentos de 'O lago dos cisnes' ao escutar trechos de música do balé.

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Viral dos últimos dias, o vídeo de uma idosa espanhola que rememora os movimentos do balé "O lago dos cisnes", apesar de debilitada pelo Mal de Alzheimer, emocionou timelines e também deu uma demonstração do poder de armazenamento e ativação do cérebro, mesmo quando sob processo degenerativo.

"Claramente a música despertou, liberou programas de coordenação motora que ela tinha armazenado ao longo de uma vida toda. Você vê a beleza dos movimentos dela, a coordenação, a precisão", diz Miguel Nicolelis, um dos nomes mais destacados da neurociência.

A associação espanhola Música para Despertar divulgou no fim de outubro um vídeo em que a ex-bailarina Marta C. González escuta em fones trechos da música composta por Tchaikovski e revive o gestual da coreografia.

A entidade usa música para melhorar a qualidade de vida de pacientes com Alzheimer. Terapias musicais estão se disseminando como tratamento para pacientes com distúrbios cognitivos graves.

Inicialmente foi divulgado que Marta havia sido a primeira-bailarina do Balé de Nova York nos anos 1960. A associação publicou um post nesta quarta (11) em que esclarece que a bailarina atuava por sua própria companhia de dança. Mas, de fato, Marta se apresentou aos nova-iorquinos à época.

A espanhola era mais conhecida como Marta Cinta e se formou em Cuba, na escola do coreógrafo Nikolai Yavorsky, russo radicado na ilha.

Nas imagens de uma apresentação de "O lago dos cisnes", em que o vídeo compara a lembrança da coreografia com o movimento no palco, está a renomada bailarina russa Uliana Lopatkina – e não a jovem Marta C. González, como chegou a ser relatado, afirmou a associação.

O vídeo foi gravado em uma casa de repouso de Valência em 2019, meses antes da morte da espanhola. Atores como Antonio Banderas, Jennifer Garner e Ian McKellen compartilharam e ajudaram a viralizar o momento.

O estímulo certo

Sem informações detalhadas sobre o caso clínico da ex-bailarina, o neurocientista é cauteloso ao tentar traçar um cenário sobre o que se passou no cérebro de Marta naquele momento. Mas ele diz que o vídeo certamente demonstra "que você pode ter uma perda enorme cerebral e ainda certas memórias podem ser reativadas com estímulos propícios".

"O ponto mais importante é perceber a resiliência da mente humana. Mesmo com a possibilidade de que ela [Marta] tenha sofrido graves lesões e perda cerebral muito grande, os circuitos que ainda estão funcionais foram capazes de desencadear esses programas motores. O gatilho é claramente um estímulo sonoro, é a música", diz Nicolelis, que lançou recentemente o livro "O verdadeiro criador de tudo" (editora Crítica), sobre os processos cerebrais que moldam nossa visão de mundo.

"São memórias de longo prazo, motoras. E a gente sabe que circuitos subcorticais [localizados numa região cerebral responsável por, entre outras coisas, lembrança e atenção] também armazenam essas memórias. Ela pode ter tido uma lesão muito grave no córtex, mas essas memórias ainda estão gravadas".

Nicolelis tem a tese de que passa pela epilepsia o caminho para desvendar o entendimento de como funcionam enfermidades cerebrais.

"Minha teoria que unifica doenças neurológicas e psiquiátricas sugere que a epilepsia pode ser a mãe de todas as doenças do cérebro. A nossa terapia, que manda pulsos elétricos para a medula espinal, poderia apresentar benefícios para o Mal de Alzheimer."

Uma das pistas está nos medicamentos anticonvulsivos – usados também para tratar bipolaridade, TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) e depressão.

É mais do que ciência

Nicolelis diz que o vídeo chama a atenção mais pelo aspecto humano do que científico. Lembrou o neurocientista da avó ("intelectual, artista e professora"), que também passou por um processo de declínio cognitivo.

"Me emocionei profundamente porque eu lembrei da minha avó. Ela foi perdendo a capacidade cognitiva, mas ela, pianista, sentava no piano e ainda conseguia tocar. Para mim foi muito tocante porque lembrou de cenas e de histórias familiares."

Fonte: G1

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