Por Vladimir Aras
Com o fim da 2ª Guerra Mundial em 1945, vários criminosos nazistas fugiram da Europa para não serem julgados por crimes de guerra e contra a humanidade. A Corte de Nuremberg e os tribunais ordinários ou militares dos países atingidos pelo conflito armado os esperavam. Mas muitos tiveram a ajuda de autoridades, religiosos e pessoas comuns para escapar.
Para deixar a Europa, tais criminosos usavam rotas de fuga conhecidas como ratlines, que se costuma traduzir por “caminhos de ratos”. Na verdade, um “ratline” é um degrau no cordoamento de uma embarcação a vela, ou melhor, uma corda que une os ovéns, que são os cabos de amarração dos mastros, formando uma escada.
Dos muitos nazistas que encontraram esconderijo na América do Sul, graças às ratlines, somente uns poucos foram extraditados.
Klaus Barbie, o “Carniceiro de Lyon”, foi um deles. Escondera-se na Bolívia, onde serviu aos ditadores Hugo Banzer e Luiz García Meza Tejada, até ser extraditado para a Franca em 1983. Morreu em Lyon em 1991, enquanto cumpria pena de prisão perpétua.
O advogado alemão Gerhard Bohne, acusado de participação no programa de extermínio Aktion T4, foi preso na Argentina em 1964. Extraditado para a Alemanha dois anos depois, Bohne não chegou a ser julgado. A justiça o dispensou por motivos de saúde. Morreu em 1981, sem cumprir pena pelas 15 mil mortes de pessoas enfermas ou com deficiência que ajudou a selecionar para execução no programa nazista de eutanásia.
Arquiteto da Solução Final desejada por Hitler para eliminação de todos os judeus da Europa, Adolf Eichmann também fugiu para a Argentina, de onde foi abduzido pelo Mossad em 1960. Sua retirada do território argentino, sem processo de extradição, provocou um conflito diplomático entre os dois países. Julgado em Israel, foi condenado a morte e executado em 1962.
Barbie, Bohne e Eichamann serviram à Schutzstaffel (SS), a temida tropa de proteção ligada ao partido nazista, mas tiveram destinos processuais diferentes, à luz do direito extradicional.
Quatro famosos criminosos de guerra, Franz Paul Stangl, Gustav Wagner, Josef Mengele e Herberts Cukurs, escolheram o Brasil como refúgio. Como os demais usuários das ratlines, também buscavam aqui a impunidade. Somente Stangl foi extraditado.
Franz Stangl, a “Morte Branca”, comandara os campos de extermínio de Treblinka e Sobibór, na Polônia, e de Hartheim, na Áustria. Ex-oficial da cruel SS, Stangl conseguiu esconder-se no Brasil por vários anos, até ser preso, em 28 de fevereiro de 1967, em São Paulo. Em junho daquele mesmo ano, Stangl foi extraditado para a Alemanha Ocidental (STF, Extradição 274, rel. Min. Victor Nunes Leal). Julgado em Dusseldorf, foi condenado a prisão perpétua, e morreu na cadeia dois anos depois.
Também ex-oficial da SS, Gustav Franz Wagner, conhecido como a “Besta de Sobibór”, era acusado por Alemanha, Áustria e Israel, de crimes cometidos no campo de extermínio de Sobibór, situado na Polônia. Wagner foi preso em Atibaia, São Paulo, em maio de 1978. No ano seguinte, em processos de relatoria do min. Cunha Peixoto, o STF negou os pedidos de extradição formulados por Alemanha Ocidental (EXT 356), Israel (EXT 358), Áustria (EXT 359) e Polônia (EXT 360), por unanimidade, sobretudo em função da prescrição da pretensão punitiva, aferida com base na lei brasileira. Wagner suicidou-se em 1980 aos 69 anos e nunca foi julgado pelas atrocidades que cometeu na Polônia ocupada.
Josef Mengele, um dos macabros médicos do campo de Auschwitz, conhecido como “Anjo da Morte”, nunca foi preso. Procurado pela Alemanha Ocidental para extradição, Mengele morreu afogado numa praia em Bertioga, no interior de São Paulo, em 1979.
Herberts Cukurs era piloto da força aérea letoniana e colaboracionista. Depois da 2ª Guerra, o “Carrasco de Riga” morou em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em 1965, foi atraído ao Uruguai por agentes israelenses do Mossad e acabou morto num justiçamento, na chamada operação Riga. Seu corpo foi encontrado em Montevidéu numa cena típica de execução.
Quatro nazistas com quatro destinos diferentes. Em apenas um dos casos, o processo extradicional foi útil e suficiente para assegurar a punição de autores de gravíssimos crimes contra a humanidade.
Relações extradicionais bilaterais germano-brasileiras
Apesar de seu rico histórico de fugas de importantes criminosos nazistas de lá para cá, Brasil e Alemanha não têm tratado bilateral de extradição.
Não têm hoje. Mas já tiveram.
Em 17 de setembro de 1877, foi concluído no Rio de Janeiro, por troca de notas, o tratado entre o Império do Brasil e o Império Alemão.
Segundo o seu art. 1º, as partes obrigavam-se “à reciproca entrega de todos os individuos que, nos casos previstos pelas clausulas do presente tratado, tiverem sido, no territorio da parte reclamante, condemnados ou pronunciados, ou contra os quaes houver mandado de prisão expedido por autoridade competente, como autores ou complices de algum dos crimes ou delictos” que o tratado listava.
O acordo não permitia a entrega de nacionais:
Art. 2º Nenhum subdito brazileiro será entregue pelo Governo do Brazil a um dos Governos do Imperio Allemão, e por parte destes Governos nenhum subdito allemão será entregue ao Governo Brazileiro.
Entretanto as altas partes contractantes se obrigam a fazer processar e julgar os seus respectivos nacionaes, que tiverem commettido qualquer dos crimes ou delictos enumerados no art. 1º si a legislação do paiz requerido autorizar, em caso semelhante, o julgamento desse crime ou delicto, quando commettido por seus nacionaes fóra do seu territorio. (sic)
Contudo, o documento regulava também outras formas de cooperação internacional probatória em seu arts. 14 a 16, inclusive a transferência voluntária de depoentes, medida avançada para um texto do século XIX.
Promulgado pelo Decreto 6.946, de 25 de junho de 1878, o tratado germano-brasileiro não está mais em vigor desde 1913.
Denúncia dos tratados do Império do Brazil
O art. 12 da Lei n. 2.416, de 28 de junho de 1911, determinou a denúncia de todos os tratados firmados pelo Brasil imperial. Esta lei ainda parcialmente em vigor, regulava a “extradição de nacionaes e estrangeiros e o processo e julgamento dos mesmos, quando, fóra do paiz, perpetrarem algum dos crimes mencionados nesta lei”.
Havia na época 17 tratados bilaterais em vigor. Todos foram atingidos pela decisão unilateral do Brasil de deles desvincular-se, em face do regime republicano iniciado em 1889.
Segundo Arthur Briggs, “A denuncia de todos os tratados foi feita de janeiro a abril de 1913, por intermédio da Legação brasileira nos varios paizes”. (BRIGGS, Arthur. Nacionaes e estrangeiros. Commentarios e informações sobre a Lei n. 2.416, de 28 de junho de 1911. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1919).
O tratado bilateral de 1898 só foi efetivamente suprimido do ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 10.449, de 18 de setembro de 1913.
Extradição por promessa de reciprocidade
Ao decidir a extradição de Franz Stangl em 1967, o STF registrou que a reciprocidade é fonte reconhecida do direito extradicional e que a lei brasileira autoriza o governo a oferecê-la, não sendo necessário referendo do Congresso Nacional para aceitá-la (Ext 274, rel. Min. Victor Nunes Leal, j. 1967).
No seu parecer no caso Stangl, o então Procurador-Geral da República Haroldo Valadão ensinou:
“E, ainda o Supremo Tribunal Federal no acórdão leader do saudoso e eminente juiz e especialista Rodrigo Octávio: “A falta de tratado não é, entretanto, obstáculo ao presente pedido de extradição, em face dos princípios liberais da nossa lei, que autoriza a extradição independentemente de reciprocidade só exigida quanto à extradição de nacionais”.
De fato, o art. 87 do Decreto-lei 941, de 13 de outubro de 1969, que entrou em vigor logo depois daquele histórico julgamento, dispunha que “A extradição de estrangeiro poderá ser concedida quando o governo de outro país a solicitar, invocando convenção ou tratado firmado com o Brasil e, em sua falta, a existência de reciprocidade de tratamento“.
Hoje não existe controvérsia sobre a possibilidade de extradição sem tratado, seja bilateral ou multilateral. O Brasil pode aceitar e oferecer promessas de reciprocidade em matéria extradicional. Tal regra está positivada no art. 76 da Lei 6.815/1980.
Os tratados multilaterais subsidiários em matéria extradicional
Alguns países, sobretudo os que seguem a tradição jurídica da common law, não extraditam sem tratado (no extradition without treaty).
Logo, para tais nações, não é possível requerer ou conceder extradições com base em promessas de reciprocidade. É o caso do Reino Unido.
Na falta de um tratado bilateral ou multilateral de extradição – de que são exemplos a Convenção da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) de 2005 e os Acordos de Extradição do Mercosul de 1998 –, há a alternativa de lançar mão de tratados multilaterais que contenham regras subsidiárias em matéria extradicional.
Ingressam nessa categoria atos internacionais como a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena de 1988, promulgada pelo Decreto 154/1991), a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo de 2000, posta em vigência interna pelo Decreto 5.015/2004) e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida de 2003, vigente com o Decreto 5.687/2006).
Tome-se como exemplo o art. 16.4 e 5 da Convenção de Palermo:
“Art. 16. Extradição.
4. Se um Estado Parte que condicione a extradição à existência de um tratado receber um pedido de extradição de um Estado Parte com o qual não celebrou tal tratado, poderá considerar a presente Convenção como fundamento jurídico da extradição quanto às infrações a que se aplique o presente Artigo.
5. Os Estados Partes que condicionem a extradição à existência de um tratado:
a) No momento do depósito do seu instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão à presente Convenção, indicarão ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas se consideram a presente Convenção como fundamento jurídico para a cooperação com outros Estados Partes em matéria de extradição; e
b) Se não considerarem a presente Convenção como fundamento jurídico para cooperar em matéria de extradição, diligenciarão, se necessário, pela celebração de tratados de extradição com outros Estados Partes, a fim de darem aplicação ao presente Artigo.”
Regra semelhante também está no art. 8.3 da Convenção de Viena de 1988.
Assim, caso não exista tratado de extradição entre o Estado X e o Estado Y, esses países podem valer-se das referidas convenções (ou de outras) como marco normativo, desde que sejam ambos partes delas e o crime objeto do pedido de extradição esteja previsto no seu texto.
Extradições entre Alemanha e Brasil
A fuga do empresário Eike Batista para os Estados Unidos quando da deflagração da Operação Eficiência, em janeiro de 2017, provocou intenso debate sobre a possibilidade de extradição de alemães para o Brasil. Temia-se que o referido empresário buscasse proteção na Alemanha, de onde também é nacional.
Já sabemos que o Brasil já teve – não tem mais desde 1913 – tratado bilateral de extradição com a Alemanha.
Sabemos também que Brasil e Alemanha, como é próprio de países que seguem a tradição da civil law, aceitam compromisso de reciprocidade para efetivar extradições. “A promessa de reciprocidade torna indiferente a ausência de tratado, não impedindo a extradição” (STF, EXT 1351, rel. min. Luiz Fux, j. 18.08.2015).
E não ignoramos que convenções multilaterais podem servir de base jurídica para extradição quando o Estado não aceitar promessas de reciprocidade e condicionar tal procedimento à existência de um tratado ou convenção.
Por exemplo, em acusações de corrupção, é possível usar subsidiariamente a Convenção de Mérida de 2003 (art. 44.5) para obter a extradição de um foragido, quando um tratado for indispensável conforme a lei local. Brasil e Alemanha são partes deste tratado.
Vedação de extradição de nacionais
Um dos principais problemas na relação extradicional entre países como Brasil e Alemanha está na cláusula de nacionalidade. Brasil e Alemanha não extraditam nacionais. Contudo, outros países como Argentina, Estados Unidos, México, Portugal e Reino Unido permitem que seus cidadãos sejam enviados ao exterior para julgamento.
