Por vladimir Aras
Terrorismo é “crime político”?
A questão tem relevância na ordem jurídica brasileira por dois motivos:
a) para fins extradicionais, nos termos do art. 5º, LIII, da Constituição e do art. 77, VII, da Lei 6.815/1980, que vedam a extradição quando o fato constituir crime político.
b) para determinação de competência (federal) para o julgamento de ações penais (art. 109, IV) e da competência recursal do STF para a apelação criminal (recurso ordinário) (art. 102, II, b, CF).
Esses dispositivos devem ser entendidos à luz do art. 5º, XLIII, da Constituição de 1988, que equipara o terrorismo a crime hediondo, e do art. 4º, VIII, da Constituição, que estabelece o repúdio ao terrorismo como princípio reitor das relações internacionais do Estado brasileiro.
Também vale considerar que, por força do art. 3º, inciso III, da Lei 9.474/1997, não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que tenham cometido crime hediondo ou participado de atos terroristas.
Eis o que o STF decidiu no caso Norambuena:
“O repúdio ao terrorismo: um compromisso ético-jurídico assumido pelo Brasil, quer em face de sua própria Constituição, quer perante a comunidade internacional. Os atos delituosos de natureza terrorista, considerados os parâmetros consagrados pela vigente Constituição da República, não se subsumem à noção de criminalidade política, pois a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essenciais que devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII), além de haver qualificado o terrorismo, para efeito de repressão interna, como crime equiparável aos delitos hediondos, o que o expõe, sob tal perspectiva, a tratamento jurídico impregnado de máximo rigor, tornando-o inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado e reduzindo-o, ainda, à dimensão ordinária dos crimes meramente comuns (CF, art. 5º, XLIII). A Constituição da República, presentes tais vetores interpretativos (CF, art. 4º, VIII, e art. 5º, XLIII), não autoriza que se outorgue, às práticas delituosas de caráter terrorista, o mesmo tratamento benigno dispensado ao autor de crimes políticos ou de opinião, impedindo, desse modo, que se venha a estabelecer, em torno do terrorista, um inadmissível círculo de proteção que o faça imune ao poder extradicional do Estado brasileiro, notadamente se se tiver em consideração a relevantíssima circunstância de que a Assembléia Nacional Constituinte formulou um claro e inequívoco juízo de desvalor em relação a quaisquer atos delituosos revestidos de índole terrorista, a estes não reconhecendo a dignidade de que muitas vezes se acha impregnada a prática da criminalidade política.” (STF, Ext 855, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 26.08.2004).
Conceito de crime político
Não há consenso sobre este tema, seja no direito comparado ou no direito brasileiro.
No caso Cesare Battisti, pode-se perceber o alcance da indeterminação:
19. A impossibilidade de vincular o Presidente da República à decisão do Supremo Tribunal Federal se evidencia pelo fato de que inexiste um conceito rígido e absoluto de crime político. Na percuciente observação de Celso de Albuquerque Mello, “A conceituação de um crime como político é (…) um ato político em si mesmo, com toda a relatividade da política” (STF, EXT 1085 PET / República Italiana, rel. para o acórdão, Min. Luiz Fux, j. em 08.06.2011).
A Constituição brasileira de 1988 utiliza três vezes as expressões “crime político” ou “crimes políticos”, mas não oferece qualquer conceito.
art. 5º, inciso LII: “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”
art. 109, inciso IV: compete aos juízes federais julgar “os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
art. 102, inciso II, alínea b, compete ao STF “julgar, em recurso ordinário, o crime político”.
Para Bento de Faria, delito político é todo atentado contra a ordem política da nação, quer externa, quer interna, ou seja, contra a estrutura e a segurança do Estado. E Pontes de Miranda ensinou que os crimes poíticos são aqueles “perpretados contra a ordem política da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios“.
Tradicionalmente, conforme a lição de juristas como Luis Jimenez de Asúa, os crimes políticos são classificados em “puros” e “complexos”. Aqueles vulneram apenas a organização política estatal; estes, também chamados de “mistos”, lesionam também bens jurídicos tutelados pelo direito penal comum.
Quanto aos crimes políticos puros, o STF entendeu:
“Extraditando acusado de transmitir ao Iraque segredo de estado do Governo requerente (República Federal da Alemanha), utilizável em projeto de desenvolvimento de armamento nuclear. Crime político puro, cujo conceito compreende não só o cometido contra a segurança interna, como o praticado contra a segurança externa do Estado, a caracterizarem, ambas as hipóteses, a excludente de concessão de extradição.” (Ext 700-QO, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 05/11/1999)
Não foram poucas as tentativas de definição. No direito comparado, pode-se lembrar do caso Schtraks v. Governo de Israel, julgado nos anos 1960 em última instância pela Câmara dos Lordes, em Londres, quando se tentou definir crimes políticos para fins de extradição.
Na Extradição 1085, caso Cesare Battisti, lê-se do voto do relator, ministro Cezar Peluso: “Sobressaem, no âmbito doutrinário, três teorias: a objetiva, a subjetiva e a mista. A primeira conceitua o crime político segundo a natureza do bem jurídico tutelado (p.ex., a organização político-jurídica do Estado). A segunda releva a finalidade perseguida pelo agente, qualquer que seja a natureza dos bens lesionados. A teoria mista, por fim, agrega as duas, exigindo que tanto o bem jurídico atacado, como a motivação do agente sejam de índole política” (STF, Ext. 1085, rel. min. Cezar Peluso, j. em 16.12.2009).
O crime político pode ser assim definido como uma conduta que tem motivações políticas; ou por uma conduta que tem uma finalidade política; ou somente existirá quando motivos e fins forem políticos. Esta última é a posição do STF, como se percebe neste julgado de 2002:
“O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que, para configuração do crime político, previsto no parágrafo único do art. 12 da Lei nº 7.170/83, é necessário, além da motivação e os objetivos políticos do agente, que tenha havido lesão real ou potencial aos bens jurídicos indicados no art. 1º da citada Lei nº 7.170/83. Precedente: RCR 1.468-RJ, Maurício Corrêa para acórdão, Plenário, 23/3/2000.” (STF, RC 1.470, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 19/04/2002)
Tal entendimento resulta da aplicação do art. 2º da Lei 7.170/1983, que exige que se leve em conta para a configuração de crime contra a segurança nacional a motivação e os objetivos do agente; e a lesão real ou potencial aos bens jurídicos mencionados no art. 1º da LSN, quais sejam: a integridade territorial e a soberania nacional; o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; e a pessoa dos chefes dos Poderes da União.
A essa abordagem teórica, ao longo dos anos, foram agregados critérios de preponderância ou de principalidade, para autorizar a cooperação jurídica internacional. Como nem a Constituição nem as leis conceituam crime político, esta tarefa cabe ao STF, especialmente por sua competência originária em matéria extradicional, à luz do §2º do art. 77 da Lei 6.815/1980.
“Crime político. Exame da sua configuração, como exceção impeditiva da concessão da extradição, deferida exclusivamente pelo STF. Crime complexo ou crime político relativo, critério para a sua caracterização assentado na predominância da infração penal comum sobre aquelas de natureza política. Art. 77, pars. 1 e 2 da Lei 6.815/1980. Não havendo a Constituição definido o crime político, ao Supremo cabe, em face da conceituação da legislação ordinária vigente, dizer se os delitos pelos quais se pede a extradição, constituem infração de natureza política ou não, tendo em vista o sistema da principalidade ou da preponderância.” (STF, Pleno, Ext. 615, Rel. Min. Paulo Brossard, j. em 19.10.1994).
A legislação extradicional brasileira incorporou essas ideias, de modo que o §1° do art. 77 do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980) estabelece que poderá haver extradição por crime político (complexo) quando o fato constituir, principalmente, infração da lei penal comum (critério de preponderância), ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal (critério de principalidade).
O §3° do referido art. 77 vai mais longe ao autorizar o Supremo Tribunal Federal a deixar de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, sequestro de pessoa, ou que importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social.
O STF valeu-se desta distinção no caso Mario Eduardo Firmenich. no qual a Corte utilizou o critério de prevalência dos elementos de crime comum sobre o conteúdo político, considerando que os fatos de que Firmenich era acusado na Argenina “caracterizam, em princípio, terrorismo, sabotagem, sequestro de pessoas, propaganda de guerra e processos violentos de subversão da ordem” (STF, Ext. 417, Rel. Min. Oscar Corrêa, j. em 20.05.1984). A lição embutida nesse processo extradicional é a de que a prática de violência cruenta ou de sangue é incompatível com o conceito de crime político “puro”.
A dicotomia conceitual de crimes políticos para fins do direito interno e do direito internacional
Na Constituição brasileira, “crime político” é um conceito jurídico indeterminado, havendo duas dimensões de sua inserção: uma interna (para o direito interno); outra externa (para o direito internacional).
Para Luiz Regis Prado e Erika Mendes de Carvalho, o terrorismo não é crime político:
O crime político não se confunde com o terrorismo. Com efeito, o ato terrorista se caracteriza pela intenção do agente de criar, por meio de sua ação, um clima de insegurança e de medo na sociedade ou nos grupos que visa a atingir. Pode ser genericamente definido o crime de terrorismo como o emprego intencional e sistemático de meios destinados a provocar o terror com o objetivo de alcançar certos fins, políticos ou não.
No caso Abílio Diniz, o STF enfrentou em recurso extraordinário alegação de incompetência da Justiça Estadual para o julgamento do sequestro cometido em 1989. A defesa pretendia transferir a ação penal para a Justiça Federal, sob a alegação de que os dez sequestradores (cinco chilenos, dois argentinos, dois canadenses e um brasileiro) do empresário haviam cometido crime político, e não crime comum de sequestro extorsivo. A Corte não conheceu do recurso, mas o acórdão tem importantes elementos sobre a distinção entre crimes políticos e crimes comuns, no plano da competência (interna) e no âmbito das relações extradicionais (externas).
I. Crime político: conceituação para o fim de verificar a competência da Justiça Federal, segundo a Constituição (art. 109, IV); dimensões constitucionais do tema. Quando, para a inteligencia de uma norma constitucional, for necessario precisar um conceito indeterminado, a que ela mesma remeteu – como e o caso da noção de crime político, para a definição da competência dos juizes federais -, é imperativo admitir-se, no recurso extraordinário, indagar se, a pretexto de concretizá-lo, não terá, o legislador ou o juiz de mérito das instâncias ordinárias, ultrapassado as raias do âmbito possivel de compreensão da noção, posto que relativamente imprecisa, de que se haja valido a Lei Fundamental. II. Crime político: conceito: impertinência ao direito interno das exceções admitidas para fins extradicionais. 1. As subtrações admitidas pelo art. 77, par. 1. e 3.,da Lei de Estrangeiros ao âmbito conceitual do crime político só se explicam para o efeito limitado de facultar excepcionalmente a extradição, não obstante ser o crime político, quer pela motivação ou os objetivos do agente, quer pela natureza do bem jurídico protegido pela norma incriminadora 2. Para efeitos de direito interno, dar prevalência, na qualificação de uma infração penal complexa, aos seus aspectos politicos ou as suas conotações de criminalidade comum é uma opção de cada ordenamento nacional positivo, com a qual nada tem a ver a razão de ser das restrições dominantes, só para efeitos extradicionais, ao conceito de delito político. 3. Uma vez que a Lei de Segurança Nacional mesma é que, no art. 20, arrola entre os crimes politicos a extorsão mediante sequestro, desde que vise a “obtenção de fundos destinados a manutenção de organizações politicas clandestinas ou subversivas”, destroi-se por si só o argumento de que bastaria, a elisão do caráter político desse mesmo delito – assim qualificado pela lei – que nele se contivessem os elementos tipicos de crime comum, classificado de hediondo. III. Crime político: caracterização: relatividade. É da essência da criminalidade politica a pertinência dos bens e valores tutelados pelas normas da incriminação que a compõe, em cada sistema jurídico nacional, a identidade e ao ordenamento político do Estado respectivo. Por isso, sob a ótica da ordem jurídica brasileira, um fato submetido a sua jurisdição e que, sob a perspectiva de um ordenamento estrangeiro, configure crime político, não terá aqui a mesma qualificação jurídica, salvo se simultaneamente ofender ou ameaçar a segurança ou a ordem político-social brasileiras. Os fatos pelos quais condenados os recorrentes podem ser reputados delitos politicos pelos Estados contra cujos sistemas e valores de caráter político os agentes pretendessem dirigir a atividade finalistica da associação clandestina e a aplicação, nela, do produto da extorsão que aqui obtivesse exito; para o Brasil, entretanto -, a cuja ordem politica são estranhos a motivação e os objetivos da ação delituosa -, o que existe são apenas os crimes comuns configurados – independentemente de tais elementos subjetivos do tipo – pela materialidade da conduta dos agentes. (STF, Pleno, RE 160.841, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 22/09/1995).
Neste julgado, o relator, min. Sepúlveda Pertence, marcou a distinção entre as dimensões de direito interno e de direito internacional dos crimes políticos ao afirmar:
“No que toca à definição do crime político, a Constituição, que a toma como critério de delimitação de duas normas suas – no âmbito interno, da competência dos juízes federais e, em recurso ordinário – do STF (CF, arts. 109, IV, e 102, II, b) e, no campo internacional, da proibição de extraditar (art. 5º, LIII) –, não a remeteu expressamente à lei ordinária: por isso, aí, com mais razão, à questão não se pode negar liminarmente qualquer alçada constitucional, ao menos na medida necessária a que se possa averiguar da razoabilidade da concretização legal do conceito, à luz dos parâmteros constitucionais adequados”.
Como bem disse o ministro Pertence naquela ocasião, “só para o efeito de extradição é que faz sentido” tentar descaracterizar o “caráter político do crime“. Essa compreensão decorre do §3º do art. 77 da Lei 6.815/1980, segundo o qual:
§ 3° O Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social.
Diz ele: “Cuida-se de enumerar as hipóteses em que, para fins extradicionais, ‘o Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crimes políticos’, obviamente, delitos que verdadeiramente o sejam para outros efeitos: do contrário, o dispositivo seria de uma ociosidade berrante”. Noutras palavras, os crimes listados no §3º do art. 77 da Lei Extradicional são políticos, mas, exclusivamente para fins extradicionais, o STF pode deixar de assim considerá-los, tendo em mira os critérios de preponderância ou de principalidade, de modo a autorizar a entrega de procurados a Estados estrangeiros.
Note que o crime de terrorismo está listado entre aqueles que o STF pode deixar de considerar políticos para fins de extradição, e só para fins de extradição. Esta exclusão, na dimensão internaiconal dos delitos políticos, só faz sentido se o terrorismo for um crime político (complexo).
De fato, tais subtrações, explica o ministro Pertence, “só se explicam para o efeito limitado de facultar excepcionalmente a extradição, não obstante ser o crime político, quer pela motivação ou os objetivos do agente, quer pela natureza do bem jurídico protegido pela norma incriminadora”.
E completa: “uma das razões subjacentes à vedação universal da extradição por crimes políticos está na relatividade, no tempo e no espaço, dos valores tutelados pelo delito político puro, o que já não ocorre na hipótese dos crimes complexos“. Este último é o caso do terrorismo.
O terrorismo como crime político
O terrorismo só veio a ser amplamente tipificado no Brasil com a Lei 13.260/2016, que assim o descreve:
Art. 2o O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
A estruturação do tipo penal lembra a dos crimes da Lei de Segurança Nacional que exigem motivação e finalidade específicas.
No âmbito da LSN, há várias condutas que podem ser categorizadas como “terrorismo”. Cito três delas:
Art. 15 – Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
Art. 19 – Apoderar-se ou exercer o controle de aeronave, embarcação ou veículo de transporte coletivo, com emprego de violência ou grave ameaça à tripulação ou a passageiros.
Pena: reclusão, de 2 a 10 anos.
Art. 20 – Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
Assim se percebe que a legislação antiterror brasileira é formada por um complexo normativo entre a Lei 7.170/1983 e a Lei 13.260/2016, às quais se acomplam a Lei 12.850/2013 (Lei de Organizações Criminosas) e Lei 13.170/2016 (Lei de Bloqueio de Ativos Terroristas).
Segundo Cindy Combs, terrorismo é um ato composto por quatro elementos:
It is an act of violence
It has a political motive or goal
It is perpetrated against civilian non-combatants
It is staged to be played before an audience whose reaction of fear and terror is the desired result” (COMBS, Cindy. Terrorism in the Twenty-First Century. 6.ed. Boston: Longman, 2011).
Diz ela: “A political motive thus may be termed necessary but it is no sufficient to earn for an action a ‘political offense` status under international law“. Deste modo, na mesma linha do STF e da Lei Extradicional brasileira, o caráter político do crime de terrorismo não impedirá a extradição, devido ao critério da preponderância ou da principalidade (art. 77 da Lei 6.815/1980). Mas esta exceção, talhada para fins extradicionais, não despe o terrorismo de sua natureza política, como delito político complexo.
Aliás, é bom que se diga que a classificação de Combs desnuda um dos tantos problemas da redação do art. 2º da Lei Antitterror, que é a escandalosa falta da motivação política entre as razões determinantes da ação terrorista.
Voltando ao ponto, podemos dizer que o terrorismo pode ser encaixado comodamente entre os crimes políticos complexos, marcando-se a diferença de abordagem que tal categoria merece, para fins do direito interno (competência) e para fins do direito internacional (extradição).
