Política

Romeu Zema diz que 'orientação central' do Ministério da Saúde teria ajudado governadores a enfrentar pandemia

Em uma ampla entrevista ao Acorda Cidade, o governador de Minas Gerais falou sobre o combate a covid-19 no estado e também avaliou a política nacional.

Orisa Gomes

Antes da Organização Mundial de Saúde (OMS) classificar o novo coronavírus como pandemia, o Governo de Minas se antecipou e passou a executar o Plano de Prevenção de Contingenciamento em Saúde do covid-19. Também criou o Comitê Gestor do Plano de Prevenção e Contingenciamento em Saúde do covid-19. Apesar das medidas, o estado agora está com alto índice da doença, são mais de 23.300 casos, e o número de mortos ultrapassou 500. Ainda assim, o governador informou que a taxa de óbitos no estado caiu entre janeiro e maio deste ano, se comparada a do ano passado.

Para saber quais foram os pontos de acerto nas medidas e porquê, mesmo com elas, o coronavírus tem avançado em Minas, o Acorda Cidade entrevistou o governador Romeu Zema (Novo).

Em uma ampla conversa, ele também falou sobre as mudanças no Ministério da Saúde e ressaltou que uma “orientação central” teria ajudado governadores a enfrentar melhor a pandemia. Avaliou ainda a política nacional e disse por que resolveu disputar as eleições e encarar dos desafios de gerir um estado, mesmo sendo muito bem sucedido como empresário.

Romeu Zema é ex-presidente do conselho de administração do Grupo Zema, que possui uma rede de lojas de eletrodomésticos presente em mais de 400 cidades mineiras e também atua na distribuição de combustíveis.

Acorda Cidade – O que é que não funcionou no enfrentamento ao coronavírus em Minas, já que o senhor foi o primeiro a criar um comitê gestor do plano? Inicialmente deu resultado?

Romeu Zema – Deu resultado sim. Hoje, Minas Gerais, proporcionalmente com sua população, é o estado que tem a menor taxa de óbitos por 100 mil habitantes. Melhor do que Minas é o estado do Mato Grosso do Sul. Então, Minas Gerais, dentro desse contexto de pandemia, está tendo uma quantidade de óbitos aproximadamente 9 vezes menor que a taxa do Brasil. É lógico que isso nos entristece muito, o ideal era não ter óbito nenhum, mas comparando com a média do Brasil e de quase todos os estados, exceto Mato Grosso do Sul, Minas está fazendo um trabalho que coloca ela entre os estados mais seguros. Inclusive, de janeiro a maio deste ano, a quantidade total de óbitos no estado foi inferior a de 2019, com 1.842 óbitos. Como as pessoas estão viajando menos, saindo menos à noite para beber e se divertir, hoje o estado tem menos número de mortes do que era antes da pandemia. Parece até contraditório, mas é a indicação dos dados.

AC – O que causou esse crescimento do coronavírus? Onde houve falha?

RZ – Desde o inicio da pandemia, temos monitorado semana a semana. Sabíamos que em algum momento a curva, que começa de modo muito leve com a inclinação, iria se inclinar de maneira mais acentuada. Isso já estava previsto desde o início e os estudos apontam que nós vamos ter agora no mês de julho. Então, agora estamos vivendo aquele momento mais crítico em que a curva inclina, mas sabendo que isso vai perdurar por algumas semanas, cerca de três a quatro semanas e depois ela venha a se estabilizar a cair, mas já era algo que já prevíamos, e mesmo com essa inclinação que quero dizer que nós ainda somos o estado que proporcionalmente a sua população de aproximadamente 21 milhões tem tido uma quantidade de óbitos bastante reduzida.

AC – Isso o senhor atribui la criação do comitê gestor ou tem outras ações?

RZ – Têm várias ações. A criação do Comitê Gestor foi fundamental, porque foi através dele que tomamos uma série de medidas que acabaram contribuindo. A primeira delas foi o isolamento, o estado ficou fechado por um mês, só com as atividades essenciais funcionando. Vale lembrar que o isolamento foi feito em um momento certo, nós fizemos antes de outros estados. A pandemia se parece com um incêndio florestal: se você age rapidamente contra ele, é pequeno, você consegue controlar, caso contrário, ele passa a ter vários focos e não consegue combatê-lo mais. Então, esse isolamento prematuro que teve início no dia 16 de março, bem antes de outros estados, foi fundamental para nós controlarmos a pandemia. Outro ponto importante foi que o mineiro participou ativamente, criterioso, medroso e fez esse isolamento com muita qualidade, isso contribuiu muito. Mais um ponto que acabou facilitando o controle da pandemia foi a nossa demografia. 80% da nossa população reside no interior do nosso estado, principalmente em cidades menores, isso acaba dificultado a propagação, diferente de outros estados, onde a região metropolitana muitas vezes consegue concentrar quase 40, 50% da população. Por último, nós descentralizamos as decisões. Seria muita pretensão da minha parte tomar uma medida que aplicaria a todos os 853 municípios do estado. Eu deixei a decisão a cargo de cada prefeito e até hoje ainda temos mais de 200 cidades que sequer tiveram casos. Então, essas cidades têm um tratamento muito diferente daquelas que já tem centenas de casos e que estão em uma situação muito difícil. Dentro desse contexto, nós conseguimos e ainda estamos conseguindo fazer um trabalho adequado, mas a curva realmente ela cresceu, como esperado, e, infelizmente, aumentou o número de óbitos. Mas quero deixar muito claro que ninguém ficou sem atendimento médico, as pessoas que faleceram é porque realmente tiveram seu quando de saúde agravado, mas não foi por falta de atendimento.

AC – O senhor chegou a quanto por cento de isolamento aí? Aqui estamos com 46.1, muito baixo.

RZ – No primeiro isolamento, na segunda quinzena de março, eu não estou com os dados aqui, mas chegamos a ser superior a 70% de adesão. Foi um isolamento relativamente bem feito e, como eu disse, as cidades são pequenas, muitas nem transporte público têm e isso acaba evitando a propagação.

AC – São quantos municípios?

RZ – 853. Minas é o estado que mais tem municípios no Brasil.

AC – Qual o percentual de municípios atingidos?

RZ – Pelo último número que tenho, já estávamos com a presença do vírus em cerca de 580. São quase 300 municípios sem se quer um caso do vírus.

AC – Como o senhor avalia a flexibilização da quarentena em diversos estados brasileiros e como está sendo feito aí em minas?

RZ – Eu vejo a flexibilização da quarentena como algo necessário, porque as pessoas não podem ficar sem trabalhar, a economia não pode parar, mas tem que ser algo feito com muito critério e de forma gradual. Vale lembrar que aqui em Minas Gerais até o momento não liberamos escolas, não liberamos academias de ginástica, não liberamos cultos religiosos, atividades com aglomerações de pessoas, como jogos de futebol, shows, espetáculos… Ainda vai demorar um tempo e temos feito de forma gradual. Criamos aqui o nosso programa, o Minas Consciente, que define procedimentos para todos os tipos de atividades. Se alguém tem uma loja de calçados, é só entrar nesse programa e ver como pode funcionar uma loja de calçados. Se alguém tem uma loja que presta serviço de assistência técnica de alguma modalidade, a mesma coisa. Isso serve para orientar o prefeito, o empresário, o empregado e o cliente. Tudo determinando as medidas necessárias, evitando o máximo de pessoas de acordo com a área dos estabelecimentos, os cuidados, o distanciamento, tudo isso para evitar que essa reativação da economia possa comprometer a segurança das pessoas. Eu sempre digo que nas cidades maiores isso acaba sendo dificultado com o transporte público, as pessoas acabam se glomerando dentro de um ônibus, de um trem e, nesses casos, é realmente onde o perigo é maior. Já nas cidade menores, que tem uma proporção menor quanto ao uso de transportes, essas medidas acabam sendo mais aderentes ao nosso plano.

