STF

Embrulhado para presente

Dois anos depois, em 9/nov/2010, o juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal de São Paulo, condenou o delegado Protógenes a 3 anos e 11 meses de prisão em regime inicial aberto e ao pagamento de 52 dias-multa à razão de um salário mínimo.

por Vladimir Aras 

– Vai um foro privilegiado aí?

– Não, obrigado!

Esta poderia ser a resposta do delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, a quem lhe perguntasse se tem pressa em gozar do foro especial por prerrogativa de função no STF, a que tem direito como deputado federal. Há o mito, mais ou menos difundido, de que o foro privilegiado é desejado pelos réus porque facilitaria a impunidade. Agora o caso é bem diferente.

Em 2009, o Ministério Público Federal em São Paulo denunciou-o por supostos crimes relacionados à sua atuação na Operação Satiagraha, aquela que resultou na prisão do banqueiro Daniel Dantas e gerou o “HC australiano” para a soltura do empresário (STF, HC 95.009/SP, relator Eros Grau, j. em 6/11/2008).

Dois anos depois, em 9/nov/2010, o juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal de São Paulo, condenou o delegado Protógenes a 3 anos e 11 meses de prisão em regime inicial aberto e ao pagamento de 52 dias-multa à razão de um salário mínimo, em decorrência da prática de duas violações de sigilo funcional (art. 325 e §2º, CP) e fraude processual (art. 347, único, CP). Leia aqui a sentença, que foi dada a público pelo prolator.

Essa pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade e interdição temporária de direitos. Ou seja, não há prisão a cumprir. Também foi decretada a perda do cargo de DPF (art. 92, I, do CP) e fixado o valor mínimo da reparação pelo dano moral coletivo em cem mil reais (art. 387, IV, CPP).

Segundo o juiz, o acusado teria revelado a três jornalistas da Rede Globo, Cesar Tralli, Robson Cerântula e William J. dos Santos, dados sigilosos da investigação federal.

Tudo teria começado durante uma ação controlada realizada em junho de 2008, na Operação Satiagraha, com autorização da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, para obtenção de prova do crime de corrupção ativa (art. 333 do CP), por meio de gravação audiovisual. O vídeo, que teria sido editado, serviria para comprovar que duas pessoas a mando de Daniel Dantas teriam oferecido dinheiro a um delegado federal para convencê-lo a estancar a apuração de alegados crimes do banqueiro.

Segundo a sentença do juiz Mazloum, o delegado teria ainda revelado à Rede Globo a data da deflagração da Operação Satiagraha, em julho de 2008, que redundou nas prisões do próprio Daniel Dantas, do ex-prefeito Celso Pitta e do investidor Naji Nahas, entre outros.

Que tribunal julgará o recurso do deputado eleito?

Trato deste tema aqui como mero objeto de estudo, em atenção aos meus alunos de direito processual.

Há um imbroglio. Mas onde está? O dr. Protógenes foi eleito deputado federal por São Paulo em 3 de outubro, puxado pelos votos de Tiririca.

Como eleito, assim que houver a diplomação, o deputado federal Protógenes terá direito a foro especial no STF (art. 53, §1º, c/c o art. 102, inciso I, letra ‘b’, da CF). Cabe à Corte Suprema julgar os membros do Congresso Nacional, mediante ação penal originária. Logo, seu processo subirá ao Supremo em dezembro de 2010 ou imediatamente após o recesso forense, em virtude da competência ratione personae.

Se, por ocasião da diplomação, a ação penal ainda estiver na primeira instância, o juiz prolator da sentença remeterá os autos ao STF. Se já tiver sido interposta apelação ao TRF-3, esta corte deverá mandar os autos para o tribunal máximo em Brasília.

Com a alteração da competência em função da prerrogativa especial de foro, o STF dará a decisão final sobre a causa, sem que o caso passe por outras instâncias! Um dos julgadores do deputado Protógenes será o ministro Gilmar Mendes. Quando deferiu o HC para a soltura de Daniel Dantas, após a segunda prisão do empresário, o ministro Mendes anotou: “Publica-se, então na imprensa: ‘Queiroz dá o drible da vaca em Mendes’. É disso que se trata, não é de nova fundamentação, era de fundamentação idêntica com o propósito inequívoco de desmoralizar esta Corte”.

Naquele julgamento, o ministro Gilmar Mendes disse também que era “[…] nítido o verdadeiro concerto entre o Delegado e o Juiz Federal, saltando aos olhos evidente conluio voltado a, sob qualquer título, manter Daniel Valente Dantas encarcerado”.

Dois cenários se põem diante do parlamentar eleito:

a) não se diplomar deputado em dezembro ou renunciar ao mandato depois disto e manter-se longe do foro privilegiado. Neste caso, sua apelação seria julgada pelo TRF-3 e haveria a possibilidade de vários recursos, inclusive o especial para o STJ e o recurso extraordinário para o STF.

b) diplomar-se deputado e já encarar o STF, sem escalas.

Certa ou errada – não a discuto -, a condenação de Protógenes já foi proferida, tal como pretendia o MPF. A ação penal de São Paulo não será rejulgada pelo STF, devido à preclusão. A marcha processual é para adiante. A despeito da Lei 8.038/90, o STF receberá o processo na fase em que estiver. Surgirá então a situação inusitada. O que fazer para assegurar o direito do réu ao duplo grau de jurisdição?

Opções:

1. O STF apreciará a apelação criminal do réu como se fosse um recurso extraordinário porque em tal caso a decisão da 7ª Vara Criminal de São Paulo seria decisão em “única instância” (art. 102, inciso III); ou

2. O STF receberá o recurso de apelação e o julgará como tal, na condição de instância revisora dos fatos e do direito.

Por falta de perspicácia de minha parte, não visualizo outras soluções. Aposto na número 2. É a mais lógica, pois preserva o direito ao duplo grau (art. 8º, §2, letra ‘h’, do Pacto de São José da Costa Rica); respeita a preclusão; e dá sequência à relação processual que já estará submetida ao tribunal revisor (tempus regit actum).

Não é possível 0 acolhimento da apelação como recurso extraordinário, porque nesta última espécie recursal não é permitido reexaminar provas e só é possível julgar questões constitucionais decididas em única ou última instância.

O professor Douglas Fischer, que é membro do MPF em Porto Alegre, junto ao TRF-4, leciona que:

[…] podem ser encontradas situações nas quais, após a interposição do recurso adequado, há o deslocamento de foro para o julgamento da irresignação a instâncias superiores inclusive em relação àquela em que apresentada a irresignação. Deste modo, nenhum óbice existe para que, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal possa julgar originariamente (mas unicamente em face da superveniente competência por prerrogativa de foro) recursos de apelação ou em sentido estrito, interpostos quando não existente nenhuma causa que (então) justificasse o deslocamento do feito (FISCHER, Douglas. Recursos, habeas corpus e mandado de segurança no processo penal. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009).

Fischer lista dois acórdãos unânimes do STF que corroboram sua afirmação. O primeiro na Petição 3.645/PA, de que foi relator o falecido ministro Menezes Direito, julgado em 20/fev/2008; e o segundo no Inquérito 2.648/SP,  relatado pela ministra Cármen Lúcia e julgado em 12/jun/2008.

Lembro que são relevantes também a Questão de Ordem no Inquérito 1070/TO (relator Sepúlveda Pertence, j. em 6/set/2001) e o HC 85.197/RO (relator min. Marco Aurélio, j. em 28/set/2005), ambos reconhecendo a competência recursal anômala do STF em função da aquisição superveniente de foro especial pelo réu.

O juiz André Lenart tem ensinamentos preciosos sobre este tema, nos quais sustenta este mesmo entendimento. Veja os seus artigos ”Investigação e denúncia antes da diplomação de parlamentar federal” e “Recurso contra condenação de parlamentar federal antes da diplomação”, ambos publicados no blog “Reserva de Justiça”. Clique aqui e aqui.

Segundo ato

Se sua condenação for confirmada no STF, o deputado Protógenes Queiroz não será preso, mas terá seus direitos políticos suspensos (art. 15, inciso III, da CF) e perderá o cargo de delegado e o mandato de deputado, como determinam o art. 55, inciso VI, da Constituição, respeitado o §2º do mesmo artigo, e o art. 92, inciso I, alínea ‘a’, do CP.

Se isto vier a acontecer, a Câmara dos Deputados não poderá sustar o andamento da ação penal, pois tal providência só é admissível nos crimes praticados após a diplomação do eleito (art. 53, §3º, CF).

Podemos concluir que o benefício do foro especial complicou a vida do réu. É possível que, antes do Natal, o processo contra o delegado, agora deputado eleito, seja embrulhado e entregue ao STF. O que sairá desse pacote ninguém sabe, nem posso imaginar. Não me compete fazê-lo. Além do mais, minha bola de cristal está com defeito.

Inscrever-se
Notificar de
0 Comentários
mais recentes
mais antigos Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários