Por Vladimir Aras
Um dos melhores dramas forenses que já ganhou as telas passa-se no interior da sala do júri. Salvo por três minutos, tudo ocorre ali, num diálogo entre doze jurados. O filme é uma obra prima de Sidney Lumet.
Em “12 Homens e uma Sentença” (1957), twelve angry men decidem a sorte de um jovem porto-riquenho acusado de matar o próprio pai. Interpretado por Henry Fonda, o jurado número 8 ganha a cena ao iniciar um debate sobre a qualidade das provas apresentadas pela Promotoria, a presunção de inocência e a responsabilidade dos seus companheiros quanto ao veredicto. A vida de outro homem estava em jogo.
Nos países de common Law, onde nasceu o moderno júri, os jurados podem discutir a causa, após a sustentação oral das partes. Decidem após debaterem. Na tela, vemos uma reviravolta. O que seria uma condenação certa e rápida transforma-se numa absolvição.
A intervenção do jurado número 8 (Henry Fonda) prova o acerto da tese muito conhecida entre os profissionais americanos: basta um. Como lá os veredictos do júri devem ser unânimes, o voto negativo ou a dúvida razoável de apenas um dos doze jurados é suficiente para um hung jury ou para uma virada rumo à absolvição.
No Brasil, os jurados – que são sete e não doze – não discutem nem debatem antes de deliberar. Os votos são tomados em sigilo numa urna, sem prévia discussão entre os jurados. A coleta de votos ocorre mediante controle do juiz, na presença do Ministério Público e da defesa. A contagem para se chegar ao veredicto faz-se com a manutenção do sigilo do voto, com o uso de cédulas com as palavras “sim” e “não”. O sigilo das votações é diretriz constitucional (art. 5º, XXXVIII, “b”, CF).
Assim que assumem seus assentos no tribunal, após o sorteio do conselho de sentença, os sete jurados assumem o compromisso de incomunicabilidade. A partir dali não poderão tratar da causa com nenhum dos presentes.
Não sei se a incomunicabilidade integral dos jurados – entre eles e com as partes – é tão importante assim para a justiça concreta. Ela serve ao sigilo das votações, é óbvio, mas a ideia ínsita a qualquer tribunal é a do debate entre seus membros durante o processo de deliberação, ainda que realizado in camera, método que também favorece a confidencialidade. Como o processo é uma relação dialógica que exige a livre contraposição de ideias, talvez tenhamos assistido a uma involução na prática jurídica brasileira.
Alguém haverá de descobrir por que razão nos afastamos dessa característica original dos tribunais do júri ingleses: a livre deliberação entre os julgadores do fato (fact finders). Alguma característica especial da sociedade brasileira na primeira metade do século 20 nos terá levado a isso? Nem sempre foi assim.
Na vigência do art. 270 do Código de Processo Criminal do Império (CPCI), os jurados do júri de julgamento (segundo conselho de jurados) debatiam antes de votar:
Art. 270. Retirando-se os Jurados a outra sala, conferenciarão sós, e a portas fechadas, sobre cada uma das questões propostas, e o que fôr julgado pela maioria absoluta de votos, será escripto, e publicado como no Jury de accusação.
O júri de acusação (primeiro conselho de jurados) também deliberava em conjunto, conforme os arts. 243 e 244 do CPCI.
Ou seja, quando implantado no Brasil nosso júri – com seu arremedo de grand jury e petit jury – não era incomunicável. Isso fica muito claro no art. 248 do CPCI:
“Art. 248. Finda a ratificação do processo, ou formada a culpa, o Presidente fará sahir da sala as pessoas admittidas, e depois do debate, que se suscitar entre os Jurados, porá a votos a questão seguinte:”
Tal situação não mudou mesmo após a radical reforma produzida no processo penal brasileiro pelo Lei 261/1841 e pelo Regulamento 120 (arts. 373 a 375).
Quando veio a República, foi também criado o júri federal. Segundo os artigos 89 e 245-247 do Decreto 3084/1898, os jurados dos júris federais podiam debater a causa na sala reservada, tal como ocorrida nas sessões estaduais do tribunal popular.
Se não estou enganado, a incomunicabilidade dos jurados só aparece nos nossos procedimentos criminais durante o Estado Novo, quando se encerra a etapa da estadualização do processo penal.
O Decreto-lei 167/1938 iniciou o caminho da unificação do processo penal brasileiro, ao nacionalizar o procedimento do júri. Seu artigo 75 passou a prever a incomunicabilidade dos jurados:
Art. 75. Fechadas as portas, o conselho, sob a presidência do juiz, assistido do escrivão, que servirá de secretário, do promotor e do advogado, que se conservarão nos seus lugares, sem intervir nas discussões e votações, e de dois oficiais de justiça, passará a votar os quesitos que lhe forem propostos observada completa incomunicabilidade dos jurados.
Posteriormente, o CPP de 1941 consagrou tal incomunicabilidade plena, que persiste até hoje no art. 466, §1º: “O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa”.
No júri brasileiro, os sete jurados não dialogam. Lumet teria de filmar o seu debate noutro lugar.