Acorda Cidade
Quando surge uma passagem aérea em promoção para Londres, um dos primeiros lugares que qualquer pessoa do mundo pensa em poder visitar é o British Museum. Um passeio por seus corredores equivale a dar a volta ao mundo. É o lugar mais visitado do Reino Unido, ainda que, na realidade, as pessoas vão até ele para admirar obras da Grécia Antiga, pedras egípcias ou peças do Iraque antes da guerra de 2003.
No Louvre, em Paris, acontece a mesma coisa: o escritor argentino Julio Cortázar costumava passar noites inteiras caminhando pela imensa ala de artefatos do Egito Antigo do maior museu do mundo, às margens do Rio Sena, na capital francesa. Além dela, a ala das obras gregas possui nada menos que a Vênus de Milo, de Alexandre, feita em 101 a.C.
No entanto, uma pergunta que se tornou frequente entre especialistas da área nos últimos anos: o que seria dos grandes museus europeus se começassem a entregar todas as obras saqueadas no passado dos seus países de origem?
Alguns governos estão dando passos nessa direção: o Rijksmuseum, de Amsterdã, planeja solucionar o espólio colonial em Sri Lanka e na Indonésia devolvendo para esses países algumas peças que foram roubadas ou saqueadas há séculos. A proposta é uma reação ao trabalho de denúncia do arqueólogo britânico Sam Hardy, para quem a retenção de antiguidades que se extraíram em expedições é uma perpetuação da violência colonial.
Essas ações não se remetem apenas ao passado distante: em 2005, o arqueólogo John Russell estimou que, entre março de 2003 e o início daquele ano, de 400 a 600 mil antiguidades tinham sido saqueadas do Iraque durante o conflito entre forças europeias aliadas aos Estados Unidos e o exército local – juntas, elas valiam entre US$ 10 milhões e 20 milhões.
Esse ajuste de contas do museu holandês se soma aos planos da França: no final do ano passado, o presidente Emmanuel Macron abriu a possibilidade de entregar dezenas de peças de arte africanas que hoje integram mostras de diferentes museus franceses. Se o projeto for adiante, países como Mali, Benin, Nigéria, Senegal, Etiópia e Camarões receberão obras – eles lideram um documento que pede tais restituições.
A mudança de comportamento é recente e contrasta com a atitude que o British Museum adota em seu longo conflito com a Grécia, que pede há décadas a devolução de mármores e estátuas do Panteão de Atenas. No século 19, um embaixador britânico arrancou parte do friso do grande ícone arquitetônico da capital grega e levou a Londres para vender ao governo. Ainda que que tenha conseguido um bom dinheiro com a troca, isso só aconteceu porque tinha contatos poderosos em ambos os países.
A Espanha também enfrenta um conflito parecido – apesar de ter menos obras espoliadas em seus museus: a Colômbia reclama a volta do tesouro Quimbaya, um grupo de objetos pré-colombianos expostos no Museu da América, em Madri. Ainda que tenha sido um presente do então presidente colombiano, Carlos Holguín, à rainha María Cristina, em 1893, o país sul-americano argumenta que a atitude do ex-governante foi ilegal, porque não pediu a autorização do Parlamento.
Angola, da mesma forma, pede que Portugal devolva algumas de suas esculturas, enquanto Alemanha e Egito disputam o direito de possuir o busto de Nefertiti há décadas e o México quer que o Penacho de Moctezuma, hoje no Museu Etnográfico de Viena, na Áustria, volte à Cidade do México.
A situação dos britânicos, porém, é mais tensa: além da Grécia, países como Iraque, Chile, Egito e Turquia já pediram que o British Museum restitua peças de suas culturas antigas que foram roubadas. A avalanche de pedidos é tão grande que a administração do museu londrino decidiu abrir uma série de reuniões mensais em que explica como recebeu muitas de suas obras – operando desde outubro do ano passado, a ideia é mostrar como a maior parte do acervo não é fruto de roubo.
A Turquia, porém, tem levado o assunto de forma mais séria e há mais tempo, quando passou a pedir o retorno das esfinges de Hattusa, a antiga capital do Império Hitita, ao governo alemão – as peças estão em um dos museus de Berlim. Recentemente, o governo turco criou uma comissão que também pediu a devolução de obras que hoje atraem multidões para mostras em Nova York, Los Angeles e Paris. No processo de convencimento, o principal critério é mostrar que tem condições de manter as obras em segurança – exatamente o argumento favorável aos grandes museus da Europa.