Feira de Santana

Infectologista explica número de mortes de pacientes com Covid-19 em Feira de Santana e faz outros esclarecimentos

Ela fala também sobre as medicações que são utilizadas no tratamento, além das evidências do efeito platô, a estabilização da pandemia.

Rachel Pinto

O aumento do número de óbitos de pacientes com covid-19 registrados em Feira de Santana nas últimas duas semanas tem relação com o pico da doença ocorrido, inclusive no momento em que a cidade esteve com todas os leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ocupados. A explicação, é da médica infectologista Melissa Falcão, coordenadora do Comitê de Controle do Coronavírus em Feira de Santana, que em entrevista ao Acorda Cidade falou também sobre ações para conter o avanço da doença, e também sobre as medicações que são utilizadas no tratamento, além das evidências do efeito platô, a estabilização da pandemia.

Segundo Melissa, após o pico de casos no mês passado, há neste momento uma queda do número de infectados. Ela disse que os números registrados no boletim correspondem a casos que ocorreram há alguns dias e só no dia da divulgação do boletim é que foram contabilizados.

“O aumento teve relação com o pico da doença que tivemos no final de maio e início de junho e eu pedi a Vigilância Epidemiológica que me encaminhe os dados por semana. A gente tem uma nítida avaliação desses dados. A avaliação semanal é muito diferente quando os dados são vistos por dia. Tivemos um pico na semana do dia 6 de julho e depois essa curva vem tendo uma desestabilização em queda. Mas, as mortes por covid-19 não acontecem quando os casos são confirmados. Acontecem depois de três quatro semanas. Tem pacientes internados no Hospital de Campanha há quase dois meses. Então esse dado da mortalidade não indica uma piora da epidemia nesse momento e sim a repercussão do momento que tivemos do grande número de casos na cidade. Foi naquele período de superlotação, falta de vaga na UTI e que a prefeitura fez emergencialmente a abertura de leitos e isso acabou ajudando para que reduzisse esse número. Mas, infelizmente a quantidade de mortes foi maior do que gostaríamos apesar de ser menor do que a gente prevê.

Quando se compara os dados de Salvador, os dados da Bahia, ou em geral, ou do Nordeste, Feira de Santana tem o número de mortalidade menor, queríamos que fosse zero, mas isso é impossível infelizmente”, disse.

A divulgação dos óbitos nos boletins

A infectologista pontuou que as mortes de pacientes com coronavírus só são divulgadas após o recebimento da declaração de óbito, por esse motivo, acontece do número total corresponder a soma de casos de mais de um dia. Como foi o caso, por exemplo, do boletim do dia 23, que continua nove mortes. Aquelas nove mortes registradas foram do período de 28 de junho a 22 de julho.

Sepultamento

Com relação aos óbitos, se forem casos suspeitos ou confirmados, todas as normas de segurança são adotadas.

“Muitas vezes uma pessoa é enterrada com todos os cuidados do coronavírus e depois que chega o resultado, descobre que era negativo. É um transtorno muito grande, mas neste momento devemos pecar por excesso e ter realmente muito cuidado com essas famílias. A gente só lança em nosso boletim quando a gente recebe a declaração de óbito e algumas vezes essa declaração não chega para a gente imediatamente, apesar de a gente sempre tá cobrando isso, então quando recebemos essa declaração, lançamos imediatamente em nosso boletim”, explicou a médica se referindo sobre o motivo pelo qual os óbitos não são muitas vezes divulgados nos boletins no mesmo dia em que eles ocorreram. A divulgação é feita apenas com o resultado do exame.

Letalidade da covid-19 é baixa em Feira de Santana

Melissa Falcão destacou que o índice de letalidade por covid-19 em Feira de Santana é menor que os números apresentados em Salvador e em toda Bahia. Feira tem a taxa de letalidade de 1.88%, Salvador 3.33 % e a Bahia 2.25%. Ela destacou que este número equivale ao número de pessoas que morreram em relação ao número total de casos. Até o fechamento desta reportagem foram confirmadas 130 mortes em 6.580 casos.

“Feira de Santana está com números menores. A gente sempre procura manter o mínimo possível de mortes, estamos fazendo treinamentos constantemente com as equipes das policlínicas, das Upas, para que o paciente possa ter um atendimento cada vez melhor e que essas mortes possam ser evitadas. Então agora estendemos também (conforme a nota técnica do estado), o PCR para toda síndrome gripal, para tentar fazer um isolamento mais rigoroso, das pessoas com diagnóstico inicial e reduzir essa taxa de transmissão”, informou a médica ao Acorda Cidade.

