Por Vladimir Aras
Houve um tempo em que dois policiais em motocicletas eram os heróis da molecada. A série policial CHiPs levou muitos meninos para a frente da TV nos anos 1980. Fui um dos que se divertiu com as ações dos patrulheiros Jon Baker e Frank Poncherello, da California Highway Patrol, sempre bravos e solícitos a bordo de suas motos Kawasaki.
Semana passada (10/fev), ficamos de novo paralisados diante da TV, mas desta vez também estarrecidos com a imagem de dois motociclistas da Polícia Militar da Bahia espancando covardemente (quando se trata de violência policial este advérbio quase sempre anda junto do verbo “espancar”) um garoto de seus 15 ou 16 anos, em Feira de Santana, a maior cidade do interior baiano, com quase 600 mil habitantes. O adolescente também pilotava uma moto e, logicamente, estava sem habilitação.
O fato, por si só vergonhoso, foi capturado em vídeo por uma câmera de segurança de um estabelecimento comercial situado na Av. João Durval Carneiro, uma das mais movimentadas de Feira. Logo as imagens ganharam as telas da TV e o mundo via You Tube.
Teoricamente falando, os policiais cometeram o crime de abuso de autoridade. “Teoricamente” porque, para eles, vale a garantia constitucional da presunção de inocência, um dos muitos direitos que eles próprios desrespeitaram ao surrar o adolescente Xis, pisá-lo, chutá-lo e esbofeteá-lo, diante de inúmeras testemunhas.
Fico imaginando o que homens assim fariam com esse mesmo ”suspeito” se o tivessem abordado numa rua escura de um bairro distante qualquer quando ninguém estivesse olhando…
O caso está com o Ministério Público Estadual e infelizmente é só mais uma das tantas violações de direitos humanos praticadas por parte da Polícia brasileira todos os dias. Não faz muito policiais em Pernambuco obrigaram dois presos homens a se beijarem e filmaram o abuso!
Para o crime de abuso de autoridade, o art. 3º da Lei 4.898/65 prevê pena de detenção de 10 dias a 6 meses e multa, além da perda do cargo. Conforme a Súmula 172 do STJ, “Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.”
Porém, isto não impede que, pelo mesmo fato, os dois policiais sejam processados perante a Vara da Auditoria Militar por lesões corporais, delito previsto no art. 209 do CPM (Decreto-lei 1001/69). Exatamente por isto os dois PMs foram presos para responderem ao inquérito policial militar.
Alguns podem imaginar: ah! os policiais suspeitos correm o risco de perder o cargo! Isto normalmente não ocorre na Justiça criminal em casos assim. Como a pena de abuso de autoridade é muito baixa, o crime acaba prescrevendo. Atualmente, para o abuso de autoridade o prazo prescricional é de 3 anos (art. 109, inciso VI, do CP). Isto significa que se o processo não tramitar muito rápido, ninguém será punido. Considerando os muitos recursos cabíveis e os inúmeros escaninhos processuais em que um caso como este pode repousar, a regra em situações semelhantes é a impunidade.
Pior ainda. Embora se trate de crime muito grave e socialmente reprovável, tal delito é tratado como infração penal de menor potencial ofensivo, por força da Lei 9.099/95, o que possibilita a transação penal, uma espécie de acordo entre o Ministério Público e o autor do delito perante o Juizado Especial Criminal (vide o HC 36.429/MG, STJ, 6ª Turma, rel. Hélio Quaglia Barbosa, j. 24/nov/2004).
Tomara que essa nova “série policial” acabe no episódio piloto que foi gravado em Feira de Santana. Os atores são muito ruins para o papel que deveriam desempenhar e merecem demissão. A Polícia, instituição fundamental para a sociedade, não é lugar para gente como “Massaranduba” e “Montanha” que gostam de dar “porrada” em cidadãos.