Por Vladimir Aras
Está em vigor a nova Lei de Migração (LM). Vigente em 21/11/2017, a Lei 13.445/2017 revogou o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980) e a Lei da Nacionalidade (Lei 818/1949).
É com grande satisfação que vejo a Lei Migratória entrar em vigor porque algumas inovações nela contidas resultaram de notas técnicas ou outras propostas apresentadas pela Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da Procuradoria-Geral da República com sugestões que foram aceitas pelo relator, o deputado Orlando Silva, quando o projeto estava na Câmara dos Deputados.
A LM remodela a política migratória do País, regula o tema dos vistos, disciplina o asilo, dispõe sobre medidas compulsórias, regula a naturalização e a opção de nacionalidade, e inova em cooperação penal internacional (arts. 81 a 105).
Neste item, a LM dispõe sobre extradição. Nas solicitações ativas, há algumas modificações relevantes, no art. 88 da Lei, mas sua redação é sofrível, notadamente a do seu §2º, cheio de rodeios, mas ali se lendo a atribuição do Poder Judiciário e do Ministério Público para instruir as solicitações extraídas de investigação criminal, de ação penal ou de execução penal, a serem enviadas ao exterior por intermédio do Poder Executivo.
Nos pedidos de extradição passiva, agora é obrigatória a oitiva prévia da Procuradoria Geral da República em solicitações estrangeiras, já no momento da prisão. Anteriormente, as prisões cautelares extradicionais eram decretadas num diálogo (inconstitucional) entre o Ministério da Justiça (MJ) ou a Interpol e o relator no STF, sem qualquer intervenção do PGR, seja como custos legis, seja como parte por excelência nos procedimentos de cunho criminal. Agora há solução legislativa consentânea com a CF/1988:
Art. 84. Em caso de urgência, o Estado interessado na extradição poderá, previamente ou conjuntamente com a formalização do pedido extradicional, requerer, por via diplomática ou por meio de autoridade central do Poder Executivo, prisão cautelar com o objetivo de assegurar a executoriedade da medida de extradição que, após exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade exigidos nesta Lei ou em tratado, deverá representar à autoridade judicial competente, ouvido previamente o Ministério Público Federal.
Passa a ser atribuição do MPF diligenciar a complementação de pedidos passivos de extradição mal instruídas (art. 91, §§2º e 3º, LM), devendo fazê-lo em 60 dias, podendo para isto valer-se do Itamaraty ou de providências diretas perante a Embaixada estrangeira pertinente ou a autoridade criminal competente no exterior, ou ainda lançar mão de seu poder requisitório ou de medidas judiciais no Brasil, conforme o caso.
Foi regulada expressamente a extradição voluntária (art. 87), permitindo-se de forma genérica, e não mais apenas no âmbito de tratados vigentes, o consentimento do extraditando para sua imediata entrega ao Estado requerente, ouvindo-se a defesa e a PGR, antes da decisão definitiva do STF, sem possibilidade de negativa pelo presidente da República.
Ademais, pela primeira vez, uma lei disciplina a transferência de condenados, que passa a ser de competência federal, quando passiva. No regulamento infralegal baixado pelo Ministério da Justiça (Portaria n. 572, de 11 de maio de 2016), a transferência para o Brasil de sentenciados que estejam cumprindo pena no exterior vinha sendo tratada erroneamente como tema de competência estadual, exclusivamente entre o MJ, por meio do DRCI, e as varas de execuções penais estaduais. Aplicava-se acriticamente a Súmula 192 do STJ, ignorando-se o art. 109, inciso X, da Constituição Federal, assim como a necessidade de homologação da sentença estrangeira pelo STJ (art. 105, inciso I, letra ‘i’, CF), providência que foi vetada (§3º do art. 105 da LM) pelo presidente Michel Temer, por sugestão do MJ, mas que se impõe pela força mesma da Constituição. Ainda que a transferência seja instrumento em favor do condenado, como realmente é, não se pode ignorar o fato de que a vinda do preso ao território brasileiro se faz para cumprir uma decisão penal estrangeira, que precisa ser reconhecida pelo órgão competente do Poder Judiciário local para ter eficácia.
A LM traz ainda dispositivos sobre a eficácia de sentenças penais estrangeiras (transferência de execução da pena), dando maior densidade ao princípio do reconhecimento mútuo de decisões estrangeiras, um elemento essencial à reciprocidade internacional em casos de enforcement of foreign judgments. Esta medida, aplicável quando o sentenciado já está em nossa jurisdição, é muito útil diante da impossibilidade de extradição de brasileiros natos. Doravante, sentenças condenatórias impostas no exterior poderão ser reconhecidas no Brasil, para imposição de penas privativas de liberdade, penas restritivas de direitos e penas pecuniárias, sem necessidade de início da persecução penal, a partir da estaca zero no Brasil, como se dava sob a égide da legislação anterior.
De fato, o art. 100 da Lei de Migração tem impacto sobre o art. 9º do CP, que só admitia o reconhecimento dos efeitos de sentença penal estrangeira para aplicação de medida de segurança e para reparação civil do dano e outros efeitos civis. Agora “qualquer” sentença penal estrangeira pode ser homologada pelo STJ, desde que observadas as limitações constitucionais e convencionais no tocante à pena de morte, à prisão perpétua e às penas degradantes, cruéis ou desumanas e desde que a condenação estrangeira tenha observado o devido processo legal, isto é, ao menos as garantias mínimas universalmente aceitas para um processo penal justo.
Com a possibilidade reconhecimento da decisão estrangeira transitada em julgado, também ganham maior corpo os princípios da duração razoável do processo e da economia processual, devido ao aproveitamento dos atos processuais praticados no exterior, desde a investigação e o julgamento e até a condenação. Brasileiros condenados no exterior e que procurem abrigo no Brasil não serão rejulgados aqui. Serão intimados para o cumprimento da pena, após a homologação.
A execução da sentença penal estrangeira terá curso perante a Justiça Federal (art. 102, único da LM), já que se trata de hipótese que se encaixa no art. 109, X, da CF, tanto que a decisão penal estrangeira deverá ser homologada pelo STJ (art. 101, §1º, da LM).
Na parte penal, um novo crime é introduzido no art. 232-A do CP, também de competência federal, que trata da promoção de migração ilegal, com pena de 2 a 5 anos de reclusão.
Promoção de migração ilegal
Art. 232-A. Promover, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem econômica, a entrada ilegal de estrangeiro em território nacional ou de brasileiro em país estrangeiro:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º. Na mesma pena incorre quem promover, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem econômica, a saída de estrangeiro do território nacional para ingressar ilegalmente em país estrangeiro.
§ 2º. A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) se:
I – o crime é cometido com violência; ou
II – a vítima é submetida a condição desumana ou degradante.
§ 3º. A pena prevista para o crime será aplicada sem prejuízo das correspondentes às infrações conexas.
Trata-se de preceito para a implementação do art. 6º do primeiro Protocolo à Convenção de Palermo (Decreto 5.016/2004), ou Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea.
A competência é federal por força do art. 109, V, da CF, já que se cuida de delito transnacional ou potencialmente transnacional (quando tentado) – também denominado de crime à distância – com previsão em tratado internacional vigente no Brasil.
Os crimes do art. 125, XI, XII e XIII, do Estatuto do Estrangeiro (revogado) deixam de existir ou passam a ser regulados por outras leis:
XI – infringir o disposto no artigo 106 ou 107: Pena: detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e expulsão.
As proibições impostas a estrangeiros pelos artigos citados deixam de ser crimes.
XII – introduzir estrangeiro clandestinamente ou ocultar clandestino ou irregular: Pena: detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão.
A conduta de introduzir estrangeiro foi abrangida pelo novo art. 232-A do CP, se praticada com intuito de lucro.
A conduta de ocultar estrangeiro clandestino ou irregular deixa de ser crime.
XIII – fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída. Pena: reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão.
Esta conduta constitui falsidade ideológica, prevista no art. 299 do CP.
Estas são, em suma, algumas das novidades da Lei Migratória no campo penal, processual e da cooperação internacional. Poderíamos ter uma lei melhor, é verdade, mas esta já é um apreciável avanço em relação ao que antes tínhamos.