por Vladimir Aras
A 5ª Turma do STJ, tem em mesa um caso jurídico bem interessante. Seus cinco ministros terão de decidir se dano ao patrimônio do Distrito Federal se enquadra no dano simples (art. 163) ou no dano qualificado (art. 163, parágrafo único, inciso III, do CP). O relator é o ministro Jorge Mussi.
Ao desavisado a questão pode parecer tola e sugerir uma resposta imediata: é claro que os bens do Distrito Federal são públicos e, portanto, a prática de dano contra eles faz incidir a qualificadora do parágrafo único.
Mas não é tão simples assim.
Como o direito penal rege-se pelo princípio da legalidade penal estrita (art. 5º, inciso XXXIX, CF), o preceito incriminador deve ser completo e claro. Quando, o art. 163 foi sancionado em 1941, a redação do inciso III englobava os crimes praticados contra o patrimônio da União, de Estado ou Município. Anos depois, a Lei 5.346/67 deu nova redação ao inciso, para considerar qualificado o crime de dano quando praticado contra “o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista”. Esta é a atual redação e nota-se uma ausência eloquente: o Distrito Federal.
E neste caso, não se admite analogia in malam partem. No entanto, não teria dificuldades em defender o cabimento da qualificadora no caso dos bens do DF. É que o DF, um ente federado anômalo, guarda características e competências de “Estado-membro” e de “Município”, simultaneamente. Além disso, sem sombra de dúvida, seus bens são públicos. Se o art. 163 do CP tutela o patrimônio, e a Constituição Federal e a Lei Orgânica do DF consideram públicos os bens desse ente federado, não há como deixar de reconhecer a identidade entre o DF e um Estado ou entre o DF e um Município. A questão seria apenas de nomenclatura, e não de substância.
O curioso é que o HC foi impetrado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que defende a tese de que o dano praticado contra os bens do DF, de suas concessionárias de serviços públicos ou de suas sociedades de economia mista deve ser considerado simples. Não se espante: o MP pode impetrar HC em favor do suspeito ou acusado.
São cinco as principais implicações desse caso:
1. no crime de dano simples, a pena é de 1 a 6 meses de detenção, ou multa; ao passo que no dano qualificado a pena é de 6 meses a 3 anos de detenção, e multa.
2. se simples o dano, a competência é dos Juizados Especiais Criminais; se o crime é qualificado, a competência é do juízo criminal comum;
3. no dano simples, caberá transação penal e a suspensão condicional do processo, enquanto no dano qualificado somente é cabível o sursis processual.
4. a legitimidade ativa para a propositura da ação penal no dano qualificado (inciso III) é do Ministério Público, mas somente o ofendido pode manejar queixa-crime para punir o dano simples. Neste caso, não se aplicaria o art. 24, §2º, do CPP, pois o DF também não consta no rol de entes públicos de tal artigo.
5. Os crimes de ação privada estão sujeitos a decadência (caso do dano simples), no prazo de seis meses a contar da ciência da autoria. Porém, esta regra não se aplica ao dano qualificado.
Minha opinião: o Distrito Federal é um ente federado à luz do art. 1º da Constituição de 1988. Suas competências e natureza são equivalentes às dos 26 Estados e dos Municípios brasileiros (art. 32, §1º, CF). Os bens do DF são públicos (art. 46 e 51 da LODF) e originariamente eram bens da União (art. 16, §3º do ADCT). O artigo 163, parágrafo único, inciso III, do CP, não menciona essa unidade federada diretamente, mas o DF está incorporado ao tipo por ser um híbrido Estado-Município ou Munícipio-Estado. Portanto, se eu fosse desembargador do TJ/DF e tivesse que julgar esse caso, denegaria o habeas corpus e fecharia questão com o dano qualificado. É simples?