Tal natureza é confirmada pela preocupação dos textos convencionais em matéria antiterrorismo de excluirem a exceção de caráter político do terrorismo, quando se cuida de cooperação jurídica internacional. Dou como exemplo o art. 11 da Convenção Interamericana contra o Terrorismo, concluída em Barbados em 2002 e promulgada pelo Decreto 5.639/2005:
Artigo 11. Inaplicabilidade da exceção por delito político
Para os propósitos de extradição ou assistência judiciária mútua, nenhum dos delitos estabelecidos nos instrumentos internacionais enumerados no Artigo 2 será considerado delito político ou delito conexo com um delito político ou um delito inspirado por motivos políticos. Por conseguinte, não se poderá negar um pedido de extradição ou de assistência judiciária mútua pela única razão de que se relaciona com um delito político ou com um delito conexo com um delito político ou um delito inspirado por motivos políticos.
Atente para a cláusula “para os propósitos de extradição” e digamos de outro modo: ainda que o terrorismo seja um crime político – como é -, não será assim considerado para fins de extradição ou de prestação de assistência jurídica mútua. Tal exceção, usual para os crimes políticos em geral (especialmente para os delitos políticos puros), não se aplicará ao terrorismo (delito complexo) e este crime será sempre tido como infração penal extraditável.
Redação muito semelhante está no art. 14 da Convenção Internacional para Supressão do Financiamento do Terrorismo, concluída em Nova York em 1999 e promulgada no Brasil pelo Decreto 5.640/2005:
Artigo 14
Nenhum dos delitos a que se refere o Artigo 2 será considerado, para fins de extradição ou assistência jurídica mútua, crime político ou delito associado a crime político ou delito inspirado em motivação política. Da mesma forma, uma solicitação de extradição ou assistência jurídica mútua baseada em tal delito não poderá ser recusada unicamente com base no fato de que envolve crime político ou delito associado a crime político ou delito inspirado em motivação política.
Esquematicamente:
a Constituição de 1988 repudia o terrorismo (art. 4º, VIII, CF) e a própria lei brasileira (art. 77 da Lei 6.815/1980) permite que o STF, juiz natural para a extradição passiva (art. 102, CF), deixe de considerar atos de terrorismo crimes politicos, o que torna, portanto, o terrorismo um crime extraditável e passível de assistência jurídica mútua.
os tratados internacionais antiterrorismo costumam prever a obrigação legal de extraditar, independentemente da natureza política do crime ou da motivação política do delito de terrorismo.
o terrorismo é um crime político complexo e, como tal, está sujeito a extradição pelo critério de preponderância do caráter comum do crime ou pelo critério de principalidade, à luz do art. 77 da Lei 6.815/1980.
Realmente, pelo § 1° do art. 77 da Lei 6.815/1980, a exceção do item VII desse artigo não impedirá a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal. Disposições de tratados do regime global antiterror (como as convenções de Barbados contra o terrorismo e de Nova York para a supressão do financiamento do terrorismo) reforçam esta compreensão.
Ademais, conforme o §3º, o Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social.
Nesta linha, vale de novo lembrar o caso Norambuena, no qual o STF realçou que o terrorismo não pode ser tido como crime político para fins extradicionais:
EXTRADIÇÃO – ATOS DELITUOSOS DE NATUREZA TERRORISTA – DESCARACTERIZAÇÃO DO TERRORISMO COMO PRÁTICA DE CRIMINALIDADE POLÍTICA – (…) O REPÚDIO AO TERRORISMO: UM COMPROMISSO ÉTICO-JURÍDICO ASSUMIDO PELO BRASIL, QUER EM FACE DE SUA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO, QUER PERANTE A COMUNIDADE INTERNACIONAL. – Os atos delituosos de natureza terrorista, considerados os parâmetros consagrados pela vigente Constituição da República, não se subsumem à noção de criminalidade política, pois a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essenciais que devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII), além de haver qualificado o terrorismo, para efeito de repressão interna, como crime equiparável aos delitos hediondos, o que o expõe, sob tal perspectiva, a tratamento jurídico impregnado de máximo rigor, tornando-o inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado e reduzindo-o, ainda, à dimensão ordinária dos crimes meramente comuns (CF, art. 5º, XLIII). – A Constituição da República, presentes tais vetores interpretativos (CF, art. 4º, VIII, e art. 5º, XLIII), não autoriza que se outorgue, às práticas delituosas de caráter terrorista, o mesmo tratamento benigno dispensado ao autor de crimes políticos ou de