Vladimir Aras
Às vezes, ter sorte é ter azar. Em jun/2010, Raimundo Nonato Ferreira de Souza ganhou R$1,4 milhão na quina. Quatro meses depois ele e sua esposa Liliane Gois Saldanha estavam mortos. Por causa do dinheiro. A Polícia Civil do Mato Grosso descobriu que o casal foi executado a tiros em Pontes de Lacerda/MT em out/2010. Cinco pessoas teriam participado do crime, entre eles um amigo (da onça) da vítima. Quatro dos suspeitos estão presos, inclusive um funcionário da CEF de Cacoal/RO.
Para usufruir do prêmio subtraído de Raimundo Nonato Ferreira de Souza, seu xará e ex-colega de garimpo trocou a fotografia da identidade de Souza, e passando-se pela vítima, abriu uma conta na CEF de Porto Velho/RO, para movimentar o dinheiro do prêmio.
Do mesmo modo que no caso Eliza Samúdio, os corpos das vítimas ainda não foram encontrados.
Por ora, o caso está na Justiça Estadual. A Polícia indiciou os suspeitos por extorsão mediante sequestro qualificado pelo resultado morte, crime cuja pena varia de 24 a 30 anos de reclusão (art. 159, §4º, do CP).
Porém, os autores do delito também poderão responder por uso de documento falso (art. 304 do CP). Alega-se que este crime foi cometido para abrir uma conta em agência da CEF e aparentemente contou com a participação de um economiário. Se comprovadas estas hipóteses, firma-se a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição. Considerando que o sequestro seguido de morte e o crime de falso são conexos, todo o escabroso evento deverá ser julgado pela Justiça Federal (Súmula 122 do STJ). Este é o tipo de questão processual que não pode esperar; deve ser solucionada o quanto antes pelo Ministério Público. Qualquer falha na tramitação da ação penal pode resultar em nulidade e, mais adiante, em impunidade.
A depender das provas dos autos, pode haver uma acusação adicional por lavagem de dinheiro. O crime de extorsão mediante sequestro é o único delito patrimonial (infração antecedente) cujo proveito pode ser tido em conta para a caracterização da lavagem de ativos (art. 1º, inciso IV, da Lei 9.613/98).
O bilhete premiado da quina de Cacoal custou caro a todos nós: duas vidas perdidas e uma criança órfã. Mais um crime bárbaro que encontra sua motivação na insaciável ganância humana e que revela o escasso valor de uma vida no Brasil. Tudo por dinheiro.