Feira de Santana

Moradores da Rua Miracatu relatam os dilemas de viver em um 'pantanal de lama'

O lamaçal fétido que se formou na rua impede o acesso tanto de pedestres como de veículos. É impossível caminhar na água suja e entre as baronesas que cresceram na lama.

Rachel Pinto

O Pantanal é um dos mais belos biomas brasileiros localizado entre os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e ainda em uma pequena parte da Bolívia e do Paraguai. É a maior planície de inundação do mundo e tem uma das faunas mais ricas do planeta com inúmeras espécies de peixes, mamíferos, aves e répteis. A tamanha grandeza do lugar recebeu da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a certificação de "Patrimônio Natural Mundial" e "Reserva da Biosfera". 

Tomando como referência a característica de inundação do bioma, porém em um contexto crítico e totalmente contrário às belezas existentes no Pantanal, moradores da Rua Miracatu, localizada no bairro Rocinha, em Feira de Santana, apelidaram o local de “pantanal de lama”. Eles consideram a rua como um verdadeiro pântano de lixo, água suja e dejetos. A situação, segundo eles, já existe há muitos anos; piorou depois das obras da Lagoa Grande e fez com que muitas pessoas abandonassem as suas casas e fossem morar em outro lugar.

A realidade da Rua Miracatu é sinônimo de vergonha, tristeza e situação de impotência para cerca de 50 famílias que residem na rua. A dona de casa Manuela de Jesus dos Santos, de 32 anos, contou que mora na rua há nove anos e convive diariamente com ratos, baratas, mosquitos, sapos e até peixes mortos.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

O lamaçal fétido que se formou na rua impede o acesso tanto de pedestres como de veículos. É impossível caminhar na água suja e entre as baronesas que cresceram na lama.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“A rua está toda tomada pelo esgoto a céu aberto e pela lama. Os carros não podem passar na rua e nem a gente. Aqui não tem ronda policial e não tem como a ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) passar. Uma senhora precisou de atendimento e teve que sair de casa carregada pelos familiares no colo. Estamos esquecidos e ilhados nessa água suja. Tem peixe morto e essa água nunca seca”, informou.

Segundo Manuela, outro agravante das condições da rua é que os ralos dos banheiros e vasos sanitários das residências sempre estão entupidos e com retorno de água e dejetos sanitários. Todo o contexto de inundação reflete em um problema de saúde e o mau cheiro é insuportável.

Ela disse que sente vergonha de dizer que mora na Rua Miracatu e de convidar amigos para irem até a sua casa.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“Eu tenho vergonha de dizer que eu moro aqui. O chá de fralda mesmo da minha filha eu tive que fazer em outro lugar. A gente não pode fazer nada em casa nem convidar ninguém. Se falar que é aqui o endereço ninguém quer vir. O carro da limpeza pública pega o lixo com certa distância, correspondência nem sempre chega e se comprar alguma coisa e precisar de entrega temos a maior dificuldade. Quem tem carro não pode colocar na garagem e se passar na lama suja está arriscado afundar ou danificar. Em época de chuva a situação é muito pior e só é possível passar de galocha. Certa vez um policial que estava fazendo ronda e não sabia da situação de alagamento da rua passou de moto e a arma caiu na lama. Tivemos que ajudá-lo a procurar. Aqui é muito precário e ficamos a mercê de tudo”, lamentou.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

O contador Roque Cícero Almeida também é morador da Rua Miracatu e conhecedor de todos os problemas que existem nela. Ele confirmou as dificuldades de todas as famílias que residem no local e explicou que o problema do esgotamento acontece devido a uma rede de manilhas que estão entupidas e que fica dentro de uma propriedade particular onde funciona uma rádio e que fica vizinha a rua. De acordo com ele, o problema nunca fica esclarecido e tampouco resolvido.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“A gente não entende o problema de tanta demora em resolver. A manilha passa por dentro desse terreno e até hoje o que nós sabemos é que ninguém pode mexer no terreno porque é propriedade privada. Não sabemos de quem é a propriedade. O que nós sabemos é que não temos acesso a nada. Tudo isso já foi divulgado em vários veículos e os órgãos vêm com a mesma desculpa que não têm como fazer porque a obra precisa passar por dentro desse imóvel, porque tem as manilhas nas quais elas precisam ser desentupidas. O que nós sabemos é que a Conder está à frente da obra de esgotamento”, frisou.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

Roque afirmou que nem o serviço de limpeza pública passa pela Rua Miracatu. Com tanta umidade do solo, o mato cresce com rapidez em frente a algumas residências. Os moradores são os responsáveis pela limpeza e capina dos trechos da rua que ainda não estão totalmente inundados.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

Ele salientou que a autoestima de morar em uma rua tão precária é baixíssima e que as pessoas só querem exercer o direito de ir e vir e ter acesso aos serviços básicos.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“Aqui a gente tem a nossa casa própria e não pode fazer uma pintura nem nada. Tem que colocar a proteção no portão pra lama não invadir. Meu muro já tá todo rachado e a situação é essa aí, esse pantanal de lama. Cheio de mosquito, ratos enormes e uma sensação total de insegurança e de esquecimento”, comentou.