opinião, impedindo, desse modo, que se venha a estabelecer, em torno do terrorista, um inadmissível círculo de proteção que o faça imune ao poder extradicional do Estado brasileiro, notadamente se se tiver em consideração a relevantíssima circunstância de que a Assembléia Nacional Constituinte formulou um claro e inequívoco juízo de desvalor em relação a quaisquer atos delituosos revestidos de índole terrorista, a estes não reconhecendo a dignidade de que muitas vezes se acha impregnada a prática da criminalidade política. EXTRADITABILIDADE DO TERRORISTA: NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E ESSENCIALIDADE DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA REPRESSÃO AO TERRORISMO. – O estatuto da criminalidade política não se revela aplicável nem se mostra extensível, em sua projeção jurídico-constitucional, aos atos delituosos que traduzam práticas terroristas, sejam aquelas cometidas por particulares, sejam aquelas perpetradas com o apoio oficial do próprio aparato governamental, à semelhança do que se registrou, no Cone Sul, com a adoção, pelos regimes militares sul-americanos, do modelo desprezível do terrorismo de Estado. – O terrorismo – que traduz expressão de uma macrodelinqüência capaz de afetar a segurança, a integridade e a paz dos cidadãos e das sociedades organizadas – constitui fenômeno criminoso da mais alta gravidade, a que a comunidade internacional não pode permanecer indiferente, eis que o ato terrorista atenta contra as próprias bases em que se apóia o Estado democrático de direito, além de representar ameaça inaceitável às instituições políticas e às liberdades públicas, o que autoriza excluí-lo da benignidade de tratamento que a Constituição do Brasil (art. 5º, LII) reservou aos atos configuradores de criminalidade política. – A cláusula de proteção constante do art. 5º, LII da Constituição da República – que veda a extradição de estrangeiros por crime político ou de opinião – não se estende, por tal razão, ao autor de atos delituosos de natureza terrorista, considerado o frontal repúdio que a ordem constitucional brasileira dispensa ao terrorismo e ao terrorista. – A extradição – enquanto meio legítimo de cooperação internacional na repressão às práticas de criminalidade comum – representa instrumento de significativa importância no combate eficaz ao terrorismo, que constitui “uma grave ameaça para os valores democráticos e para a paz e a segurança internacionais (…)” (Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, Art. 11), justificando-se, por isso mesmo, para efeitos extradicionais, a sua descaracterização como delito de natureza política. Doutrina. (STF, Ext 855, Relator Min. Celso de Mello, julgado em 26/08/2004).
Para Cerezo Mir, no seu Curso de direito penal espanhol:
“não se pode esquecer que o conceito de delito político é um conceito teleológico elaborado em função de um fim, que não é outro senão o de excluir da extradição os delinqüentes políticos, dispensar-lhes um tratamento penitenciário especial, mais benévolo, e conceder-lhes, conforme o caso, a anistia. Somente os delinqüentes políticos puros merecem esse tratamento de maior benevolência”.
Considerando os dispositivos constitucionais e legais vigentes no Brasil, tal tratamento mais benévolo (extradicional e em execução penal) não ocorrerá para o crime de terrorismo, ainda que componha a categoria dos crimes políticos.
Conclusão
Tendo em conta as dimensões interna (no campo da competência) e internacional (no campo da extradição e da cooperação jurídica em geral) dos crimes políticos, pode-se concluir que:
a) o terrorismo é um crime político complexo;
b) no Brasil os crimes de terrorismo estão previstos na Lei 7.170/1983 e na Lei 13.260/2016;
c) o tipo penal do art. 2º da Lei 13.260/2016 contém grave omissão por não incluir a motivação política entre os possíveis móveis ou finalidades do agente;
d) embora seja crime político (complexo), devido a expressa reprovação constitucional, o terrorismo é crime equiparado a hediondo;
e) embora seja crime político, não se aplica ao terrorismo a regra limitativa da extradição e da cooperação em geral, pelo fato de a Constituição repudiar o terrorismo e considerá-lo hediondo, assim como pelo fato de a legislação brasileira adotar os critérios de preponderância e de principalidade (art. 77, §§ 1º a 3º, da Lei 6.815/1980);
f) o terrorismo é um crime extraditável e passível de cooperação internacional, conforme tratados internacionais de que o Brasil é parte;
g) como crime político, o terrorismo é de competência da Justiça Federal (art. 109, IV), estando a ação penal sujeita a recurso ordinário perante o STF (art. 102, II, b).
O tema ‘g’ será objeto de outro post.