No caso do cidadão ítalo-brasileiro Henrique Pizzolato, o MPF e a AGU enfrentaram nas cortes italianas a alegação de inextraditabilidade em razão da nacionalidade do foragido, que fora condenado pelo STF na AP 470 (Mensalão). A extradição de Pizzolato foi concedida apesar de tal alegação, porque a República Italiana pode extraditar seus cidadãos, como se vê no art. 26 da Constituição, de 1959: “A extradição de um cidadão só pode ser concedida se expressamente prevista em convenções internacionais“.
No caso Lava Jato, na data em que escrevo, há dois pedidos de extradição, ainda pendentes, um para Portugal para a entrega de Raul Schmidt, e outro para Espanha onde é buscado Rodrigo Tacla Durán. Em ambos os processos alega-se óbice de nacionalidade, mas os dois países admitem a extradição de seus cidadãos sob determinadas condições.
De fato, para Portugal, a regra está no art. 33.3 da Constituição de 1976:
“3. A extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo”.
Segundo o art. 13.3 da Constituição espanhola de 1978: “La extradición sólo se concederá en cumplimiento de un tratado o de la ley, atendiendo al principio de reciprocidad.”
Em matéria extradicional, a Alemanha tem legislação mais restritiva do que outros países da União Europeia. Segundo o art. 16.2 da Lei Fundamental Alemã (Grundgesetz): “No German may be extradited to a foreign country.” (Nenhum alemão pode ser extraditado para país estrangeiro).
Essa regra já foi aplicada num caso brasileiro. Marcelo Bauer, condenado por matar a estudante Thais Muniz Mendonça em Brasília, foi beneficiado por sua condição de cidadão alemão. Bauer fugiu da capital federal para a Dinamarca e depois para a Alemanha, país que negou sua extradição ao Brasil. O homicídio ocorreu há 30 anos e ainda está impune. A PGR e o MPDFT tentam convencer a Alemanha a dar eficácia à sentença condenatória proferida no Brasil.
O mesmo texto constitucional que veda a extradição de alemães admite a entrega de cidadãos da Alemanha a Estados Membros da União Europeia ou a um tribunal internacional, “provided that the rule of law is observed.”. Ou seja, só se concebe a entrega de um cidadão alemão a outro país europeu (integrante da UE) se ali for respeitado o devido processo legal. Se a entrega for pedida por um tribunal internacional, a mesma condição se aplica.
Dizendo de outra maneira, a Alemanha não extradita seus nacionais para país estrangeiro (art.16.2 da Lei Fundamental), mas pode entregá-los a país da União Europeia ou a uma corte penal internacional, se ali forem respeitadas as garantias judiciais do acusado, numa perspectiva de direitos humanos.
Como parte do Estatuto de Roma de 1998, que instituiu o Tribunal Penal Internacional, com sede na Haia, o Brasil também está obrigado (Decreto 4.388/2002) a entregar nacionais que sejam procurados pelo TPI, pois, por força do § 4º “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.”
Entrega como sucedâneo da extradição
O instituto da “entrega” difere da “extradição”. Há duas espécies de “entrega”.
Como parte do Estatuto de Roma de 1998, o Brasil está obrigado a entregar nacionais e estrangeiros ao Tribunal Penal Internacional (TPI), quando procurados por crimes internacionais de jurisdição do tribunal.
A “entrega” também pode assumir a forma de mandado regional de detenção, válido em certos espaços comunitários como a União Europeia, a Comunidade do Caribe (Caricom) ou o Mercosul.
Na União Europeia, há desde 2002 o “mandado europeu de detenção e entrega“, também conhecida como euro-ordem. No Mercosul, foi assinado em 2010 o Acordo de Foz do Iguaçu, que criou o Mandado Mercosul de Captura (“Orden Mercosur de Detención”). Porém, tal tratado não está em vigor.
Extradição de pessoas com dupla nacionalidade
Qual o alcance da expressão “país estrangeiro”, constante da Constituição alemã e de textos legais de outras nações? Em casos de dupla nacionalidade, pode-se interpretá-la para tentar validar extradição ao outro país da cidadania da pessoa procurada.
A tese é a seguinte: a extradição de pessoa com dupla nacionalidade, do país de sua cidadania para o outro país do qual também é nacional, não violaria a proibição de inextraditabilidade de nacionais.
