Acusado de integrar uma poderosa e violenta organização criminosa que atua em vários Estados do País desde a década 1940, “Ciclano” agora diz que é inocente.
– Não fui eu -, alegou em seu interrogatório diante do júri.
Acompanhe agora ao vivo as alegações finais da Promotoria:
– Senhores jurados, vez por outra lemos em petições, na imprensa policial ou ouvimos no rádio e na TV que “Ciclano” foi acusado disso ou daquilo. – Foi ele! – são categóricos.
Eis a importância do princípio da presunção de inocência. Não podemos confundir “Ciclano” com “Sicrano”. Foragido da Justiça só o segundo.
“Ciclano”, o réu, é um pacato hidrocarboneto cíclico. Lembrem-se, senhores, de suas aulas de química orgânica. Este composto orgânico costumava andar na companhia dos cidadãos ”Alcano” e ”Benzeno”, todos com ficha limpa na Polícia.
Por sua vez, Sicrano e Beltrano são os comparsas do Fulano e seus verdadeiros cúmplices em várias empreitadas ilícitas, com uma enorme folha de antecedentes criminais. Pertencem à tradicional família de mafiosos napolitanos, os “di Tal”.
Como todas as máfias, esta organização criminosa surgiu na Itália no século XX de onde se ramificou pelo mundo. Seus primeiros integrantes foram “Tizio”, “Caio” e “Sempronio”, descendentes diretos dos delinquentes latinos Titius, Gaius e Sempronius, apelidados de os “monstros do Lácio“.
Com a imigração italiana para a América, parte da quadrilha foi para os Estados Unidos, onde aprendeu inglês e cooptou três novos membros: “Tom, Dick and Harry”. Anos depois, o grupo criminoso arregimentou “John Doe” e ”Jane Roe”. Uma parente desta última, que não tinha antecedentes, ficou famosa no caso Roe v. Wade, julgado pela Suprema Corte americana.
No Brasil, esses famigerados bandidos, cuja verdadeira identidade é ignorada até hoje, apareceram pela primeira vez com os nomes de “Tício”, “Caio” e “Mévio”. Suas alcunhas foram reveladas por antigos penalistas e estudiosos das ciências ocultas criminais (Nelson Hungria entre eles) que os conheceram na Itália.
Há alguns anos descobriu-se que primos destes carcamanos formavam uma gangue à parte no Brasil, composta por Fulano, Beltrano e Sicrano, que aqui se radicaram devido às belas praias e ao nosso eficiente sistema penal.
Certo é que estes facínoras já passearam por todo o Código Penal brasileiro e nunca foram presos. “Tício”, “Caio” e “Mévio” são meliantes finórios e deslizantes. Junto com ”Lívio”, formaram uma quadrilha perigosíssima que vem assombrando faculdades de Direito em todo o território nacional.
Toda a sociedade está indignada com a escalada da delinquência. Eu também, senhores. Mas não podemos enredar ”Ciclano” nesta história de ilícitos! O único crime que cometeu foi contra os falantes da língua portuguesa, que foram iludidos por sua semelhança com um dos corréus.
Não há como negar que o acusado “Ciclano”, que é quase um sósia de “Sicrano” do clã dos “di Tal”, foi reconhecido pelas vítimas. Mas, na verdade, não faz parte do bando. Ao contrário, é pessoa produto com emprego certo na indústria, domicílio conhecido no polo petroquímico desta cidade e registro completo na tabela periódica. Não pode ser rotulado de “marginal”. O único rótulo que lhe cabe é o da fábrica que o produz. O exame de DNA forense comprovou que ele é mesmo o CnH2n.
Enfim, “Ciclano” não é da gangue do ”João Ninguém” e nunca, jamais se envolveu com o crime organizado. Este hidrocarboneto é inocente, senhores jurados! Por isto, peço-lhes sua absolvição por negativa de autoria. Façam-lhe justiça!