Como fazer o exame pela Secretaria Municipal de Saúde

A médica informou que o exame realizado é o RT-PCR, considerado padrão ouro na detecção da covid-19. É feita a coleta da secreção respiratória, nasal ou da garganta e esse material é encaminhado para o Laboratório Central da Bahia (Lacen) ou para o laboratório da Universidade Federal do estado da Bahia (Ufba).

A coleta é feita através de agendamento nos órgãos de saúde.

Saiba mais: Exame que detecta a Covid-19 será ofertado em UPAs, policlínicas e na Vigilância Epidemiológica

“Essas coletas são feitas nas policlínicas, nas Upas, ou através do número da Vigilância Epidemiológica agendando com o atendimento no drive-thru. Então se eu tiver com síndrome gripal, eu vou me dirigir a Vigilância Epidemiológica para fazer o exame? Não é assim. É preciso ter o contato prévio, fazer o agendamento do drive-thru que está funcionado de uma maneira muito eficaz. Estamos fazendo cerca de 60 coletas nesse drive-thru que está acontecendo na Secretaria de Saúde diariamente e a pessoa pode agendar. Chega lá no carro, faz sua coleta e segue”, afirmou.

Diferenças nos números da Secretaria Municipal de Saúde e Sesab

Questionada sobre a diferença de números dos casos de covid-19 nos boletins do estado e do município a infectologista, disse ao Acorda Cidade que diariamente a Secretaria Municipal de Saúde passa os números da covid-19 para o Núcleo Regional de Saúde do município (Antiga 2ª Dires), e esses dados são divulgados no boletim municipal diário. No entanto, há uma demora na passagem dos dados da Dires para a Sesab para que seja feita a atualização.

Comitê esperará número muito superior a 6 mil casos neste momento

Sobre os mais de seis mil casos de covid-19 registrados em Feira de Santana, ela pontuou que o esperado era que o número fosse maior para uma cidade do porte de Feira de Santana com 660 mil habitantes. Mas, segundo ela, nos dois primeiros meses houve um controle muito grande e isso ajudou na redução do número total. Melissa enfatizou ainda que não considera que a pandemia tenha saído do controle no município.

“As próximas semanas até o final dessa pandemia dependem não apenas das ações do município, mas das ações da população porque eu vejo muitas vezes as pessoas recriminando as outras por ações, a prefeitura que abriu ou fechou o comércio, quem saiu ou deixou de sair de casa e muitas vezes ela própria também não está analisando as suas ações para ajudar nesse momento. Um momento tão difícil mundial que a gente deve procurar energias sempre e cada um pode contribuir, invés de sempre recriminar ou reclamar. Vamos ajustar os esforços porque a vitória de um, é a vitória de todos”, declarou.

Abertura do comércio programada com o comitê

Melissa Falcão explicou durante a entrevista ao Acorda Cidade que a decisão do prefeito Colbert Martins de abrir o comércio da cidade foi programada com o Comitê de Controle do Coronavírus e a partir de uma série de avaliações. A última decisão do prefeito de fechar o comércio, aconteceu devido a superlotação, a ocupação de 100% dos leitos de UTI. Ela observou que a decisão de abrir ou não o comércio está pautada na disponibilidade dos leitos e também em um equilíbrio dos números, de forma a flexibilizar as atividades econômicas.

“Não pode é manter o comércio fechado por seis meses ou um ano porque quando essa pandemia acabar, o nosso comércio pode morrer. Então tudo tem que ser bem equilibrado e talvez não fosse o momento epidemiológico 100% ideal, mas a gente faz o que é possível sempre tentando equilibrar a parte de saúde que vem em primeiro lugar como prioridade, mas tentando também equilibrar a parte financeira, econômica da cidade e das pessoas que aqui moram”, ressaltou.

Ineficácia da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19

A infectologista comentou sobre a repercussão que teve o resultado de um estudo científico divulgado na quinta-feira (23), que aponta a ineficácia da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com covid-19. Ela disse ao Acorda Cidade que já leu diversos trabalhos de pesquisadores e que cada vez mais as pesquisas mostram que a hidroxicloroquina não tem benefício nenhum em relação a covid-19. Melissa pontuou que este é um assunto que lhe chateia e lhe preocupa, uma vez que o que deveria ser uma discussão médica, passa a ser uma discussão política e popular.