Ou seja,”foreign country” (país estrangeiro) na vedação da Lei Fundamental Alemã será qualquer país, mas não o Estado do qual o extraditando for também nacional.
A proibição de entrega de nacionais a tribunais de outros países deriva da necessidade de protegê-los de violações do devido processo legal em Estados estrangeiros nos quais um cidadão do Estado requerido não tenha ou possa não ter os mesmos direitos que um cidadão do próprio Estado requerente. Vale dizer, pretende-se evitar que o cidadão do Estado X seja submetido a tratamento processual indevido no Estado Y, onde é estrangeiro, caso venha a ser para lá extraditado.
Tal situação não ocorrerá se o extraditado for simultaneamente cidadão do Estado requerente e do Estado requerido, pois naquele, isto é, no país do julgamento, tal pessoa não estará sujeita a tratamento indevido ou a limitações de suas garantias judiciais por ser estrangeiro.
Porém, nenhum tratado de que o Brasil é parte permite tal solução. Tampouco há qualquer decisão do STF que aplique tal entendimento em relação a brasileiros com dupla nacionalidade.
O Brasil e a extradição de nacionais
O Brasil não extradita nacionais devido a proibição do art. 5º, inciso LI, da Constituição de 1988. Na República Velha, não era assim. Extraditávamos brasileiros natos ou naturalizados, procurados por outros países, conforme a Lei 2.416/1911:
“Art. 1º É permittida a extradição de nacionaes e estrangeiros:
§ 1º A extradição de nacionaes será concedida quando, por lei ou tratado, o paiz requerente assegurar ao Brazil a reciprocidade de tratamento.
§ 2º A falta de reciprocidade não impedirá a extradição no caso de naturalização posterior ao facto que determinar o pedido do paiz onde a infracção for commettida.”
Embora muitos países extraditem seus nacionais, alguns exigem reciprocidade para fazê-lo. Como desde a Constituição de 1934 (art. 113, n. 31), da qual resultou o art. 1º do Decreto-lei 394/1938, não extraditamos brasileiros natos, não podemos prometer reciprocidade de mesma espécie (“homogênea”) a outro país.
Contudo, como a Constituição de 1988 admite a extradição de brasileiros naturalizados, a oferta de reciprocidade é possível neste limite.
Entre os países ibero-americanos, o Brasil compõe um grupo minoritário. Mais de 70% das nações da região permite a extradição de seus nacionais. Estados Unidos da América e Canadá também compõem tal maioria no continente americano.
Conclusão
Para aqueles países que não extraditam seus nacionais, vale a regra “extraditare vel iudicare“. Cumpre ao Estado iniciar a persecução criminal de seu cidadão pelo crime que cometeu no exterior.
Eis o que determina o art. 1º, §2º e 3º, do Decreto-lei 394/1938, ainda em vigor nesta parte:
§ 2º Negada a extradição de brasileiro, este será julgado no país, se o fato contra ele arguido constituir infração segundo a lei brasileira. Se a pena estipulada na lei brasileira for mais grave do que a do Estado requerente, será a mesma reduzida nesta medida.
Do mesmo modo proceder-se-á quando for o caso, se negada a extradição do estrangeiro.
§ 3º Nos casos do parágrafo anterior, serão solicitados ao Governo requerente os elementos de convicção para o processo e julgamento, sendo-lhe depois comunicada a sentença ou resolução definitiva.
Tem-se então uma hipótese de extraterritorialidade condicionada da lei penal, regulada, no Brasil, pelo art. 7º do Código Penal. A lei criminal brasileira aplicar-se-á à infração penal cometida por um cidadão brasileiro no exterior, desde que:
tal pessoa esteja no território nacional.
seja observada a dupla incriminação.
se trate de um crime extraditável.
não haja bis in idem.
não esteja extinta a punibilidade segundo a lei mais favorável.
A entrega, a extradição, a captura de criminosos em conflitos armados e a rendição voluntária de suspeitos são as únicas formas legítimas de submissão de um foragido à Justiça do país ou ao tribunal internacional que tem jurisdição sobre um determinado crime. Numa perspectiva garantista do direito internacional extradicional, execuções sumárias, abduções e extraordinary renditions também são “caminhos de ratos”.