AC – Eu vi uma entrevista no portal Uol que o senhor disse que a troca de ministro da Saúde em meio à pandemia foi inoportuna. O senhor acredita que essas questões influenciaram no agravamento da pandemia no país? Não tivemos um protocolo único?

RZ – O ideal seria o governo federal ter dado um norte nas orientações gerais, o que evitaria que cada estado tivesse, muitas vezes, tomado medidas isoladas e diferentes, inclusive de estados vizinhos. Teve alguns em que houve medidas diferentes, mas vale lembrar que a medida teria que ser descentralizada mesmo, porque um estado como o Rio de Janeiro, os casos, começaram muito antes do que no Mato Grosso, do que em outros estados. Então, a questão da implantação realmente dependia de cada governador. Mas, o Ministério da Saúde poderia ter dado uma orientação mais macro. Como isso não ocorreu, os estados acabaram tomando essa iniciativa e, para muitos, funcionou bem, pra outros, nem tanto. Com certeza, uma orientação mais ágil por parte de Brasília poderia ter contribuído. Agora, depois que aconteceu, é fácil falar, mas eu vejo que os governadores fizeram tudo aquilo que estavam aos seus alcances e com a melhor das intenções, talvez uma orientação central não teria alterado muito esses acontecimentos.

AC – Como o senhor está avaliando o desempenho do presidente Jair Bolsonaro?

RZ – Eu sempre falo que fui eleito governador de Minas. Esse tipo de questionamento teria sido mais adequado se eu tivesse me candidatado a senador ou deputado federal. Eu já tenho aqui em Minas Gerais uma quantidade quase que infinita de problemas. Até o momento, todas as vezes que estive com o presidente, não tenho nada do que reclamar. Com relação às questões que sempre são publicadas na mídia, eu te diria que o presidente tem estilos que não coincidem com os meus, mas que respeito. Da mesma maneira a ex-presidente Dilma, Michel Temer também tinham diferenças com relação a mim. Cada um tem o seu estilo, mas uma vez eu posso te afirmar: o presidente é patriota, mas ele tem alguns posicionamentos que muitas vezes causam estranheza. É um estilo dele e foi eleito pela grande maioria dos brasileiros. Temos que respeitar.

AC – O partido novo tinha um candidato à presidência, João Amoedo, mas o senhor votou com o presidente Bolsonaro, não foi?

RZ – Não. No primeiro turno eu fiz campanha e apoiei o João Amoedo que era o candidato à presidência do Partido Novo e que foi bem votado. Tenho uma relação muito boa até hoje com ele. Como ficou apenas o Bolsonaro e outro candidato, eu optei publicamente por apoiar o presidente Bolsonaro, que era o candidato que tinha propostas mais semelhantes as do Partido Novo. Apoiei o Bolsonaro sim, mas muito bem lembrado, no segundo turno.

AC – mas o senhor está arrependido?

RZ – Não, de forma alguma. Vejo que esse governo, como qualquer governo, tem defeitos, mas o Brasil avançou muito e não temos hoje ninguém carregando mala de dinheiro em Brasília. Na minha opinião, isso já é um avanço muito grande. As coisas hoje estão muito mais nitidamente conduzidas com pessoas que querem ajudar o Brasil e não pro próprio bem.

AC – A falta de um ministro da Saúde, com propostas, isso também não está atrapalhando o combato ao covid-19?