“A partir do momento que vídeos circulam pela internet, de médicos orientando um tratamento sem um fundamento científico, isso faz com que a população acredite. Porque uma parcela de médicos diz que funciona, outra diz que não, mas nós temos que agir baseados na ciência, nas evidências científicas. Eu acho louvável, não vou dizer que recrimino esses médicos que são a favor do tratamento precoce, que eles acreditem realmente nesses benefícios, seja procurando o melhor para esses pacientes que eles estejam atendendo, mas temos que ter muito cuidado na própria liquidação do uso dos medicamentos que não tem um efeito comprovado. A chance de efeitos colaterais é pequena, mas quando usada de maneira geral pela população. Em pessoas idosas, pessoas com outras doenças associadas, o risco de complicação aumenta. Eu peço para que a população só use medicamento orientado por médicos, têm pessoas que chegam ao meu consultório e dizem que estão tomando ivermectina uma vez na semana. Isso aumenta muito o risco de efeitos colaterais quando uma pessoa usa um medicamento com uma dose mais frequente do que é recomendado. Eu sei pelo momento emocional de cada um, o momento da cidade, do mundo, não está fácil, mas vamos procurar agir de acordo com a ciência, em oferecer sempre o que temos de melhor para o paciente com segurança”, opinou.

Pesquisa com o plasma de pacientes já curados da covid-19

Melissa Falcão afirmou que o Comitê de Controle do Coronavírus em Feira de Santana está desenvolvendo uma pesquisa com o plasma sanguíneo de pacientes já curados da covid-19 e aplicação de um soro de anticorpos em pacientes que apresentarem quadros graves da doença. Segundo ela, a pesquisa está em andamento, e estão sendo realizados vários estudos para confirmação dos benefícios desse material

“Não é uma coisa tão fácil, porque a gente precisa de autorização legal, porque não é um tratamento 100% liberado e a gente procura sempre agir de acordo com a ciência e estamos procurando os dados para confirmação desse benefício. Mas, já tentando recrutar as pessoas para que possam fazer essa doação. Estamos na fase de liberação do Comitê de Ética, aplicação de trabalho científico, porque não podemos aplicar sem estar dentro de um estudo científico com mediações que não são 100% comprovadamente eficazes”, explicou.

Medicação

A infectologista relatou que para os pacientes que apresentam quadros graves da doença, a prescrição médica é de azitromicina, antibióticos e a dexametasona. No entanto, com uma ressalva para a dexametasona para a covid, uma vez que não deve ser usado nenhum corticoide na primeira semana do início dos sintomas do coronavírus. Ela disse que é nesta fase que ainda tem vírus circulando pelo corpo e o corticoide pode atrasar a limpeza viral do corpo e acabar agravando.

“Corticoide e dexametasona a gente usa em pacientes que se internam e que têm uma necessidade. Não é todo paciente que precisa e tem também anticoagulação, que é um caso mais crítico de paciente com coronavírus que agrava e tem o risco de trombose e embolismo pulmonar. Vai para o pulmão e que acaba dificultando mais essas trocas de oxigênio. Essa anticoagulação tem sido uma preocupação muito grande e nem todo paciente que interna precisa receber esse medicamento”, comentou.

Efeito platô (estabilização da pandemia)

Melissa Falcão finalizou a entrevista ao Acorda Cidade comentando sobre o efeito platô da covid-19, a estabilização da pandemia na cidade. Ela frisou que tudo são suposições e, de acordo com os dados do Comitê de Controle do Coronavírus, há evidências de que Feira de Santana já tenha chegado a esta estabilização.

Ela observou que o período mais crítico foi na semana do dia 3 de julho, onde foram registradas 1.068 notificações da doença por semana e segundo ela, foi um momento difícil.

A médica declarou que a cidade está com a tendência a estabilização da doença e expectativa de dias melhores.

“Vamos ao platô não pelo número de casos que não estejam aumentado. Mas, de não estar aumentando a velocidade de novos casos. A porcentagem de casos novos diários começa a se estabilizar um pouco”, finalizou.

A reprodução da reportagem é permitida desde que mencionando a fonte: Acorda Cidade.

 

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