Alergias e doenças respiratórias

Outra realidade lamentável da Rua Miracatu são os constantes problemas de saúde vivenciados pela população. Quase todo mundo que reside no lugar tem ou já teve alguma doença alérgica ou respiratória. Os idosos e crianças são os que mais sofrem e as famílias já sabem que para sobreviver a tantos problemas precisam munir-se do uso de repelentes, mosquiteiros, inseticidas, além de uma série de remédios e antialérgicos.

A professora Juliana Bastos, de 26 anos, afirmou que tem um filho de três anos e outro de oito meses e as duas crianças desenvolveram asma, rinite e sinusite devido à umidade causada pelo alagamento da rua.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“Aqui na rua tem muitas crianças e elas não podem nem sair para brincar. Nem dentro de casa as crianças podem brincar. Eu não tenho liberdade de deixar meus filhos na garagem de casa, nem de brincar ou pegar qualquer coisa do chão. No chão passa rato, barata, todo tipo de inseto e a gente fica com medo e alerta o tempo inteiro. O mato que cresce na rua e as baronesas que nasceram na água suja deixam a gente com medo de sair à noite devido à escuridão e os bichos. Nem entrar e sair de casa a gente tem direito”, acrescentou.

Esperança de dias melhores

O morador Carlos de Jesus é mais uma pessoa inconformada com as condições da Rua Miracatu, porém otimista de que com a mobilização social as coisas podem mudar. Ele declara que tenta de várias formas chamar a atenção para a problemática do lugar e assim conseguir ter uma solução efetiva. Esperançoso de que poderá um dia viver em um lugar digno, com acesso aos serviços básicos e com condição de limpeza e saúde, Carlos sempre está em contato com a mídia e com autoridades em busca de expor todas as dificuldades e conseguir alguma providência.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

“Mesmo sendo tudo tão precário a gente não tem que ter vergonha de mostrar. Infelizmente é aqui que moramos. Temos que mostrar para ver se um dia resolve. Eu acredito que um dia teremos uma rua onde poderemos entrar e sair de casa e que nossas crianças possam caminhar e brincar com tranquilidade. Que não seja mais esse pantanal de lama e lixo e que tanto nos entristece”, finalizou.

Foto: Rachel Pinto/Acorda Cidade

O que diz o Estado

Em resposta à situação da Rua Micaratu e a colocação dos moradores de que a obra de esgotamento é de responsabilidade da Conder, o deputado José Neto confirmou que os problemas do lugar já existem há décadas, não têm nada a ver com as obras da Lagoa Grande e a responsabilidade é do município.

“Evidentemente que o estado vem fazendo intervenções naquela região por uma situação que nós mesmos decidimos colaborar. Porque ali é estritamente obrigação do município, se trata de situações relacionadas a inundações de águas pluviais. Tanto que choveu agora e ela está com problemas, por conta de uma drenagem que vem do Ponto Central. Se acumula no terreno da rádio Cultura e vai bloqueando o fluxo de água de minação, inclusive, que acaba inundando a Rua Miracatu. O estado se dispôs por indicação do nosso mandato a fazer essa intervenção e está fazendo, só que a situação que foi encontrada na Rua Miracatu é muito além do que se esperava. São manilhas diversas, que são obstruídas e que são de responsabilidade do município”, comentou.

Segundo Zé Neto, nos próximos dias, o estado buscará solução técnica e talvez seja necessário o aditamento de contrato do que foi feito.

“São problemas que não estão na opta do que se esperava da obra de regularização daquelas ruas, que são ao todo 10. Inclusive já temos vários canais. A Rua Mauá estava já totalmente obstruída e a Miracatu, que foi um desafio para todos nós, continua ainda sendo enfrentado. Eu acredito que nos próximos dias teremos solução. Mas, agora, é bom frisar que a Rua Miracatu é uma rua que o governo do estado abraçou e que há décadas vem sofrendo com o descaso do município”, acrescentou. 

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