RZ – Sim. Como falamos aqui, uma orientação central, com certeza ajudaria, não precisaria ter uma determinação. Temos que lembrar aqui que temos dois casos que podem ilustrar o que está acontecendo no Brasil. Na Europa – cada país que geralmente tem um tamanho de um estado aqui no Brasil, a Bahia tem um tamanho de um país como a Itália – cada país lá tomou a sua decisão. Nos Estados Unidos, cada estado tomou a sua decisão. Se nós formos avaliar, o Brasil está numa situação muito semelhante a dos Estados Unidos, sem autonomia para tomar as decisões e a realidade da Bahia é diferente da de Sergipe e muito diferente da do Rio Grande do Sul. Brasília tomar uma decisão única para um país continental com tantas experiências não seria também a solução do caso, sempre vai caber a cada governador escolher aquilo que é melhor, como estou fazendo aqui. Não determinei o que cada prefeito vai fazer. O prefeito conhece muito mais a sua cidade do que eu que estou na capital.

AC – O senhor tem um grupo de lojas de eletro, em torno de 400 lojas em Minas. O senhor também é distribuidor de combustível muito forte aí no estado. O que é que levou o senhor como empresário bem sucedido a entrar na política?

RZ – Eu tenho dito sempre que o Brasil precisa de bons gestores. Eu abri durante minha vida profissional mais de 400 lojas, umas 30 a 40 no Sul da Bahia, conheço bem a região de Caetité, Brumado, onde temos lojas, e sempre vi que falta boa gestão no setor público. Eu já vi o seguinte: o sujeito tenta a “atividade “a”, deu errado, a atividade “b”, deu errado, atividade “c” e “d” dão errado. Tudo dá errado na vida dele e ele diz: “Vou me candidatar a alguma coisa”. Infelizmente, as vezes, ganha para a infelicidade do povo e a política precisa de gente boa, de gente competente e eu sempre fui omisso. Posso dizer que já aprendi com 53 anos, quando eu me afastei da empresa e fui ser candidato, porque eu tinha dívida a pagar. Todos nós temos obrigações de participar da vida política e não precisa ser candidato não. Procure saber qual o candidato bom, dê apoio moral a ele, se for possível, dê um apoio financeiro a ele, porque com pessoas boas a frente do setor público, teremos a oportunidade de melhorar cada município, cada estado e também o Brasil. O problema do brasileiro é que ele terceirizou a política, e a política não pode ser terceirizada, a vida política é igual a vida afetiva, mas você não vai terceirizar o fato de ser marido para sua esposa, então é algo que temos que tocar juntos, não dar para deixar a política longe de nós, porque se ficar longe, pessoas mal intencionadas vão cometer abusos e esse é um grande problema do Brasil. Aqui estou pagando minha dívida como voluntário, aquilo que eu ganho, repasso para as Apaes daqui de Minas Gerais e tenho certeza que precisamos de mais pessoas assim, que querem fazer o bem e não encher o bolso de dinheiro ou dar emprego para parentes, protegidos, amigos. É dessa maneira que o Brasil vai mudar.

AC – Que a avaliação que o senhor faz de ter saído da iniciativa privada para a pública?

RZ – Eu estou me sentindo muito realizado, satisfeito, porque aqui é um mar de oportunidades. Consegui reduzir 55 mil cargos. Quais empresas no Brasil têm mais de 55 mil funcionários e estamos produzindo aqui sem nenhum grande esforço. Esse recurso hoje está sendo utilizado para o bem do povo mineiro que paga imposto e não para poder pagar cabide de emprego. É essa responsabilidade que precisamos. Estou muito satisfeito em trazer melhorias e o próprio povo mineiro considerava que era impossível. Vale lembrar que eu tive a felicidade de ter sido eleito sem apoio de grupos que sempre fizeram a má política e que querem entrar dentro do estado para poder colocar pessoas protegidas, lotear empresas estatais e, como eu sou do Partido Novo, sem gastar R$ 1,00 de dinheiro público na minha campanha, porque a bandeira do partido é: se você quer ser candidato, não gaste dinheiro do fundo eleitoral que o fundo partidário disponibiliza, que é um absurdo, porque no Brasil as pessoas passam fome para poder financiar campanhas políticas bilionárias e isso no meu ponto de vista não é o certo, então eu trouxe essa visão de seriedade, de respeitar o dinheiro que é pago como imposto.
 

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