Júri

O abominável caso do Sr. Neves

Caso do Sr. Pimenta Neves, sobre quem não faço juízo de valor algum. Se é culpado ou inocente, não discuto aqui. Isto cabe ao Ministério Público de São Paulo e ao Judiciário. Nosso sistema recursal, que, aliás, assegura a este réu e a qualquer outro a presunção de inocência até o apito final do juiz, aos 15 minutos do segundo tempo da prorrogação da segunda partida do returno.

por Vladimir Aras.

Depois que falei da intragável sopa de letrinhas processuais que assola o País (leia aqui), ficou fácil entender por que razão o jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves ainda está solto, mesmo após sua confissão e condenação em três instâncias judiciárias.

Primeiramente, pontuo que um “réu confesso” não é pior que um réu “não confesso”. Tanto na religião quanto no Direito, aquele que confessa merece benefícios. Diante de Deus, tem a possibilidade de expiar seu “pecado” por meio de penitências mais leves. Diante dos tribunais, tem direito a uma circunstância atenuante da pena. Isto mesmo: quem confessa merece pena menor (art. 65, inciso III, letra ‘d’, do CP). Faço esta observação porque a imprensa sempre dá à expressão “réu confesso” uma carga negativa. Observem como os repórteres pronunciam os dois termos, lançando ira contra o acusado. É como se dissessem: “Que cara de pau! Fez e ainda confessa…”.

Fechando a digressão, vamos ao abominável caso do Sr. Pimenta Neves, sobre quem não faço juízo de valor algum. Se é culpado ou inocente, não discuto aqui. Isto cabe ao Ministério Público de São Paulo e ao Judiciário. Colho o caso apenas para refletir com os meus …eerr.. 3,2 milhões de leitores sobre nosso sistema recursal, que, aliás, assegura a este réu e a qualquer outro a presunção de inocência até o apito final do juiz, aos 15 minutos do segundo tempo da prorrogação da segunda partida do returno.

Eis os fatos que estiveram nos jornais e que agora foram engolidos por um emaranhado recursal em Brasília. É mais uma triste história de crime passional. Sandra Gomide, ex-namorada de Pimenta Neves, foi morta a tiros em 20/ago/2000, aos 33 anos. Quem pensa que ama, mata. O Ministério Público alegou que o réu cometeu o crime por motivo torpe e mediante recurso que impossibilitou a defesa da vítima (art. 121, §2º, incisos I e IV, do CP). Levado a júri popular na comarca de Ibiúna/SP, Pimenta Neves confessou o delito e foi condenado a 19 anos, 2 meses e 12 dias de reclusão em regime fechado. Estávamos em maio de 2006. A pena foi fixada em patamar inferior a 20 anos, o que impediu o protesto por novo júri, “recurso” ainda vigente à época do julgamento e extinto com a minirreforma processual de 2008.

Na apelação criminal interposta pela Defesa, o Tribunal de Justiça de São Paulo reduziu a pena do réu para 18 anos de reclusão. A sanção para o homicídio qualificado tem intervalo de 12 a 30 anos. O caso podia ter terminado ali.

Não satisfeito com a decisão no duplo grau de jurisdição, o acusado ingressou com recurso especial endereçado ao Superior Tribunal de Justiça. Aí é que começou o caracol processual, a centopeia recursal, a miriápode judiciária, o bicho de mil perninhas da Justiça
O recurso especial tomou o n. RESP 1.012.187/SP e foi distribuído à 6ª Turma do STJ, tendo como relatora a ministra Maria Thereza de Assis Moura. Em 2/set/2008, a 6ª Turma julgou parcialmente procedente o RESP para reduzir a pena de Pimenta Neves para 15 anos de reclusão. Viram como funciona? Quanto mais o recurso sobe, mais a pena desce.

Aproveitando o embolado sistema recursal brasileiro, a Defesa de Pimenta Neves entrou sucessivamente com os seguintes recursos, todos capazes de protelar o início do cumprimento da pena até as calendas gregas:

a) embargos de declaração no recurso especial, que foram improvidos em 11/dez/2008 pela própria 6ª Turma;

b) embargos de divergência no recurso especial, negados em 4/mar/2009, tendo como relator o ministro Arnaldo Esteves de Lima, da 3ª Seção do STJ;

c) agravo regimental nos embargos de divergência no recurso especial, que foi denegado em 12/ago/2009, também pela 3ª Seção;

d) embargos de declaração no agravo regimental nos embargos de divergência no recurso especial (AEADRE), que não foi provido pela 3ª Seção do STJ em 23/set/2009. Olha ele aqui.

e) recurso extraordinário nos embargos de declaração no agravo regimental nos embargos de divergência no recurso especial, que, em 5/fev/2010, não foi admitido pelo ministro Ari Pargendler, então na vice-presidência do STJ.

Não canse, pois o acusado Pimenta Neves ainda interpôs um agravo de instrumento (AI) no referido recurso extraordinário (RE), endereçado ao Supremo Tribunal Federal, para obter decisão que permita a subida do RE.

Este último recurso, o AI 795.677, foi autuado no STF em 12/abr/2010 e distribuído ao seu relator, o ministro Celso de Mello. A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo não provimento do agravo em 5/mai/2010. Desde 27/ago/2010,  o recurso está pronto para decisão (aqui).

Pensa que acabou? Não! Se o STF entender que esse agravo de instrumento é procedente, julgará o recurso extraordinário de Pimenta Neves e tudo poderá voltar à estaca zero, com novo júri lá em Ibiúna. Se isso acontecer, a Defesa poderá entrar novamente com todos esses pedidos. E outros dez anos passarão…

Esse processo penal brasileiro é enrolado como um ingongo!

Inscrever-se
Notificar de
0 Comentários
mais recentes
mais antigos Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários